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Reforma política:

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Agenda 06/09/2020 às 13:00

3       Os Partidos políticos

Realizar uma análise de uma reforma política a ser implementada no Brasil, sem levar em consideração um novo pacto para os partidos políticos, é não avançar em mudanças substanciais de nosso sistema de representação. Precisamos, antes de tudo, compreender o nosso sistema para, a partir dele, tecer quaisquer mudanças.

O Brasil adotou em sua carta federativa em vigor o sistema pluripartidário de representação. Neste sistema, diversos partidos políticos coexistem, com alinhamentos, tendências e programas teoricamente distintos. No entanto, ocorreu no Brasil um fenômeno de pulverização dos partidos, criando um esfacelamento de partidos que acabam por possuir programas e ideologias idênticas, principalmente dos que hoje representam o chamado Centrão[9]. Como já fora explicitado no capítulo anterior, hoje o Brasil possui 35 (trinta e cinco) partidos ativos e quase 50 (cinquenta) novos partidos em processo de apoiamento para formalização e formação. Dallari (2014, pg. 167), quanto à tendência de multiplicação sem freios de partidos políticos, afirma que:

Essa tendência à multiplicação de partidos, quando exagerada, pode levar a uma excessiva divisão do eleitorado, sendo impossível a qualquer partido obter sozinho o governo, donde resulta a necessidade de acordos eleitorais e de outros artifícios destinados a compor maiorias, quase sempre em dano de interesse público.

 No mesmo sentido, Amorim Neto diz que esta fragmentação “torna mais difícil para o Presidente da República conseguir uma sólida maioria no Congresso no momento em que é eleito, mesmo com eleições legislativas simultâneas”, haja visto que não necessariamente um partido coligado durante o processo eleitoral seguirá aliado do, agora eleito, Presidente.

Essa composição de maiorias se dá de duas maneiras no atual ordenamento político brasileiro. A primeira forma é a composição de chapas eleitorais durante os pleitos eleitorais quando, da inscrição de chapas para os processos eleitorais, dois ou mais partidos se unem em uma chapa, que irá concorrer junta ao pleito. Nesse processo, findada as eleições, a chapa é desfeita, os candidatos são eleitos e, normalmente, os partidos que compuseram a chapa vencedora para o pleito majoritário indicarão quadros políticos e técnicos para a composição da nova gestão executiva.

A outra forma de composição se dá durante o período de vigência dos mandatos, onde, os partidos, unidos por anseios e desejos políticos, se unem em blocos para votar as pautas nas casas legislativas; esses blocos acabam por refletir nas gestões do executivo, culminando na exoneração e/ou nomeação de quadros em cargos do alto-escalão da gestão e de quadros técnicos para seu suporte. No entanto, em ambos os casos, não existe uma ligação ideológica dos partidos; o que acontece hoje no Brasil é uma política de alianças fisiológicas e pragmáticas, pautadas exclusivamente num jogo de interesses.

3.1      A PEC 36/2016, fim das chapas eleitorais e as federações

A PEC 36/2016, apresentada pelo Senador Aécio Neves (PSDB/MG), visa, entre outras coisas, acabar com as chapas eleitorais para as eleições proporcionais, ou seja, para as eleições das casas legislativas, que teriam permissão para existir até as eleições de 2020, funcionando como no modelo atual, sem vinculação de candidaturas de âmbito nacional, estadual e municipal ou distrital, e acrescenta que os estatutos partidários devem estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidárias.

Em reunião da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o Senador Ricardo Ferraço (PSDB / ES), apresenta a primeira emenda ao projeto, nesta, criam-se as chamadas Federações Partidárias, visando permitir a existência e preservar a legitimidade de pequenos partidos, que poderiam se unir em uma Federação, uma frente comum, que atuaria como uma única unidade partidária não somente durante a campanha eleitoral, mas por toda a vigência do mandado.

A adoção do sistema de federação de partidos integra a concepção de que é inafastável o fim das coligações nas eleições proporcionais, que permite a distorção do princípio da proporcionalidade, e da imposição de cláusula de barreira. Contudo, o faz sem causar prejuízos para os pequenos e médios partidos, que são os que mais perderiam com o fim das coligações[...] Esse conjunto de regras tornaria as federações, para todos os fins do processo eleitoral, equivalentes aos partidos e protegeria ao mesmo tempo o princípio da proporcionalidade e a soberania popular.

