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Violência Domestica Colateral

Violência Doméstica

Agenda 17/08/2017 às 22:45

O estigma e o sentimento de impotência quando ela não consegue por si só tomar uma atitude para cessar a violência doméstica e a banalização da relação abusiva. Isto é a chamada violência lateral.

VIOLENCIA DOMESTICA LATERAL

Violência doméstica é uma mentira repetida várias vezes, até se tornar verdade, seja por experiência própria, ou até mesmo pela ocorrência desse crime tendo como vítima uma pessoa próxima.  Pouco se sabe sobre a figura do agressor, pois não há um perfil diagnosticável para ele como acontece na maioria dos demais crimes definidos em lei. Existem Serial Killers, Pedófilos, Homicidas, Corruptos, Psicopatas, mas o sujeito ativo do crime de violência domestica é uma incógnita, difícil de ser decifrada. A grande maioria dos casos de violência domestica ocorre de forma silenciosa, sobretudo na vida privada do casal, e, por vezes, sua ocorrência está acima de qualquer suspeita. Em público, os agressores são pessoas boas, amigáveis, e prezam por manter uma relação saudável com a sua parceira frente à família e amigos.

Como no âmbito domestico não existe agressor sem uma vítima, é fundamental, para entender esse tipo de violência, que, em determinado momento, o agressor e a vitima tiveram um encontro. Logo, um dos protagonistas desta relação que se inicia possui algo que o outro busca, e é neste momento que se demonstra como uma relação pode se tornar destrutiva. Entender o que permitiu esse encontro é essencial para a quebra do ciclo violento.

O comportamento violento nunca é deflagrado no primeiro encontro. Ele surge das relações mais triviais da vida, desde um tapinha no braço ou um beliscão por motivos de ciúmes, até chegar ao descontrole total. Logo, a violência doméstica pode ser considerada como um desvio de personalidade progressiva, se propagando na relação por meio de uma sequência de acontecimentos, cada vez mais violentos e frequentes, em que o agressor utiliza-se da força que detêm sobre a vítima para fazer valer sua vontade. Nessa fase do relacionamento a mulher já se encontra apaixonada e não é capaz de distinguir a violência do amor.

A manifestação física de violência é a ultima a ser acionada pelo agressor. Sabemos que existem outras formas de violência que antecedem esta. São elementares antecedentes à violência física: a psicológica, moral, patrimonial e sexual.  Tais violências antecedentes à agressão, mas não menos importantes, funcionam como vetores que, inevitavelmente, levam a vítima ao mesmo desfecho, fatal ou não.

Apurar esse crime não é tarefa fácil. Apesar de ser um crime de ação penal  pública incondicionada,  ou seja, crime que independe de representação da vítima, os casos mais graves, por serem silenciosos, só vem à tona com a própria representação da vítima.Trata-se de um paradoxo legal, criado para proteção da mulher, mas que por vezes perde sua  utilidade na medida em que as agressões sofridas não são visíveis , e por esta razão,  necessitam de denuncia por aquela que sofre a violência, a fim de que o caso seja percebido publicamente.

Exemplos dessas  agressões  silenciosas são  a violência psicológica, patrimonial, moral e sexual, que por serem de caráter subjetivo, exigem que a própria vítima se manifeste e reaja contra as mesmas, através da sua personalíssima representação , para que sejam passiveis de investigação, sob pena de se tornar cada vez mais difícil e  custoso o ônus da prova da materialidade do delito.

É necessário que a mulher saia da inércia. Não ceder à forca do agressor  é ato preciso e não voluntário. O primeiro (e mais difícil) passo é aceitar que é vitima de alguma forma de violência domestica. Deixar de pensar que certos casos mais graves só acontecem por "culpa" da vítima por não possuir cultura, ou informação. Isto porque a violência domestica não escolhe classe social, cultura, raça, etnia, credo, ou qualquer outro segmento de diferenciação. Ela simplesmente está suscetível de ocorrer em qualquer meio social.

