Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Análise da aplicabilidade do Código de Processo Civil no direito processual do trabalho

Exibindo página 2 de 4

4 Decisões e a coisa julgada

O artigo 4º da Instrução Normativa n.º 39/2016 determina que se apliquem ao processo do trabalho as normas que regulam o contraditório. Porém, os parágrafos do referido artigo estabelecem uma série de mitigações em matéria de contraditório, por exemplo, entendendo por “decisão surpresa” apenas aquela que no julgamento final do mérito da causa, em qualquer grau de jurisdição, aplicar fundamento jurídico ou embasar-se em fato não submetido à audiência prévia de uma ou de ambas as partes. Não se considera decisão surpresa, por outro lado, aquela que “as partes tinham obrigação de prever, concernente às condições da ação, aos pressupostos de admissibilidade de recurso e aos pressupostos processuais, salvo disposição legal expressa em contrário”[23].

Em outro sentido apontava o Enunciado n.º 108 do Fórum Permanente de Processualistas Civis[24]:

No processo do trabalho, não se proferirá decisão contra uma das partes, sem que esta seja previamente ouvida e oportunizada a produção de prova, bem como não se pode decidir com base em causa de pedir ou fundamento de fato ou de direito a respeito do qual não se tenha oportunizado manifestação das partes e a produção de prova, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício.

No que concerne à nova exigência legal de fundamentação das decisões judiciais, do § 1º, do artigo 489, do Código de Processo Civil, acabou que o Tribunal Superior do Trabalho optou por incluir esse artigo dentre os aplicáveis à seara trabalhista. Não obstante, o artigo 15 da Instrução Normativa n.º 69/2016, estabelece, mais uma vez, algumas proposições que atenuam o rigor da regra processual civil, ao considerar, por exemplo, que “não ofende o art. 489, §1º, inciso IV do Código de Processo Civil a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante”[25].

Ademais, entende o Tribunal Superior do Trabalho que o inciso IV, do §1º, do artigo 489, do Código de Processo Civil “não obriga o juiz ou o Tribunal a enfrentar os fundamentos jurídicos invocados pela parte, quando já tenham sido examinados na formação dos precedentes obrigatórios ou nos fundamentos determinantes de enunciado de súmula”[26].

Mencionadas tais considerações passaremos a analisar o incidente da desconsideração da personalidade jurídica.


5 O incidente da desconsideração da personalidade jurídica

Não é raro ocorrer no processo do trabalho situações em que o patrimônio da empresa não suporta o crédito do empregado, judicialmente reconhecido, não existindo bens livres e desembaraçados para pagamento do valor devido.

Os juízes do trabalho, provocados pelos advogados dos exequentes, têm reconhecido a validade da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, para alcançar e responsabilizar os sócios, ou ex-sócios, pelo débito, sob o fundamento de que a empresa não possui patrimônio para saldar seu débito e que o patrimônio daqueles foi acrescido em razão do lucro havido pelo trabalho do empregado.

Para abreviar o exame dos fundamentos das decisões no âmbito da Justiça do Trabalho sob tal tema, tomemos o exemplo deste acórdão da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, da lavra do ministro Mauricio Godinho Delgado, que assim afirma a propósito:

RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. POSSIBILIDADE DIANTE DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

Na esfera trabalhista, entende-se que os bens particulares dos sócios das empresas executadas devem responder pela satisfação dos débitos trabalhistas. Trata-se da aplicação do disposto no artigo 592, II, do CPC, e da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, esta derivada diretamente do "caput" do art. 2º da CLT (empregador como ente empresarial ao invés de pessoa) e do princípio justrabalhista especial da despersonalização da figura jurídica do empregador. Está claro, portanto, que, não obstante a pessoa jurídica se distinga de seus membros, admite a ordem jurídica, em certos casos, a responsabilização do sócio pelas dívidas societárias. Assim, se é permitido que, na fase de execução, possa o sócio ser incluído na lide para fins de responsabilização pela dívida apurada, com muito mais razão deve-se aceitar sua presença na lide desde a fase de conhecimento, em que poderá se valer mais amplamente do direito ao contraditório. Contudo, o sócio não responde solidariamente pelas dívidas sociais trabalhistas, mas em caráter subsidiário, dependendo sua execução da frustração do procedimento executório perfilado contra a sociedade, na forma do "caput" do art. 596 do CPC. Recurso não conhecido, no aspecto. (TST Processo: RR - 125640-94.2007.5.05.0004 Data de Julgamento: 30/3/2011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/4/2011).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Como vemos desta síntese que faz o ministro Maurício Godinho Delgado, aplica-se o Código de Processo Civil[27] ao processo do trabalho, no caso os artigos 592 e 596, como fundamentos à responsabilização dos sócios, supletivamente, por dívidas sociais. A conclusão deriva da aplicação obrigatória da regra instituída pelo artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho[28], na fase de conhecimento e artigo 889 da Consolidação das Leis do Trabalho, na fase de execução.

