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Fracassado sistema punitivo tradicional no Brasil. Penas alternativas. Soluções ou retrocessos?

Agenda 03/09/2020 às 14:50

Examinam-se os requisitos para substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direito, bem como sua eficácia.

Um dos maiores travões aos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade (...) A certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade. (Cesare Beccaria)

RESUMO: O presente trabalho tem por escopo precípuo analisar, sem caráter exauriente, as penas restritivas de direito no ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-Chave: Direito Penal. Teoria Geral da Pena. Humanização. Penas restritivas de direitos. Hipóteses legais.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITO DE SANÇÃO PENAL. 3. ESPÉCIES DE PENAS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO. 3.1. Penas privativas de liberdade. 3.2. Penas restritivas de direito. 3.3. Pena de multa. 4. AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E OS TRATADOS INTERNACIONAIS. 5. ESPÉCIES DE PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO NO DIREITO BRASILEIRO. 5.1. Penas restritivas de direito do Código Penal Brasileiro. 5.2. Penas restritivas de direito no Estatuto do Torcedor. 5.3. Penas restritivas de direito no Código de Trânsito. 5.4. Penas restritivas de direito no Código do Consumidor. 5.5. Penas restritivas de direito na Lei Maria da Penha. 5.6. Penas restritivas de direito na Lei dos Crimes Ambientais. 5.7. Da Lei sobre drogas. 6. CONCLUSÕES. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1. INTRODUÇÃO

A teoria geral da pena tem sido motivo de grandes debates no meio social e jurídico, considerando o crescente aumento da criminalidade no Brasil, sua  superlotação carcerária, e, sobretudo, a descrença social no sistema de resposta penal aos ataques dos bens jurídicos.

Todos comentam acerca da falência do sistema prisional no país, e para sustentar o descrédito no macrossistema de justiça penal, basta verificar os números da  execução da pena em evidência no Brasil, que se apresenta nos dias atuais no terceiro lugar em população carcerária no mundo, atrás somente dos Estados Unidos e da China. Há quem coloque no Brasil no 4º lugar, e neste caso, a Rússia apareceria em terceiro lugar.

Cidades pequenas sendo sitiadas por bandos criminosos, a exemplo do que aconteceu recentemente nas cidades de Medina e Padre Paraíso, Vale do Mucuri, em Minas Gerais, quando delinquentes fortemente armados dominaram os dois municípios e aprontaram toda sorte de ataques e humilhações, explosão de caixas eletrônicos, disparos de armas de fogo contra instalações policiais, disparos contra viaturas policiais, ataques a lojas de eletrodomésticos, farmácia e outros estabelecimentos.

Casos de homicídios diários, perto de 160 registros, grande incidência de furtos e roubos, às vezes sem acionamento da polícia, porque ninguém mais acredita no sistema de justiça penal, tudo indo para a vala das cifras negras, agressões outras que não são contabilizadas nas estatísticas oficiais do estado, cifras douradas, dado a descrença social na resposta do estado.  

A pena de prisão não consegue mais ameaçar ninguém. A intimidação com 30 anos de prisão, prevenção geral negativa, não tem evitado a explosão da criminalidade no Brasil.

Se a pena de prisão não cumpre sua função social, o jeito agora é voltar os olhos para a aplicação das medidas alternativas da prisão, talvez aplicadas a criminosos primários e de pouca periculosidade, evitando-se o contato destes com criminosos perigosos e violentos, e aí, já estamos falando das penas restritivas de direito, objeto deste estudo, com ênfase naquelas definidas no desenho do artigo 43 do Código Penal Brasileiro, com nova redação determinada pela Lei nº 9.714, de 1998.


2. CONCEITO DE SANÇÃO PENAL

Diretamente ao assunto, pode-se definir sanção penal como sendo a resposta do estado no seu soberano direito de punir, exercido contra alguém que tenha transgredido as normas do direito penal, e, portanto, tenha cometido uma infração penal, que de acordo com a gravidade do bem jurídico atingido podendo ser classificado como crime ou contravenção penal.

