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Multiparentalidade: prevalência de interesses meramente patrimoniais?

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3 DAS CONSEQUÊNCIAS PATRIMONIAIS

 A decisão do STF, ao admitir a multiparentalidade, reconheceu todos os direitos a ela inerentes, gerando reflexos no âmbito patrimonial.

Assim, o filho, que possui dois pais, ou duas mães, pode pleitear alimentos em face de ambos, bem como ser herdeiro deles.

Isso gera o questionamento se, ao fim, a multiparentalidade não se trata de interesses meramente patrimoniais. Segundo o alerta de alguns autores, só interessaria ao filho pleitear o reconhecimento de sua paternidade biológica ou afetiva caso o seu pretenso pai, ou mãe, fosse abastado financeiramente. [17]

Todavia, em que pese as vozes neste sentido, o reconhecimento da multiparentalidade possui importância que transcende a questão meramente patrimonial.

Diante de todos os argumentos analisados anteriormente, percebe-se que a decisão do STF mostra-se acertada e em consonância com a moderna doutrina, não podendo ser outra que não a da admissão da pluriparentalidade. Não pode o Direito de Família ficar engessado em razão do receio de demandas frívolas e interesseiras.

Caso alguém demande com interesses exclusivamente mercenários, caberá ao magistrado, no caso concreto, analisar o pleito.

Conforme destaca Ricardo Calderón, o Ministério Público Federal, no parecer do leading case em análise, se mostrou atento a essa possibilidade. Todavia, acredita que o próprio sistema prevê a existência de salvaguardas, a exemplo do direito aos alimentos, que poderá ser negado com fundamento no binômio necessidade-possibilidade, a obstar o enriquecimento ilícito dos envolvidos na multiparentalidade. [18]

Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), se manifestou sobre o tema. No caso em apreço, conforme noticiado no site do IBDFAM, garantiu-se a um idoso de quase 70 anos o direito de receber a herança do seu pai biológico, mesmo já tendo recebido o patrimônio do seu pai socioafetivo, que o adotou. [19]

A parte contrária alegou que, embora o filho tivesse ciência do vínculo biológico há mais de 30 anos, ele somente procurou reconhecimento da paternidade para obter vantagem financeira. Porém, o argumento não foi aceito.

Segundo afirmou a Ministra Nancy Andrighi, pode-se especular o porquê da demora do autor na busca pelo reconhecimento da paternidade biológica, mas não se pode negar os efeitos dela, uma vez comprovada.

Esta é a posição que nos parece mais acertada: ainda que se desconfie das intenções subjetivas do filho que pretende ver a sua paternidade reconhecida, não se deve deixá-lo desamparado. É seu direito fundamental ter a sua filiação reconhecida e protegida, seja ela apenas a biológica, ou afetiva, ou ambas.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que foi exposto, percebe-se ser legítima a preocupação de se coibir ações de reconhecimento de paternidade com interesses meramente mercenário, sob pena de se banalizar o reconhecimento da multiparentalidade.

Todavia, a coexistência de vínculos biológicos e afetivos transcende a seara patrimonial, sendo imprescindível à proteção do direito de personalidade da filiação, permitindo que o filho goze de ampla proteção jurídica.

Eventuais abusos e pessoas mal-intencionadas, infelizmente, poderão surgir. Seria essa a indesejável, mas inevitável consequência do reconhecimento da multiparentalidade. Aliás, este dilema é inerente ao reconhecimento de qualquer novo direito.

Em uma ponderação entre os efeitos deletérios e os benefícios trazidos pela pluriparentalidade, são estes últimos muito maiores, motivo pelo qual deve prevalecer o seu reconhecimento e proteção jurídica.

Além do mais, os eventuais abusos podem (e devem) ser controlados no caso concreto, sob o manto da boa-fé objetiva, valor este que deve permear todas as relações jurídicas. Nos dizeres de Flávio Tartuce, caberá aos magistrados separarem o joio do trigo.[20]


REFERÊNCIAS

CALDERÓN, Ricardo. Reflexos da decisão do STF de acolher socioafetividade e multiparentalidade. Disponível em: processo-familiar-reflexos-decisao-stf-acolher-socioafetividade-multiparentalidade">http://www.conjur.com.br/2016-set-25/processo-familiar-reflexos-decisao-stf-acolher-socioafetividade-multiparentalidade. Acesso em: 16 de jul de 2017.

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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 322.

FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 22.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Filiação e Reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v.2, n. 5, p. 7-28, abr./jun., 1999.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípio da paternidade responsável. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 5, n. 18, abr./jun. 2004, p. 29-32. 

SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. Reconstruindo a paternidade: a recusa do filho ao exame de DNA. Campo dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 92.

TARTUCE, Flávio. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos. Acesso em: 16 de jul de 2017.

YONEMOTO, Maurício Kenji. Direito à filiação e à paternidade. Revista de Eventos do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Maringá, ano II, n. I (direito civil), 1999, p. 263. 

Notícia veiculada no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325781. Acesso em: 16 de jul de 2017.

Inteiro teor do voto do Ministro Relator Luiz Fux no Recurso Extraordinário n. 898.060. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf. Acesso em: 16 de jul de 2017.


Notas

[3] Notícia veiculada no site do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=325781. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[4] TARTUCE, Flávio. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[5] Inteiro teor do voto do Ministro Relator Luiz Fux no Recurso Extraordinário n. 898.060. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[6] FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 22.

[7] Inteiro teor do voto do Ministro Relator Luiz Fux no Recurso Extraordinário n. 898.060. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[8] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 322.

[9] SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. Reconstruindo a paternidade: a recusa do filho ao exame de DNA. Campo dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 92.

[10] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Filiação e Reprodução assistida: introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, v.2, n. 5, p. 7-28, abr./jun., 1999.

[11] SOUZA, Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio. Reconstruindo a paternidade: a recusa do filho ao exame de DNA. Campo dos Goytacazes: Editora da Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 92.

[12]Ibid, p. 82.

[13] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 370

[14] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípio da paternidade responsável. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 5, n. 18, abr./jun. 2004, p. 29-32. 

[15] YONEMOTO, Maurício Kenji. Direito à filiação e à paternidade. Revista de Eventos do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Maringá, ano II, n. I (direito civil), 1999, p. 263. 

[16] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípio da paternidade responsável. Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 5, n. 18, abr./jun. 2004, p. 29-32. 

[17] TARTUCE, Flávio. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[18] CALDERÓN, Ricardo. Reflexos da decisão do STF de acolher socioafetividade e multiparentalidade. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-set-25/processo-familiar-reflexos-decisao-stf-acolher-socioafetividade-multiparentalidade. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[19] Notícia veiculada no site IBDFAM. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/6244. Acesso em: 16 de jul de 2017.

[20] TARTUCE, Flávio. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos. Acesso em: 16 de jul de 2017.

Sobre as autoras
Karine Azevedo Egypto Rosa

Graduada em Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ, pós-graduada pela Universidade Candido Mendes em Direito Penal e Processual Penal e aprovada nos concursos para defensor público na Defensoria Pública do Estado do Mato Grosso e Defensoria Pública do Estado da Bahia.

Ana Luisa Imoleni Miola

Defensora Pública do Estado do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Karine Azevedo Egypto; MIOLA, Ana Luisa Imoleni. Multiparentalidade: prevalência de interesses meramente patrimoniais?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5189, 15 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59183. Acesso em: 25 nov. 2024.

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