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Impossibilidade jurídica de sentença mandamental da Justiça Trabalhista para adequar condutas funcionais de autoridades da Inspeção do Trabalho e do Ministério do Trabalho

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Agenda 08/04/2017 às 10:00

9– Violação do princípio da separação dos poderes

A tentativa de influenciar a forma de atuação da Inspeção do Trabalho por meio de ACPs viola também o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). O Poder Judiciário tem rejeitado ações judiciais que impõem ao Executivo a forma e o modo como autoridades federais devem exercer a administração pública.

Endossa esse entendimento a decisão da juíza do trabalho Maria Rafaela de Castro, da Vara do Trabalho de Porto Velho/RR, que julgou improcedente a ACP que busca a declaração da atribuição privativa dos AFTs para os atos de interdição e embargo. Em sua sentença, a magistrada, entre outros argumentos, arrazoou que “seria verdadeira afronta à Tripartição dos Poderes (...) determinar que a União adaptasse regulamentos, portarias e demais atos normativos infralegais, nos termos da alínea ‘b’ da exordial e, por consequência, a alínea ‘c’ dos pedidos do MPT.” Todavia, a decisão foi reformada no TRT da 14ª Região, como referido anteriormente.

A Justiça Federal segue a mesma linha.

O Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região julgou improcedente ACP que buscava impor à União a obrigação de realizar concurso para cargos em hospital vinculado à Universidade Federal de Alagoas[30]. Merece destaque trecho do voto do desembargador federal Vladimir Souza Carvalho. Ele sustentou que não vê “como transformar o Judiciário em órgão a ditar, a pedido do Ministério Público, as condutas administrativas que devem ser executadas pela administração pública”. Ora, é exatamente o que o MPT busca por meio dessas ACPs.

No STF prevalece o mesmo entendimento.

A ministra Carmem Lúcia, na condição de relatora, converteu o Agravo de Instrumento 850.020 em Recurso Extraordinário para submeter ao procedimento de repercussão geral caso envolvendo hipótese de violação do princípio da separação dos poderes.

No caso concreto do agravo, o município do Rio de Janeiro insurgiu-se contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ) que julgou mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro e determinou que o Município garantisse número mínimo de profissionais na área de saúde para o regular funcionamento do novo setor de emergência do Hospital Salgado Filho, com fornecimento de medicamentos e demais insumos indispensáveis ao atendimento dos pacientes. Segundo relatório da ministra Carmem Lúcia, o Município sustentou que a decisão do TJ/RJ configuraria nítida ofensa ao princípio da separação dos poderes e que o Poder Judiciário não poderia substituir os Poderes Executivo e Legislativo e determinar a forma, a área beneficiada e o momento em que serão disponibilizados recursos para atender às necessidades da população municipal. Em sua argumentação, a ministra relatora realçou que o STF “assentou haver contrariedade ao art. 2º da Constituição da República na determinação judicial de realização de obras em cadeias públicas”. Sustentou seu entendimento em decisões monocráticas com trânsito em julgado sobre a matéria.

A partir desses casos paradigmas, argumenta-se que as ACPs ajuizadas pelo MPT para que autoridades da Inspeção do Trabalho adotem medidas administrativas para melhor controle e aplicação das disposições do caput do art. 628 da CLT atentam contra o princípio da separação dos poderes. A Justiça do Trabalho, de fato, não pode ditar à União como o MTb deve adequar o exercício da função pública dos auditores-fiscais do trabalho aos ditames da lei.


10– Dos precedentes que corroboram a incompetência da Justiça do Trabalho na matéria

Destoando da iniciativa dos procuradores do Trabalho autores das ACPs que buscam impor obrigações a autoridades da Inspeção do Trabalho, a realidade mostra que há órgãos do MPT que estão conscientes das limitações legais para sua atuação e buscam trilhar o caminho ditado pelo ordenamento jurídico. É o caso do procurador do Trabalho Francisco Breno Barreto Cruz, da Procuradoria Regional do Trabalho no Amapá. Com base no § 5º do art. 5º da Lei n.º 7.347/1985[31], ele buscou o litisconsórcio facultativo com o MPF para, mediante ACP[32], imporem à União a obrigação de fazer consistente em prover os cargos vagos de AFTs mediante concurso público, em face da drástica redução dos quadros funcionais da Inspeção do Trabalho nos últimos anos. Na ACP, o MPF, agindo por meio do procurador da República Filipe Pessoa de Lucena, exerceu a atribuição institucional cometida ao Parquet federal pelo art. 39, caput e inciso II, da LC n.º 75/93. Ou seja, ambos, MPT e MPF, atuando sob a forma de litisconsórcio facultativo, uniram forças para obter um provimento judicial nos termos da legislação que assegure o respeito aos direitos constitucionais dos trabalhadores mediante a atuação mais efetiva e eficiente de um órgão federal, no caso, o Ministério do Trabalho. O MPT entrou com o conhecimento específico sobre a Inspeção do Trabalho e seu papel constitucional na defesa e promoção dos direitos dos trabalhadores, e o MPF lançou mão de suas atribuições institucionais de controle dos órgãos da administração pública federal para o intento conjunto. Outro fato relevante é que essa ACP foi ajuizada na Justiça Federal, e não na Justiça do Trabalho. E o juiz federal não se declarou incompetente em processar e julgar a ação e tampouco atribuiu a competência a um juiz do Trabalho. Uma nota à margem: há dúvidas se o MPT seria parte legítima a figurar como litisconsorte facultativo perante a Justiça Federal.