Assim, didaticamente falando podemos afirmar que sanção é gênero, de que são espécies pena, medida de segurança, medida socioeducativa e medidas de proteção.

Neste sentido, é possível encontrar a disciplina da pena no artigo 32 do Código Penal, a medida de segurança no artigo 97, também do Código Penal, a medida socioeducativa no artigo 112 e medida de proteção, artigo 101, as duas últimas previstas na Lei nº 8.069/90, que define o Estatuto da Criança e do Adolescente.


3. ESPÉCIES DE PENAS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

As penas existentes no Direito Penal pátrio são as privativas de liberdade, as penas restritivas de direito, a pena de multa, nos exatos termos do artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição da República c/a artigo 32 do Código Penal Brasileiro.

É o que passaremos a detalhar abaixo.

3.1. Penas privativas de liberdade

As penas privativas de liberdade são aquelas que têm o poder de confinar a liberdade das pessoas. É a conhecida pena de prisão.

Elas aparecem no preceito secundário do tipo penal em forma dicotômica, sempre com o rótulo de reclusão ou detenção, ou ainda a prisão simples para o caso das contravenções penais.

Não existe no Código Penal um capítulo ou dispositivo legal apontando as diferenças entre reclusão e detenção.

Para o estudioso no direito, logo se percebe que as condutas mais graves são puníveis com reclusão, a exemplo de homicídio, roubo, estupro, extorsão mediante sequestro e outras.

As condutas menos graves são geralmente puníveis com detenção, a exemplo dos crimes de lesão corporal leve, ameaça, e outras.

Existem outras diferenças, como acontece no regime de cumprimento de penas e efeito da condenação, artigo 92 do Código Penal, que pode gerar como efeito específico, não automático, a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado.

Já as condutas classificadas como contravencionais, são puníveis com a chamada prisão simples, conforme artigo 5º, inciso I, do Decreto-lei nº 3.688, de 03 de outubro de 1941.

3.2. Penas restritivas de direito

As penas restritivas de direito são aquelas que se apresentam como forma de sanção penal, aplicadas ora autônoma, ora substitutiva, ou às vezes cumulativamente com as penas privativas de liberdade, e que têm o condão de causar uma supressão ou até mesmo uma diminuição dos direitos do condenado.

Segundo o magistério do excelso Prof. Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Código Penal Comentado, página 199, penas restritivas de direito "são penas alternativas às privativas de liberdade, expressamente previstas em lei, tendo por fim evitar o encarceramento de determinados criminosos, autores de infrações penais consideradas mais leves, promovendo-lhes a recuperação através de restrições a certos direitos."

Citado por Guilherme de Souza Nucci, o professor Nilo Batista define como um movimento denominado "fuga da pena", iniciado a partir dos anos 70, quando se verificou com maior evidência, o fracasso do tradicional sistema punitivo do Brasil ( Alternativas à prisão no Brasil, p. 76).

3.3. Pena de multa

A pena de multa é uma modalidade de pena pecuniária, monetária, prevista no artigo 32, inciso III, e detalhada no artigo 49 do Código Penal Brasileiro, quanto ao seu valor, legitimidade para a execução, prazo para pagamento, parcelamento, e outras consequências de sua aplicação. 

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4. AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO E OS TRATADOS INTERNACIONAIS

Existem vários Tratados, Convenções e Regras internacionais que dizem respeito à aplicação da pena, em especial, com ênfase na rigorosa observância quanto à dignidade da pessoa humana.

Pelos menos três Regras Internacionais da Organização das Nações Unidas merecem citação neste contexto de aplicação de pena, notadamente, fomentado e estimulado pelas Nações na aplicação de penas restritivas de direito.

Assim, temos as Regras de Tóquio, as Regras de Bangkok e as Regras de Mandela.

