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Provas obtidas no Facebook. Qual sua validade?

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Agenda 06/10/2017 às 12:40

3 TEORIA DA PROPORCIONALIDADE

O princípio da proporcionalidade nasce no direito americano, onde é conhecido como princípio da razoabilidade, mas atinge o seu ápice no direito alemão Verhaltnismaßigkeitsgrudsatz. O direito americano e o alemão dão a esse princípio fundamentos distintos: este funda-se no estado democrático de direito; aquele, no devido processo legal, no que foi seguido pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro no julgamento da ADIN 958-3/RJ.

Nenhum direito fundamental é ilimitado, visto encontrar os seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas). Surge a teoria da proporcionalidade como instrumento de ponderação, principalmente, entre o interesse particular vulnerado e o interesse estatal na persecução penal.[19]

Alexy[20] resolve o problema da colisão de princípios constitucionais por meio da ponderação dos interesses contrapostos, observando, de forma pontual, que a ponderação abstrata dos valores se impõe no caso concreto, no qual os princípios ganham, cada qual, peso particular. O processo de ponderação pode levar a um inquestionável subjetivismo na decisão judicial. Entretanto, não há um decisionismo abstrato, uma vez que a ponderação deve ser operada em um juízo de racionalidade fundamentada, que estabelecerá a preferência lógica entre os princípios opostos.

Para fundamentar a preferibilidade de um princípio ao outro, as razões elencadas podem ser, a título de exemplo, a intenção original do legislador, as consequências benéficas de certa decisão ou as opiniões dogmáticas e jurisprudenciais.

A jurisprudência lusitana dá especial valor à gravidade do delito e delimita que o respeito integral à intimidade de cada cidadão acaba quando este desrespeita a dignidade de seus semelhantes. A Corte equaciona a forma com que o imputado se relaciona com a dignidade dos outros, realçando a funcionalidade da justiça criminal (Tribunal Constitucional Acórdão nº 607/2003).

Entretanto, a aplicação desmedida da proporcionalidade pode servir de instrumento de frustração das garantias constitucionais, tornando letra morta a disposição constitucional.

É tênue a linha que divide a mitigação de um princípio da sua abolição. A proporcionalidade não deve ser instrumento de aniquilamento, mas sim de harmonização, submetendo o princípio menos relevante ao de mais valor social.[21]

As inovações tecnológicas constituem um avanço sem possibilidade de reversão. O Estado detém instrumentos tecnológicos vorazes, capazes de devassar a intimidade de qualquer cidadão na Web.[22] Para garantir a manutenção do direito à privacidade são necessárias regras que impeçam as intromissões indevidas e injustificadas na esfera íntima e familiar dos indivíduos. Sem regulamentação, a proteção constitucional à intimidade torna-se ilusória, inútil e frágil diante da possibilidade do uso desmedido da teoria da proporcionalidade.

Daniel Sarmento busca equacionar uma fórmula matemática para a aplicação da proporcionalidade, preconizando que “o nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do qual ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir ao princípio protetor do bem jurídico concorrente”.[23]

A fórmula de Sarmento demonstra a imprecisão da própria equação. A maior incerteza na aplicação do princípio da proporcionalidade está na errônea individualização dos valores em jogo.[24] A invocação ideológica do princípio da proporcionalidade tem constituído a válvula de escape das agências judiciais para atender os reclames “da lei e da ordem”, acolhidos pelo senso comum com a aparência de que atuam de acordo com a sua finalidade constitucional. Assim, fulminam, dia a dia, a eficácia dos direitos e garantias tão duramente conquistados ao longo da história.

O sistema penal, de forma autofágica, alimenta-se do argumento ideológico da segurança para justificar as suas extrapolações de limites. Dessa forma, o princípio da proporcionalidade tem a possibilidade de se constituir em instrumento de negação do direito, reduzindo a Constituição a uma simples folha de papel.[25]

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A doutrina necessita criar fórmulas para circunscrever a aplicação da proporcionalidade a limites seguros. Entendemos que não poderá ser admitida qualquer violação a direito fundamental quando o escopo estatal for apenas garantir a condenação e a aplicação de pena ao investigado. Nossa assertiva merece melhor explicação: quando a intervenção do Estado de Polícia tiver por objetivo a interrupção de uma atividade lesiva a um bem jurídico relevante, a obtenção da prova daí decorrente tornar-se-ia legítima, desde que calcada na razoabilidade. A prova seria obtida sob a instância de prevenção de perigo.[26] Visando evitar abusos por parte dos órgãos de persecução penal, a prova extraída com restrições aos direitos individuais deverá ser submetida ao controle judicial prévio.

Conter a aplicação vulgarizada do princípio da proporcionalidade a partir do reconhecimento da sua deslegitimação parcial é uma exigência da democracia. Garantir a sua aplicação para a defesa da segurança pública e a prevenção de perigo é uma necessidade prudente. O tormento da jurisprudência estará em achar o ponto de equilíbrio, uma vez que os critérios de tal ponderação não poderão encontrar assento seguro na lei, mas sim no caso concreto e, especificamente, na decisão judicial.