Art. 592.  O juiz ouvirá as partes no prazo comum de 15 (quinze) dias.

§ 1o Não havendo impugnação, o juiz determinará a divisão geodésica do imóvel.

§ 2o Havendo impugnação, o juiz proferirá, no prazo de 10 (dez) dias, decisão sobre os pedidos e os títulos que devam ser atendidos na formação dos quinhões.

Art. 596.  Ouvidas as partes, no prazo comum de 15 (quinze) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, o juiz deliberará a partilha.

Parágrafo único.  Em cumprimento dessa decisão, o perito procederá à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 584 e 585, as seguintes regras:

I - as benfeitorias comuns que não comportarem divisão cômoda serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;

II - instituir-se-ão as servidões que forem indispensáveis em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;

III - as benfeitorias particulares dos condôminos que excederem à área a que têm direito serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;

IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e as reposições serão feitas em dinheiro.

Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal.

A aplicação do processo comum ao processo do trabalho decorre da regra legal e não da vontade do juiz. Se há omissão do texto consolidado e não há incompatibilidade entre a regra do processo comum e o processo do trabalho, sua aplicação é obrigatória. Resta ao juiz da causa avaliar se há ou não omissão e incompatibilidade. Presente a primeira e ausente à segunda aplica-se a regra processual comum, como afirma o ministro Maurício Godinho Delgado[29] no exemplo acima.

Não fica ao alvedrio do juiz aplicar ou não o Código de Processo Civil subsidiariamente, pois a lei assim determina. Com o advento da Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que trouxe o novo Código de Processo Civil, com vigência um ano após sua publicação, teremos, a partir de 17 de março de 2016, o novo texto em vigor. Pacífico entre nós que se aplica ao processo do trabalho a teoria da desconsideração da personalidade jurídica naquelas hipóteses em que o patrimônio social não suporta o débito. E o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica dá-se por fundamentos materiais (CC, artigos 50, 421, 422, 1.001 e 1.003; CDC artigo 28), temas estes não alterados pelo NCPC.

O problema que enfrentam os litigantes reside no fato de que, por não haver regramento legal para proceder ao ingresso do sócio nos autos, assumindo a posição do devedor judicial, temos uma multiplicidade de procedimentos, ocasionando séria insegurança jurídica. Em alguns casos respeita-se o direito de defesa, concedendo-se prazo para manifestação do sócio antes de atingir seu patrimônio, mas em outros casos há penhora de imediato, sem que o interessado tenha seu direito de defesa assegurado, o que a própria Consolidação das Leis do Trabalho[30], em seu artigo 880, garante ao executado, que é parte no processo:

Art. 880.  Requerida a execução, o juiz ou presidente do tribunal mandará expedir mandado de citação do executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas ou,quando se tratar de pagamento em dinheiro, inclusive de contribuições sociais devidas à União, para que o faça em 48 (quarenta e oito) horas ou garanta a execução, sob pena de penhora.

Uma das inovações do novo Código de Processo Civil[31] é a criação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, nos artigos 133 a 137.

Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2o Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1o A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2o Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3o A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.

§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Passa-se, então, no processo civil, no processo do trabalho e nos processos de competência dos juizados especiais (Código de Processo Civil[32], artigo 1.062), a ter um procedimento legal para instauração, instrução e julgamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 1.062.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais.

Adentrando a esfera recursal teremos que analisar os recursos, tema do próximo estágio deste estudo.

Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; NASCIMENTO, Marília Nunes Basílio. Análise da aplicabilidade do Código de Processo Civil no direito processual do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5040, 19 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56986. Acesso em: 2 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!