O Conselho Nacional de Justiça publicou as três Regras, que segundo informou o CNJ "a preocupação das Nações Unidas com a humanização da justiça criminal e o fortalecimento das ações capazes de garantir a proteção dos direitos humanos, as Regras de Tóquio, cuja proposta é consolidar uma série de princípios comprometidos com a promoção e estímulo à aplicação, sempre que possível, de medidas não privativas de liberdade, são o divisor de águas entre uma cultura exclusivamente punitivista e a construção de um modelo mais humanizado de distribuição da justiça, na medida em que propõem a valorização de formas e resultados menos danosos do que aqueles decorrentes da utilização da prisão.

Nesse contexto, tendo em conta a preocupação da atual gestão do Conselho Nacional de Justiça com a questão da humanização da pena, e buscando o mesmo protagonismo que norteou a oficialização e divulgação das Regras de Bangkok e das Regras de Mandela, a publicação das Regras de Tóquio, como parte das ações concernentes à SÉRIE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS, tem por objetivo confrontar, diretamente, o paradigma do superencarceramento que se arraigou entre nós, disseminando a aposta em medidas que estejam vinculadas a uma atuação jurisdicional menos excludentes e mais próximas do ser humano".

No item 8.2, das Regras de Tóquio, são propostas as seguintes medidas:

"As autoridades competentes podem adotar as seguintes medidas:

(a) Sanções verbais, como a censura, a repreensão e a advertência;

(b) Acompanhamento em liberdade antes da decisão do tribunal;

(c) Penas privativas de direitos;

(d) Sanções econômicas e pecuniárias, como multas e multas diárias;

(e) Ordem de confisco ou apreensão;

(f) Ordem de restituição à vítima ou indenização desta;

(g) Condenação suspensa ou suspensão da pena;

(h) Regime de experiência e vigilância judiciária;

(i) Imposição de prestação de serviços à comunidade;

(j) Envio a um estabelecimento aberto;

(k) Prisão domiciliar;

(l) Qualquer outra forma de tratamento não institucional;

(m) Uma combinação destas medidas"


5. ESPÉCIES DE PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO NO DIREITO BRASILEIRO

As penas restritivas de direito são previstas no Código Penal Brasileiro com  detalhamento maior e em diversas leis extravagantes, a saber.

5.1. Penas restritivas de direito do Código Penal Brasileiro

No Código Penal, as penas restritivas de direito são disciplinadas no artigo 32, II, e artigo 43 a 48, conforme se segue.

As espécies de penas restritivas de direito aparecem previstas no artigo 43 do CP, como sendo:                                                      

I prestação pecuniária;

II - perda de bens e valores;

III prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

IV - interdição temporária de direitos; 

VI - limitação de fim de semana.

Segundo o texto legal, artigo 44, as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: 

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso; 

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Assim, tem-se a presença de dois requisitos, objetivos e subjetivos, aqueles previstos nos incisos I e II e estes no inciso III, respectivamente.

Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.  

Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. 

A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.

No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.  

Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

Vistos os critérios objetivos e subjetivos para a sua substituição, a quantidade de pena restritiva de direito em função da pena imposta, agora passaremos a abordar as penas em espécies:

Destarte, a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.

O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários. 

Por sua vez, a  perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto – o que for maior – o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequência da prática do crime. 

No tocante à prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, esta é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.  

A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. 

Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.

Já a pena restritiva de interdição temporária de direitos é tratada no artigo 47 do Código Penal, sendo:

I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; 

II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo. 

IV – proibição de frequentar determinados lugares. 

V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.    

E por fim, a pena restritiva de limitação de fim de semana, artigo 48 do CP, consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.  

Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.

5.2. Penas restritivas de direito no Estatuto do Torcedor

A Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003 instituiu o estatuto do torcedor, criando várias condutas típicas com intuito de inibir a violência nos estádios, a exemplo do artigo 41-B, que previu a conduta criminosa de promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos, com previsão de pena de reclusão de reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. 