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Como visto, no capítulo anterior, entendemos que o modelo que propiciaria de forma mais ampla a representação plural e ampliação da soberania popular, diferente do descrito na justificativa do Senador Ricardo Ferraço, é o sistema distrital puro, sem a existência de chapas e sem o sistema proporcional. No entanto, entendemos que a criação de federações partidárias é uma saída válida para garantir aos partidos pequenos e médios a sua existência enquanto partidos plurais. Mas é impensável que, no atual momento, mais 50 partidos sejam criados no Brasil. Precisamos aumentar as barreiras para a criação de partidos e é preciso, ainda, refazer o cadastramento partidário, visando excluir de nosso sistema os chamados partidos de aluguel, dando prazo para que seja feito um recadastramento de todos os partidos, com nova coleta de assinaturas para a manutenção dos mesmos, vinculando inclusive ao aumento gradativo anual no número de seus filiados, para que possam continuar existindo enquanto legenda de representação do povo.

3.2      Cláusula de barreira e a democracia representativa

Em 1988, Sérgio Abranches, no seu artigo Presidencialismo de Coalizão: O Dilema Institucional Brasileiro, ao tratar do pluripartidarismo e do voto proporcional no Brasil e falando sobre a multiplicação dos partidos, dizia:

A segunda razão pela qual a preocupação com a proliferação de partidos é exagerada refere-se ao fato de que os regimes proporcionais, mesmo quando adotam critérios de transformação de votos em cadeiras que promovem a máxima proporcionalidade e não desincentivam a fragmentação partidária, apresentam diferenças ponderáveis entre o número de partidos que disputam as eleições e o número de partidos o com efetiva representação parlamentar. Assim, a garantia de representação a minorias significativas não determina, necessariamente, a inviabilidade de maiorias estáveis, embora implique, com freqüência, a necessidade de coalizões governamentais.

Estas coalizões acabam por, muitas vezes, suprimirem a vontade popular, levando os partidos e os eleitos a observarem apenas os seus interesses políticos, partidários e pessoais.[10]

A implementação da Cláusula de Barreira no sistema eleitoral brasileiro não é uma concepção moderna, na realidade, esta é a segunda tentativa mais palpável de implementação da mesma. Em 1995, a Lei 9.096/95 instituía que a partir das eleições de 2006, somente os partidos que atingissem 5% dos votos válidos para deputado federal no país e 2% em pelo menos nove estados repartiriam entre si 99% dos recursos do Fundo Partidário, entre outras medidas. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, entendeu como inconstitucional a lei sancionada em 1995.

Como dito anteriormente, o Projeto de Emenda a Constituição, PEC36/2016, do Senador Aécio Neves, visa implementar um sistema de cláusula de barreira semelhante ao que fora derrubado, desta vez, como uma emenda à Constituição, alterando pontos chave para que seja enfim, sanado um dos problemas do nosso sistema, como já debatido, que é a proliferação de partidos.

Dallari, ao tratar do tema diz que:

Os partidos menores podem continuar existindo e disputando eleições, mas só terão representantes se comprovarem estar representando uma porcentagem mínima dos eleitores. Desta forma se preserva a liberdade de opinião e de associação, sem o risco de excessivo fracionamento. (Dallari, 2012. p.167)

A PEC 36/2016, no entanto, diferente dos modelos comuns de cláusula de barreira, não limita os partidos menores a elegerem seus candidatos, como preceitua o eminente mestre. No modelo votado e aprovado na comissão especial que debatia o tema, ficou fixado que os partidos poderão eleger seus deputados livremente, mas não terão acesso a fundo partidário, não poderão compor comissões e tampouco poderão compor a mesa diretora.

Com essas mudanças essenciais, os partidos têm garantido o seu direito de associação, os candidatos de serem eleitos e o eleitor tem seu voto preservado. Mas, é diminuído o poder dos partidos e principalmente, é diminuída a sua força por barganhas dentro das casas, onde, estes, não poderão trocar apoios por cadeiras em comissões, como é comum ainda acontecer[11].

