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Uma imoralidade

Agenda 11/03/2017 às 09:13

Povo brasileiro, atenção: governo tenta trazer a anistia às doações feitas por meio de "caixa 2" em meio ao pacote anti corrupção que é apreciado no Congresso.

Informou o jornal O Globo que uma nova estratégia para retomar a votação de uma anistia contra crimes cometidos por meio de financiamento eleitoral já começa a ser discutida no Congresso. A medida valeria para o caixa 2 e para a doação oficial.

A articulação ganhou corpo depois da decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar que doação oficial pode ser crime, se feita com dinheiro ilegal, e transformar o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) em réu.

Os parlamentares cogitam duas alternativas para aprovar uma anistia: uma proposta sobre financiamento eleitoral ou incluir o tema dentro do pacote das dez medidas anticorrupção, que deverá voltar em breve ao Senado.

Depois da conferência de assinaturas pela Câmara, o projeto das dez medidas será prontamente devolvido para apreciação dos senadores. Mas se eles alterarem o texto para incluir a anistia, o texto aprovado pela Casa terá de voltar à Câmara.

Pelo que ouvi vão botar isso na votação das dez medidas. Eles aprovam as medidas de combate à corrupção sem distorcer o objetivo, e junto no pacote, a anistia às doações de Caixa 2. Com o pavor que tomou conta da Casa, depois que passar na Câmara, passa fácil no Senado. Esse é o movimento em curso — contou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Na Câmara, deputados da base acreditam que, neste momento, é melhor esperar o Senado fazer um movimento sobre o assunto para, só depois, aprovarem algo do tipo. Eles dizem que já houve um enorme desgaste no fim do ano passado, quando a Câmara tentou aprovar a anistia ao caixa 2 em meio ao pacote das dez medidas anticorrupção, e que o Senado sequer pautou o projeto em plenário.

Agora é a vez do Senado, chega de ficarmos com a brocha na mão. A preocupação dos deputados é grande, mas não adianta votar algo aqui e ficar parado lá no Senado — acrescentou um deputado do PMDB. Os parlamentares estão se movimentando em reação a decisões do STF na matéria. 

Importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal retira o véu do chamado caixa 1 de campanha, demonstrando-se que, também, por essa forma, há hipótese de recebimento de propina por parte de agente público.

Sendo assim, o fato de a propina ser paga sob a forma de doação eleitoral é irrelevante para análise da tipicidade do crime de corrupção passiva.

Sendo assim, é uma ousadia de lei feita em causa própria, como bem disse a procuradora regional da República, Silvana Batini, em artigo publicado no O Globo, do dia 11 de março do corrrente ano. O Jornal O Globo, de 8.3.17, informou que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, no dia 7.3.17, que um candidato pode ser processado por receber propina disfarçada de doação de campanha declarada à Justiça Eleitoral.

No caso específico, foi aberta ação penal contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que teria recebido doação da Queiroz Galvão de R$ 500 mil em 2010. Há suspeita de que o dinheiro foi desviado de contratos da empresa com a Petrobras. 

Quanto aos fatos, destacou o site da PGR, em 8 de março do corrente ano: 

“De acordo com a denúncia, o valor recebido por Valdir Raupp foi pago pela empresa Queiroz Galvão, sob o disfarce de doações eleitorais "oficiais" para a campanha ao Senado de 2010.

Também foram denunciados os assessores parlamentares Maria Cléia Santos de Oliveira e Pedro Roberto Rocha, que teriam contribuído para o recebimento da propina. Conforme as investigações da Operação Lava Jato, Paulo Roberto Costa solicitava e recebia pagamentos ilícitos de empresas mediante a celebração de contratos com a Petrobras, para que elas recebessem benefícios indevidos da estatal.

Parte desses valores eram repassados a agentes políticos para assegurar sua permanência no cargo e a manutenção do esquema criminoso. A denúncia destaca que a propina foi acertada entre Alberto Youssef e Maria Cléia Santos de Oliveira e, seguindo determinações de Valdir Raupp, os recibos foram emitidos por Pedro Roberto Rocha.