Também incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: 

I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; 

II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.      

A pena restritiva de direito para o torcedor transgressor foi prevista no § 2º, segundo o qual na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas no artigo em apreço.  

A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.

Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.       

5.3. Penas restritivas de direito no Código de Trânsito

Recente modificação no Código de Trânsito determinada pela Lei nº 13.281/2016, trouxe inovações acerca da aplicação das penas restritivas de direito para os condenados de crime de transito ( artigo 302 a 312).

Os crimes previstos no Código de Trânsito são:

art. 302 - homicídio culposo;

art. 303 - lesão corporal culposa;

art. 304 - Omissão de socorro;

art. 305 - Afastamento do local de acidente para fugir das responsabilidades;

art. 306 - Embriaguez no volante;

art. 307 - Violação da suspensão ou proibição da permissão para dirigir veículo automotor;

art. 308 - Participar de racha;

art. 309 - Dirigir veículos sem estar devidamente habilitado;

art. 310 - Entregar direção de veículo a pessoa não habilitada;

art. 311 - Trafegar com velocidade incompatível nas imediações de escolas;

art. 312 - Inovar artificiosamente local de crime.

Para estas condutas criminosas, o legislador criou 04 (quatro) possibilidades de penas restritivas de direito, substitutivas da pena privativa de liberdade, artigo 312-A, segundo a nuperlei, para os crimes acima relacionados, nas situações em que o juiz aplicar a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, esta deverá ser de prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, em uma das seguintes atividades:  

I - trabalho, aos fins de semana, em equipes de resgate dos corpos de bombeiros e em outras unidades móveis especializadas no atendimento a vítimas de trânsito; 

II - trabalho em unidades de pronto-socorro de hospitais da rede pública que recebem vítimas de acidente de trânsito e politraumatizados; 

III - trabalho em clínicas ou instituições especializadas na recuperação de acidentados de trânsito;  

IV - outras atividades relacionadas ao resgate, atendimento e recuperação de vítimas de acidentes de trânsito.

5.4. Penas restritivas de direito no Código do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, prevê penas privativas de liberdade e restritivas de direito aos condenados por crimes contra o consumidor.

Os crimes são aqueles previstos no Título II, artigos 61 usque 74 da lei em comento.

Segundo dicção do artigo 78 do CDC, além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas, cumulativa ou alternadamente, observado o disposto nos artigos 44 a 47 do Código Penal:

 I - a interdição temporária de direitos;

 II - a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação;

 III - a prestação de serviços à comunidade.

5.5. Penas restritivas de direito na Lei Maria da Penha

A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

O artigo 41 da LMP logo dispara que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

O artigo 17, por sua vez, esclarece que é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Assim, a lei Maria da Penha exclui a aplicação nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, da pena de cesta básica, de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Logo, por óbvio, nada impede que ao condenado se possa aplicar a pena de prestação de serviço à comunidade, entendimento este que conta com adesão de grande parte da doutrina.

5.6. Penas restritivas de direito na Lei dos Crimes Ambientais

A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

A Lei também prevê um sistema de aplicação de penas restritivas de direito, autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:

I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.

As penas restritivas de direitos nos crimes ambientais terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída.

O artigo 8º relaciona as penas restritivas de direito, sendo as seguintes:

I - prestação de serviços à comunidade;

II - interdição temporária de direitos;

III - suspensão parcial ou total de atividades;

IV - prestação pecuniária;

V - recolhimento domiciliar.

A prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível.

As penas de interdição temporária de direito são a proibição de o condenado contratar com o Poder Público, de receber incentivos fiscais ou quaisquer outros benefícios, bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes dolosos, e de três anos, no de crimes culposos.

A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às prescrições legais.

A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou privada com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos.

O valor pago será deduzido do montante de eventual reparação civil a que for condenado o infrator.

O recolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado, que deverá, sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer atividade autorizada, permanecendo recolhido nos dias e horários de folga em residência ou em qualquer local destinado a sua moradia habitual, conforme estabelecido na sentença condenatória.

5.7. Da Lei sobre drogas

A Lei sobre drogas, lei nº 11.343/2006, prevê condutas de tráfico ilícito de drogas e condutas de posse para uso pessoal.

Para as condutas de posse para uso de substâncias entorpecentes, como tal definidas na Portaria 344/98, da ANVISA, a lei prevê três medidas alternativas da prisão no artigo 28, cujas penas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.

Assim, quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.


6. DAS CONCLUSÕES

Como se percebe, a legislação penal brasileira prevê a aplicação de penas restritivas de direito, quase na sua totalidade, com a missão de substituir a pena privativa de liberdade. É certo que para a sua aplicação, o condenado deve preencher diversos requisitos de ordem objetiva e subjetiva.

Um dos mais importantes requisitos para a aplicação da pena alternativa é que o crime não seja praticado com violência ou grave ameaça a pessoa.

Assim, estão afastados da aplicação os condenados por crime de homicídio doloso, roubo e furto, estupro, extorsão mediante sequestro, extorsão, além de outros. Juridicamente, é possível aplicar pena restritiva de direito a condenado por tráfico de drogas, mas é questão muito difícil em razão da pena ser de 5 a 15 anos de reclusão.

Mas numa cogitação de tentativa, pode ser que surja situação que preencha o requisito no tocante ao tempo de condenação.

É certo que juridicamente, também seria possível aplicar pena restritiva de direitos aos condenados por estouros de caixas eletrônicos. Embora os crimes sejam praticados mediante enormes estragos, não são cometidos com violência contra pessoas, mas hipótese rara, considerando a existir quase sempre a vis compulsiva, e normalmente os crimes praticados em concurso material, furto qualificado, utilização de explosivos, organização criminosa, porte ilegal de armas de fogo de uso proibido, além de outros.

Pode-se afirmar, seguramente, que as penas restritivas de direito são aplicadas para criminosos de bom comportamento e condenados por crimes leves, em especial, para condenados por delito de furto simples.

A pena aplicada não pode ser superior a 4 anos de prisão em crime doloso, e qualquer que seja a pena, se o crime for culposo.

Quanto à eficácia da pena, esta questão é muito delicada e contestada, pois o seu cumprimento não possui nenhuma ou quase nenhuma fiscalização por parte do sistema de justiça criminal.

Talvez a melhor efetividade estaria na prestação de serviço à comunidade, notadamente nos estabelecimentos públicos que recebem coercitivamente condenados para prestação de serviços.

Esperar soluções mágicas para o vetusto sistema prisional brasileiro, falido e obsoleto, por meio de aplicação das medidas alternativas é sonhar com momentos elfos, de raridade, de perfeição, de beleza surreal.

É querer amar o vazio, sem cores e sem brilho, mirar as quimeras com flores de lenimento, algo despido de realidade, de concretude, utopias jogadas aos ventos que varrem o sentimento de ignorância.

De nada vale fazer muito barulho e tanta cabotinagem com essas medidas alternativas, se a sua eficácia é como sol sem luz, lua sem brilho, estrelas sem raios ou como bem salientou o saudoso poeta mineiro Vander Lee, "um velho diário perdido na areia, uma pista vazia esperando aviões."


DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

MIRABETE, Júlio Fabbrine; FABBRINE, Renato N. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Arts. 1º a 120 do CP. 24ª Edição. Revista e Atualizada. Editora Atlas. São Paulo - 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Editora Revista dos Tribunais. 1ª edição. 2000. São Paulo.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Fracassado sistema punitivo tradicional no Brasil. Penas alternativas. Soluções ou retrocessos? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6273, 3 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56457. Acesso em: 22 dez. 2024.

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