3.3      As convenções partidárias

Recorrentes são os casos de partidos que são dominados pelos seus dirigentes e não permitem que a sua base eleitoral e seus filiados definam os caminhos a serem seguidos pela legenda. Esse domínio de alguns dirigentes partidários cria uma frustração no eleitorado que, muitas vezes, mesmo se identificando com a legenda, opta por não se filiar.

Hoje, a maior parte dos partidos decide suas indicações políticas para os que serão candidatos no pleito próximo em salas fechadas, com a direção do partido, - quando não é decidido diretamente pelo presidente da legenda na circunscrição, ou pior, vem de uma orientação ‘de cima’. Quando, assim, os partidos, por força unicamente da lei, aprovam o indicativo da chapa em convenções normalmente corridas, levadas a toque de caixa, somente para que os filiados presentes aprovem por um consenso inexistente e por aclamação as chapas indicadas. Ora, se os filiados não podem escolher os seus indicados, se uma orientação de um ‘coronel’ partidário é superior à opinião da maioria, como haverá pluralidade nas câmaras e assembleias legislativas?

Analisando este cenário, onde existe pouca ou quase nenhuma democracia interna nos partidos brasileiros, ou pelo menos em grande parte deles, onde as experiências de democracia interna, como pré-campanhas e participação direta dos filiados, é ainda muito pequena, cabe à reforma política, no que tange à Lei dos Partidos Políticos, incluir capítulo dedicado às convenções, obrigando a adequação de todos os estatutos, para que seja assegurada a realização de convenções nas quais serão votados os pré-candidatos às vagas legislativas, em sistema majoritário de lista aberta, onde os candidatos mais votados serão posicionados em ordem e assumirão uma posição na lista final a ser apresentada à junta eleitoral para a sua homologação. Este processo deverá ser repetido para as cadeiras do executivo, sendo as prévias realizadas em três etapas para as eleições estaduais e nacional, e em etapa única nas eleições municipais.

No que tange às eleições municipais, seria formada a chapa contendo o nome dos candidatos a Vereador e o nome do candidato a Prefeito e Vice-Prefeito. No caso do pleito nacional e estadual, seriam realizadas as etapas municipais que elegeriam os delegados do município à etapa distrital. Em data seguinte, seria realizada a etapa Distrital, onde, ali, seriam votados os candidatos a Deputado Federal e Estadual do distrito, e, ainda, eleitos os delegados que representariam o distrito na etapa Estadual.

As Etapa Estaduais das convenções partidárias elegeriam os membros a compor as chapas ao Senado com seus suplentes e, ainda, votariam no candidato à vaga de Governador e de Presidente pela legenda, e seus respectivos vices. Estas etapas garantiriam ampla democracia no processo de escolha das candidaturas, com um sistema de prévias eleitorais amplo, plural, com igualdade de possibilidade para os participantes, garantindo também a transparência na escolha das candidaturas.

3.3.1    As Convenções e as Federações

Como visto, Projeto de Emenda à Constituição prevê que seja adotado no Brasil o sistema de Federações de Partidos[12]. Se aprovado, partidos menores poderão se unir em Federação, após aprovação de seus filiados, e, para fins eleitorais, se tornariam um único partido. Haja visto que o modelo de convenções proposto trata de unidade partidária, de transparência e de real participação dos filiados nos rumos de seu partido, as federações nada perderiam com a criação de um modelo obrigatório de prévias, pelo contrário, já que as peculiaridades regionais seriam respeitadas.

É sabido que um partido possui força em um determinado município e não necessariamente no município vizinho. Sendo assim, com a realização de prévias eleitorais, com a criação de delegados às prévias distrital e estadual, seria garantida e assegurada esta força regional.

Sobre o autor
Wicttor Picanço

Advogado formado pela Estácio FIB. Ex-diretor de Divisão de Políticas de Juventude da Prefeitura de Lauro de Freitas e ex-Presidente do Conselho Municipal de Juventude de Lauro de Freitas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICANÇO, Wicttor. Reforma política:: Ampliando a democracia e aperfeiçoando o sistema eleitoral brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6276, 6 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56793. Acesso em: 22 dez. 2024.

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