Admitir que se encontra na condição de vítima é encarado por muitos como uma derrota. Sabe-se que qualquer tipo de derrota tende a ser imediatamente rejeitada pelo próprio instinto humano, que, logo que materializado, é convertido naturalmente em mecanismos de defesa subconscientes  do individuo, por vezes exteriorizados pela arrogância, autossuficiência ou  orgulho , o que faz com que haja uma espécie de resistência a condição hipossuficiente.

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O emprego da humildade em aceitar a própria fragilidade e a ocupação na posição de vitima de uma  relação é a única saída capaz de romper barreiras em direção à libertação e da força com as quais poderão fazer com que a pessoa saia daquela posição de vítima, para só então  construir novas relações, mais felizes e saudáveis.

Manter a mente aberta é crucial para uma autoanalise critica que a própria mulher deve se fazer em seu relacionamento. È preciso ter sensibilidade para apurar se naquela relação a mulher está ocupando a posição de vitima, e se submetendo a imposições dezarrazoadas de seu parceiro. Desta forma,  equívocos do passado que, em razão de sentimentos feridos e chantagens emocionais do parceiro agressor, impossibilitavam as condições  necessárias para haver esta autoanalise com justiça,não se repitam. Somente através da aceitação e da admissão que se está numa relação em que há sim violência doméstica  que a fraqueza pode ser convertida em força.

Toda mulher é uma vítima em potencial. A história ratifica isso quando se observa  que somente nos dias atuais houve uma  conquista de determinados direitos feministas, tidos hoje como fundamentais , que  já foram conquistados por homens no mesmo período de tempo em que ocorria a abolição da escravatura. Ou seja, os direitos como liberdade e igualdade para as mulheres foram e ainda estão sendo conquistados tardiamente se comparado ao sexo oposto, historicamente.

Séculos se passaram e alguns desvios comportamentais dessa dominação do homem sobre a mulher ainda são notados. Tem-se como exemplo a privatização das relações, em que  a mulher é tida como uma forma de conquista ou que seus atributos físicos funcionam como uma exposição pública da conquista do homem para toda a sociedade.

Nesse sentido, ainda Existe a denominada "Violência Eventual" que tem como característica ser insidiosa e faz com que o homem comece a exercer seu poder sobre a mulher. São comportamentos violentos isolados que devem ser observados sobre a ótica da progressividade, uma vez que o doente não possui controle sobre a violência que tende a ficar recorrente e fora de controle.

Negligenciar essas etapas da violência é um sinal de que a vítima adquiriu, de forma reflexiva , os desvios comportamentais do agressor, afetando sua estrutura familiar, círculos de amizade e atividade profissional. Não é uma questão de amor, mas de doença.

Nesse ínterim, quando a vitima menos espera, a violência física já ocorreu. A vítima não consegue distinguir até onde o ciúme do seu parceiro é uma prova de amor ou uma violência. São sinais de variados tipos, que culminam em pequenas agressões,  e a medida que cedidos e aceitos pela vítima, dão brechas para outras formas de violência ainda mais intensas, que aos poucos vão sendo postas em prática formando-se um ciclo , até serem tidas como corriqueiras, e por vezes, alimentadas pela baixa estima da vítima, que passa a acreditar e aceitar aquele ciclo como normal .

Aquilo que começou com atitudes como as de administração de amizades, invasão de redes sociais, interpelação sobre conteúdos de mídia ou dados pessoais da vítima, puxões de cabelo,tapinha ou arranhões, se transforma em uma luta pela vida onde o sexo é o único meio de chantagem para sobrevivência do relacionamento.

As respostas de conformismo com as agressões sofridas no relacionamento são em parte determinadas pelo interesse pessoal “sui generis” consciente que porventura a vítima tem em relação ao agressor. Não raro, a vítima, tão envolvida emocionalmente, acredita que a metamorfose do ciclo de seu relacionamento pode ser revertida, e retornar ao que era na  gênese(primeiro encontro). Por vezes, de forma insana, a vítima realmente acredita que as agressões podem com o tempo serem minimizadas, esquecendo-se que  se a violência física (último estagio da agressão) já fora empregada, certamente os parâmetros e limites daquele relacionamento já foram exaustivamente testados.