Na acusação, Janot afirma ainda que os pagamentos foram feitos em favor do Diretório Estadual do PMDB de Rondônia, nos valores de R$ 300 mil em 27 de agosto de 2010 e R$ 200 mil em 1° de setembro de 2010.”

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O relator, ministro Edson Fachin, concluiu que a peça inicial acusatória atende aos requisitos do CPP:

“Narra a denúncia a prática, em tese, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Há descrição compreensível das condutas imputadas, com indicação de tempo, lugar e modo.”

Segundo o ministro Fachin, ainda que haja “certa inconsistência” sobre a pessoa responsável a passar para Paulo Roberto Costa a solicitação indevida de Raupp, “não há dúvidas de que o repasse foi feito e de valores oriundos da Petrobras”.

“Os demais indícios não são abaláveis, pois suficientes nesta fase para corroborar a tese acusatória de que Valdir Raupp teria solicitado e recebido valores espúrios oriundos da Petrobras. Tais pontos das delações são convergentes.”

A afirmação mais contundente acerca do uso de doação oficial à campanha para lavagem de dinheiro partiu do decano, ministro Celso de Mello:

“A prestação de contas à Justiça Eleitoral pode constituir meio instrumental viabilizador da prática do delito de lavagem de dinheiro, se os recursos financeiros doados, mesmo oficialmente, a determinado candidato ou a certo partido político, tiverem origem criminosa resultante da prática de outro ilícito penal, denominada infração penal antecedente, como os crimes contra a Administração Pública, por exemplo, pois configurado este contexto que traduz uma engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará como típico expediente de ocultação ou até mais, de dissimulação do caráter delituoso das quantias doadas em caráter oficial, oriundas da prática, por exemplo, do delito de corrupção. E esse comportamento, menos do que ousado, constitui um gesto de indizível atrevimento e de gravíssima ofensa à legislação da República na medida em que os agentes da conduta criminosa, valendo-se do próprio aparelho de Estado, objetivam por intermédio da Justiça Eleitoral, e mediante defraudação do procedimento de prestação de contas, conferir aparência de legitimidade a doações integradas por recursos financeiras manchados em sua origem pela nota da delituosidade.”.

A iniciativa é uma afronta aos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade que norteiam as atividades da República consoante o artigo 37 da Constituição Federal. 

Integrante da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol criticou nesta segunda-feira, em debate no Rio, a proposta em discussão no Congresso para punir juízes e procuradores por crime de responsabilidade e a articulação para anistiar o caixa dois. Ele disse que se buscou, com um jogo de palavras, anistiar, na verdade, a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Esse jogo de palavras, de acordo com Dallagnol, está na redação da emenda, que diz que a anistia é para os "crimes relacionados" ao caixa dois, o que incluiria os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção que tenham sido praticados com o objetivo de criar uma contabilidade paralela de campanha.

A ideia de anistia ao caixa dois não é mais do que um jogo de palavras. A redação proposta é de anistia à corrupção e à lavagem de dinheiro relacionados ao caixa dois. Isso é confirmado pelo fato de que não há razão para alguém temer o processamento pelo crime de caixa dois.

Não conheço ninguém que tenha sido processado e condenado pelo crime de caixa dois. Isso é raro, e a Lava-Jato não tem por objetivo (investigar) o crime de caixa dois. Isso é um crime da Justiça eleitoral e não da Lava-Jato — afirmou o procurador, após no debate “10 medidas contra a corrupção - Propostas de reflexão”, promovido pela FGV Direito Rio.

Neste domingo, o presidente da República Michel Temer (PMDB), ao lado dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que eles não vão “patrocinar” qualquer movimento a favor da aprovação da medida que anistia o caixa dois.