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Curiosamente, procuradores do Trabalho já intentaram ACP com o mesmo objetivo quanto à realização de concurso público para o cargo de AFT. E o resultado corrobora a tese defendida neste artigo.

Deveras, antes da iniciativa acima mencionada, procuradores do Trabalho buscaram o mesmo objetivo por meio de ACP na Justiça laboral em Aracaju/SE. A juíza do Trabalho Marta Cristina Santos, da 9ª Vara do Trabalho de Aracaju, extinguiu o feito sem resolução do mérito por convencimento de que a ação deve ser julgada na Justiça Federal. Segundo a magistrada, a questão tem natureza administrativa, pois envolve a criação e o provimento de cargos públicos. Pondera ainda que a omissão da União deve ser conhecida e julgada pela Justiça Federal, “uma vez que em nenhuma das situações constitucionalmente previstas como de competência da Justiça do Trabalho se extrai, seja da causa de pedir, seja dos pedidos articulados na exordial, elementos indicadores da competência material, a teor do que dispõe o art. 114 da Constituição Federal de 1988.” A magistrada ainda assevera que “não é concebível, juridicamente, uma interpretação ampliativa dos preceitos constitucionais relativos à competência sem que se fira de morte a Unidade Constitucional, como propõe o Ministério Público do Trabalho ao ajuizar a presente demanda.”

O MPT interpôs recurso ao TRT da 20ª Região, mas a 1ª Turma do Tribunal negou-lhe provimento, sendo relator o desembargador Josenildo dos Santos Carvalho. A Turma acolheu os fundamentos da sentença de primeiro grau, convencidos da incompetência ratione materiae da Justiça do Trabalho.


Conclusão

Apresenta-se à crítica, neste artigo, a argumentação de que sentenças mandamentais proferidas por magistrados do trabalho em desfavor de autoridades do Ministério do Trabalho com a finalidade de ajustar condutas funcionais de auditores fiscais do trabalho violam (a) os limites hermenêuticos do inciso VII do art. 114 da CF, (b) os efeitos da ADI 3.395, que exclui da Justiça do Trabalho as causas que envolvam relações jurídico-estatutárias, e, por fim, (c) o princípio da separação dos poderes. Daí porque a competência para processar e julgar atos de poder de polícia administrativa de autoridades da Inspeção do Trabalho não se confundem com o processamento e julgamento de atos funcionais dessas autoridades.

Por conta disso, falta competência também ao MPT tanto para ajuizar ações civis públicas quanto expedir recomendações com a mesma finalidade.

Sustenta-se que a norma emanada do inciso VII do art. 114 da CF é uma exceção à regra de competência material da Justiça especializada, e sendo exceção, sua interpretação deve ser restritiva, conforme fundamentação aplicada pela 1ª Turma do TRT da 18ª Região. Nesse sentido, o alcance da norma do inciso VII do art. 114 da CF fica limitado à lide que discute tão-somente atuação de autoridades da Inspeção do Trabalho frente a um empregador no contexto de fiscalização das relações de trabalho. Em tais casos, a lide envolve a União, na figura de um AFT, e um empregador, tendo por causa de pedir o cumprimento de normas trabalhistas. Esse marco constitucional abarca tão somente autos de infrações, notificações fiscais, laudos técnicos, decisões de imposição de multas e decisões de decretação de embargos e interdições e todo e qualquer ato administrativo que sujeite o empregador.

A segunda fundamentação se alicerça na ofensa da autoridade da decisão do STF emanada do julgamento da ADI 3.395, que exclui do conceito de relações do trabalho as relações jurídico-administrativas ou jurídico-estatutárias próprias do Direito Administrativo. Nos dois casos paradigmas analisados neste artigo, tem-se presentes litígios que buscam a sujeição de servidores civis federais aos normativos que regulam o serviço público federal, o que só é possível sob a matriz jurídico-estatutária, própria do Direito Administrativo. Não há relação de trabalho em discussão, ainda que o objeto discutido (conduta de autoridades da Inspeção do Trabalho) produza efeitos nas relações de emprego. 