Felizmente, com as conquistas de novos direitos, maior espaço na política e no trabalho, a mulher vem se tornando cada vez mais independente, situação que afasta um pouco a ideia de fragilidade e potencialidade de vítima da mulher. Os grupos feministas estão sólidos. Existem diversos meios de difundir o pensamento feminista. Se apoderar desse conhecimento é fundamental, mas sem se esquecer da causa pela qual se iniciou esse movimento. É preciso  nao  se esquecer da mulher que sofre nesse momento em virtude de uma violência doméstica.

Preocupa o excesso de autoconfiança de alguns segmentos,  pois é dela que se parte a negação de algum dia sofrer, ou estar sofrendo algum tipo de violência doméstica. Achar que pelo fato de ser ativista e militante na causa feminista, ou de estar em um meio que reprova atitudes machistas não significa ser imune a esta situação.

 Pelo contrário.  Os casos de violência doméstica que ocorrem com mulheres que se autointitulam “feministas” são casos ainda mais graves em que se observa uma maior dificuldade da vítima aceitar sua impotência em razão de uma espécie de arrogância de quem possui muita informação e poderio sobre o tema. Isto porque , por vezes, estas mulheres, que mesmo sendo consideradas feministas, e sofrem em silêncio com a violência doméstica , não conseguem enxergar quem, além delas mesmas, poderia ajuda-la nesta situação delicada. O medo de se mostrar frágil e fraca perante o grupo ao qual ela pertence faz com que muitas delas suportem situações de violências absurdas feitas pelos seus parceiros pelo simples fato de não quererem se sentir rejeitadas e excluídas pelo seu grupo. Dessa forma, elas acabam mascarando a real situação de seus relacionamentos, e de certa forma acobertando a figura do agressor para que seu ciclo de amizades não desconfie nem suspeite da ocorrência da violência domestica e acabem a excluindo do rol.

As mulheres  não podem fazer de suas conquistas uma prisão voluntária. A busca por mais espaço e direitos deve ser sempre o combustível a impulsionar novas conquistas sem esquecer jamais as lutas que já foram vencidas. A maior manifestação de força parte de quem está mais fraco. Talvez, a pessoa que esteja precisando de mais ajuda nesse momento é aquela mais radical. A "chata" da sua rede social pode ser a maior vitima pedindo socorro.Ficar atento aos sinais é primordial na luta contra a violência domestica. Muito mais  doloroso que a violência física em si, é o abandono por parte dos amigos e de pessoas do convívio da vitima , o estigma, o sentimento de impotência da vítima quando ela não consegue por si só tomar uma atitude para cessar a violência doméstica, a banalização. Isto é a chamada "violência lateral”.

Em decorrência dessa violência lateral o isolamento se torna inevitável, impulsionado ainda pela onipotência manipuladora de sentimentos como a raiva, prepotência e auto piedade. Desvios de caráter que vieram a tona devido a exposição prolongada de uma relação doentia. Talvez seja essa a maior sequela da violência doméstica, um ferimento que talvez nunca se cicatrize e a vitima tenha que lidar para o resto da vida.

Denunciar este crime não é fácil para a vítima por razões diversas como pressão psicológica, dependência econômica e até mesmo emocional. Entretanto, deve-se ter em mente que a denuncia é o único caminho para que a violência cesse, e a situação seja conhecida por todos.  Mulher merece respeito. Mulher merece amor. Nenhum ser humano, independente do sexo, deve ser submetido à qualquer tipo de violência. O amor verdadeiro liberta, e não cresce no terreno da coação, da forca e do controle. Aquilo que aprisiona pode e deve ser denunciado!

Sobre o autor
Lourenço Zago

Advogado especialista em Direito Público

Informações sobre o texto

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