O anúncio aconteceu após o caso Geddel provocar uma crise no governo. Diversos são os crimes de caixa 2, de corrupção e lavagem de dinheiro. A conduta delituosa já é prevista na legislação penal com crime. Isso foi lembrado no julgamento da ação penal 470, no que ficou conhecido como processo do “mensalão”. Usar dinheiro não declarado em campanhas políticas é crime, sem se esquecer que poderá levar a desaprovação da prestação de contas apresentada. 

O “caixa-dois” é o ato de fraudar a legislação eleitoral, inserindo elementos falsos ou omitindo informações, com o fim de ocultar a origem, o destino, ou a aplicação de bens da prestação de contas de partido político ou de campanha eleitoral.

O crime, no âmbito dos delitos cometidos contra instituição financeira, é previsto na Lei 7.492/86, quando se diz que é crime “manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação”. A pena é de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa. Trata-se de crime próprio (o sujeito ativo e qualquer das pessoas mencionadas no artigo 25 da Lei de Crimes do Colarinho Branco). O elemento subjetivo é o dolo genérico.

O chamado “caixa dois” é ainda visto da leitura do artigo 1º da Lei 8.137, de 1990, para as relações tributárias. Isso quando não houver ainda caracterização de crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro.

O crime é permanente, o que implica que o agente passe a manter recurso no “caixa dois”.

Assim, perdura o crime enquanto o agente mantiver o sistema de “caixa dois” ilícito e indevido. Há um momento consumativo inicial, um momento consumativo final e um período consumativo duradouro, que se interpõe entre aqueles dois momentos. A consumação dá-se no momento consumativo inicial que é aquele em que o agente passa a manter o recurso no “caixa dois”.

A matéria já é objeto da proposta com relação ao novo Código Penal.

Veja-se que a SF PLS 282/2013, de 9 de julho de 2013, inclui o artigo 22 – B da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para tipificar “o crime de caixa dois” eleitoral. Seu autor foi o Senador Jorge Viana.

Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, a proposta de anistiar o caixa dois é um "jabuti e inconstitucional".

O jurista reagiu com indignação à tentativa, em curso na Câmara, de incluir o perdão ao uso de dinheiro de campanhas sem declaração à Justiça na proposta das Dez Medidas, apresentada pelo Ministério Público Federal.

Disse o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal:

“O projeto é uma parafernália. É mistura de figuras penais e crimes eleitorais com uma serventia, autoanistiar membros do Legislativo. E a Constituição não admite isso em se tratando de membros de Poder. A anistia foi versada pela Constituição como perdão legal de infrações, mesmo no campo penal, protagonizadas por particulares.”

E disse mais:

“Se for aprovado, o projeto já nascerá vocacionado para o seu desvantajoso questionamento em juízo. Esse tema é uma pecinha de cristal, nuançado. É imbricado com outras figuras delituosas. O caixa dois pode ser produto de corrupção, de propina, meio de lavar dinheiro.”

O Estado é o conjunto de seus Poderes. E não há Poder sem membros, deputados, senadores, presidente. E não existe a figura da autoanistia. 

Distinto é o crime de corrupção passiva. Aparece o crime de corrupção passiva, nos seguintes termos, no artigo 317 do Código Penal: "Solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem"

Como bem disse Heleno Claudio Fragoso (Lições de Direito Penal, Parte Especial, volume II, pág. 416) a venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias formas, comprometendo a eficiência do serviço público e pondo em perigo o prestigio de toda a administração.

A corrupção do agente público, na forma de corrupção passiva, corresponde a ação do particular que a promove ou dela participa e que se denomina corrupção ativa. Na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente a do corresponde autor da corrupção ativa.

O crime é tipicamente formal e se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida ou aceitação da promessa de tal vantagem, sem que se exija outro resultado.

O crime de lavagem de dinheiro é operação financeira ou transação comercial que oculta ou dissimula a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou valores que direta ou indiretamente são resultado ou produto de delitos.