A terceira fundamentação é a preservação da separação dos poderes. O Judiciário não pode determinar ao Executivo como administrar os seus órgãos e seus servidores, em especial ao ponto de descer a minudências de indicar quais regras de negócio devem ser inseridas em sistemas de informática. Parafraseando o desembargador federal Vladimir Carvalho, do TRF da 5ª Região, o MPT quer transformar a Justiça do Trabalho em órgão a ditar as condutas administrativas das autoridades do Ministério do Trabalho.

A iniciativa de procuradores do Trabalho, alguns deles ex-auditores-fiscais do trabalho, de ajuizarem quatro ações civis públicas em distintas regiões da Justiça do Trabalho buscando sentenças mandamentais em desfavor de autoridades do Ministério do Trabalho e da Inspeção do Trabalho sugere uma pretensão de influenciar ou mesmo exercer um controle externo da Inspeção do Trabalho, atribuição que a Lei Complementar n.º 75/93 não lhes conferiu.

Na 18ª Região o intento malogrou, pois a 1ª Turma do TRT declarou a incompetência da Justiça especializada para processar e julgar a ação que cuidava de obrigar o MTb a exercer melhor controle das atividades funcionais dos AFTs e a reformular o sistema de informática utilizado pela Inspeção do Trabalho, de modo que fossem obrigados a seguir a interpretação literal do art. 628 da CLT,.

A ACP que tramita no TRT da 20ª Região e que também parte de interpretações do art. 628 celetista teve sentença de mérito que julgou os pedidos improcedentes, sendo que a incompetência da Justiça do Trabalho não foi discutida. O MPT manejou recurso ordinário oposto com contrarrazões da União. O processo encontra-se concluso para julgamento. Considerando-se o precedente do Tribunal Regional sobre a incompetência ratione materiae da Justiça do Trabalho para julgar ACP que visa à realização de concurso público para os cargos vagos de AFT, é pouco provável que o recurso do MPT seja provido.

Mencionada em plano secundário, a ACP que mira os atos de embargos e interdições resultou na condenação da União aos pedidos formulados pelo MPT. Não foi discutida a competência da Justiça do Trabalho. Em relação a ela, o autor apontou em outro artigo a impropriedade da ACP, pois ela busca, por via indireta, expurgar o art. 161 celetista do ordenamento jurídico, produzindo os efeitos de uma ADI, o que resulta em usurpação, por parte do MPT, de competência do procurador-geral da República, e, por parte dos magistrados do Trabalho, da competência constitucional do STF.

Os casos mencionados e as decisões judiciais neles proferidas demonstram que a Justiça do Trabalho ainda oscila quanto à sua competência para processar e julgar autoridades da Inspeção do Trabalho ou matérias de cunho administrativo que, mesmo com reflexos nas relações de trabalho, adentram na competência da Justiça Federal.

O MPT é instituição imprescindível para a garantia dos direitos fundamentais dos trabalhadores, assim como o são a Inspeção do Trabalho e a Justiça do Trabalho. Mas deve atuar nos limites que lhe foram estabelecidos na Lei Complementar n.º 75/93 e prestando obediência às decisões vinculantes do STF e respeitando as competências próprias do MPF. O mesmo se deve dizer quanto à Justiça do Trabalho.

Considerando que o MPT estaria propenso a exercer uma espécie de controle externo da Inspeção do Trabalho, avançando sobre competências do MPF, surge a hipótese de a União, por meio da Advocacia-Geral da União, promover representação ao PGR suscitando o conflito de atribuições entre o MPT e o MPF nas matérias examinadas, entre outras que possam surgir. Evitar-se-ia movimentar a Justiça do Trabalho com ações que se mostram impróprias para suas as competências, obtendo-se igual proveito quanto ao desperdício de recursos financeiros e humanos tanto da Justiça do Trabalho quanto do próprio MPT.

Outro remédio jurídico é a reclamação ao STF para preservar a competência da Justiça Federal e a garantia da eficácia da decisão da Corte proferida no julgamento da ADI 3.395, que afasta a competência da Justiça do Trabalho das questões envolvendo relações jurídico-administrativas ou estatutárias típicas do Direito Púbico. Tal medida provocaria a manifestação do STF sobre essa questão específica, qual seja, fixar a interpretação e o alcance da norma insculpida no inciso VII do art. 114 da CF.

Também cabe reclamação ao STF para a preservação de sua competência quanto ao controle da constitucionalidade do art. 161 da CLT, já que a ACP que veicula a pretensão de invalidade do artigo celetista tem efeito erga omnes em controle abstrato, assumindo características de uma ADI, ou, mais precisamente, de uma ADPF.

Sobre o autor
José Adelar Cuty da Silva

Auditor-Fiscal do Trabalho, aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, José Adelar Cuty. Impossibilidade jurídica de sentença mandamental da Justiça Trabalhista para adequar condutas funcionais de autoridades da Inspeção do Trabalho e do Ministério do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5029, 8 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56979. Acesso em: 23 dez. 2024.

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