São graves as conclusões trazidas pelo membro do Ministério Público Federal.

Caso isso seja verdadeiro e o projeto for aprovado e sancionado, estará, de todo, comprometida a operação Lava-jato em algo que, nem na Itália foi obtido com êxito, quando se enfraqueceu a operação Mãos Limpas.

A anistia é o ato de caráter geral pelo qual o poder público deixa de punir certos crimes. É concedida por lei que terá efeito retroativo.

É o esquecimento jurídico de uma ou mais infrações.

É cabível a anistia antes e depois do processo ou da condenação. É própria, quando concedida antes da sentença condenatória transitar em julgado e imprópria, se dada, depois da sentença, recaindo sobre a pena.

A anistia pode ser geral (quando beneficia todas as pessoas que participaram do crime) ou parcial. Pode ser ampla ou plena (apaga por completo a matéria de fato e extingue todos os efeitos), é irrestrita quando inclui todos os crimes relacionados com o principal e restrita quando são excluídas algumas infrações.

Se a anistia apaga o delito e extingue seus efeitos, é justo que não se exija o decurso de dois anos previstos no artigo 94, caput, do Código Penal, para a concessão da reabilitação. O mesmo deve ser dito com relação a abolito criminis, como se vê de decisão do STF, em caso de anistia por crime contra a segurança nacional (RCrim 1.439, DJU de 6 de maio de 1983, pág. 6.023).

O ministro Gilmar Mendes disse à imprensa: 

— O caixa 2 tem que ser desmistificado também. Necessariamente ele não significa um quadro de abuso de poder econômico. Por que se faz caixa 2? Em princípio para o candidato seria indiferente, seria até melhor que ele recebesse pelo caixa 1 — afirmou o ministro  Gilmar Mendes, em entrevista ao site da BBC Brasil.

Segundo o presidente do TSE, a Lava-Jato revelou a existência de quatro tipos de situação:

— Temos a doação plenamente legal. Tem essa chamada doação legal entre aspas, (oriunda de) propina. Temos a irregular, informal, caixa 2 que não teria outros vícios. E podemos ter também essa doação irregular, informal, (oriunda de) propina, com o objetivo de corrupção”.

Ao “Estado de S.Paulo”, o ministro  Gilmar Mendes  disse que pode haver caixa 2 sem corrupção:

— Temos o caixa 2 que é defeituoso do ponto de vista jurídico, mas não tem nada de corrupção.

Em setembro de 2012, durante o julgamento do mensalão, Gilmar abordou o problema do caixa 2 em outro contexto, quando réus diziam que os recursos recebidos por fora eram apenas caixa 2 e não fruto de corrupção:

— Essa supostamente inventiva tese do caixa 2, propalada como normal no ambiente partidário, não se sustenta, pela origem ilícita dos recursos, que decorria de peculato ou de dinheiro associado a práticas de corrupção. Portanto, falar em recursos não contabilizados, como se se tratasse de mera falha no processo administrativo eleitoral, é o eufemismo dos eufemismos. 

Data venia, ministro, com o devido respeito, caixa dois é crime.

Ora, com o devido respeito, os recursos são ocultados por interesse do doador ou do candidato. E esses interesses são sempre escusos. Seja porque se trata de recursos sonegados ao Fisco, seja porque são provenientes de fontes ilícitas, ou porque são empregados na campanha ou fora dela de maneira irregular. Relativizar isso é perigoso. 

Disse bem Silvana Batini: 

"Politicamente, anistiar o crime de caixa 2 tem um custo alto: a mensagem à nação de que leis eleitorais vigoram apenas enquanto não incomodam quem está no poder. Juridicamente, ainda um problema. Uma ousadia dessa natureza empurraria mais uma vez ao Supremo a tarefa de colocar ordem na casa. Afinal, uma lei em causa própria desafia o princípio da razoabilidade. E a Constituição não permite isto. "  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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