As garantias são limites redutores, mas não aniquiladores, das pulsões naturais do Estado de Polícia. Será na ponderação sensata dos interesses que a razoabilidade se legitimará no caso concreto, validando a opressão pontual de privacidade do investigado, observado o postulado da proporcionalidade em sua tríplice dimensão (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).[27]


4 DA PROVA PRODUZIDA PELO ACUSADO EM SITES DE RELACIONAMENTO E A GARANTIA DE NÃO SER O CIDADÃO OBRIGADO A PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO – NEMO TENETUR SE DETEGERE

As provas obtidas em sites de relacionamento são, na maioria das vezes, produzidas pelo próprio acusado. Todavia, ao investigado é outorgada a prerrogativa de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo e o direito de permanecer em silêncio. Assim, surge o seguinte questionamento: qual a validade da prova obtida no site de relacionamento, quando esta é produzida pelo próprio acusado?

O direito ao silêncio, cuja origem se remonta à Idade Média e ao início da Renascença, é a versão nacional do privilégio against self-incrimination do direito anglo-americano[28], que surgiu como forma de reação ao procedimento inquisitório que transformava o arguido em instrumento de sua própria condenação.

Aqueles que militam cotidianamente nas lides forenses sabem que o silêncio pode ser a arma mais poderosa à disposição do acusado e, em contrapartida, a mais perigosa. Por essa razão, o sistema brasileiro outorga especial força ao direito de ficar calado, na medida em que impede, inclusive, que o julgador forme convencimento em prejuízo do réu por força do exercício do silêncio.[29]

Expomos uma lógica: se o cidadão não é obrigado a declarar-se culpado, não poderia ser ele obrigado a fornecer prova que o inculpasse. Esse raciocínio faz com que percebamos que o direito ao silêncio e à não autoincriminação estão incindivelmente ligados. Subtraindo do réu o direito ao silêncio, este estaria obrigado a pronunciar-se, revelando, por vezes, informações aptas a sua autoincriminação.

Nem a lei processual, muito menos a Constituição Federal brasileira[30], consagram, diretamente, o direito ao nemo tenetur. Situação semelhante se registra nos ordenamentos alemão e português. Para Fernandes[31], foi sensível a evolução da doutrina brasileira no sentido de extrair da cláusula da ampla defesa e de outros preceitos constitucionais, como os da presunção de inocência e do direito ao silêncio[32], o princípio de que ninguém é obrigado a se autoincriminar, não podendo o suspeito ser forçado a produzir prova contra si mesmo.

A doutrina e a jurisprudência europeias, no entanto, são consensuais em afirmar o assento constitucional do princípio do nemo tenetur, tido como princípio constitucional não escrito.[33]

O que importa é que, em ambas as hipóteses, o fundamento do nemo tenetur está enraizado na perspectiva de respeito à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988), o que outorga ao acusado a condição de sujeito de direito no processo, e não a de objeto de investigação.[34]

Na persecução penal, sempre que for imposta uma obrigação ao investigado que o exponha ao risco de inculpação, a ele deve ser assegurado o direito ao silêncio e à não autoincriminação.

Acreditamos, entretanto, que o nemo tenetur não tem vigência absoluta, sendo passível de limitação. A lei processual, prévia e expressa, obedecendo a um critério de proporcionalidade[35], é instrumento apto a excepcionar o princípio do nemo tenetur, viabilizando sua aplicação racional.

Enfrentemos, pois, um problema. Suponha que o investigado veicule, publicamente, num site de relacionamento, informação capaz de gerar sua autoincriminação. Haveria vedação legal à utilização dessa prova por força do princípio do nemo tenetur?

Importante efetivar a diferenciação entre colheita de prova direta e indireta. O réu sempre pode ser objeto de prova e seus atos jurídicos passíveis de persecução. O respeito à condição de sujeito processual apenas impede que o Estado obrigue o investigado a produzir prova contra si mesmo. A legislação nunca proibiu que o réu produzisse prova contra si mesmo, mas sim que ele fosse coartado a produzir a prova. Assim, se o investigado produzir, espontânea e publicamente, prova apta a colaborar com sua inculpação, esta deverá ser valorada no processo, ante a sua inquestionável validade.


5 DA VALIDADE DAS PROVAS ILÍCITAMENTE OBTIDAS POR PARTICULARES NOS SITES DE RELACIONAMENTOS (Facebook)

Em sites de relacionamento, o usuário constantemente acessa fotos, vídeos e textos de outras pessoas e, nesse momento, pode identificar prova de um ilícito penal.

Se o particular usar de meio lícito para a obtenção da prova, ou seja, sem violação da lei penal ou mesmo da intimidade do investigado, a utilização do elemento probatório, na órbita processual, será plenamente válida.

Preferimos problematizar o tema partindo de uma situação hipotética: após violar a privacidade de terceiro, um hacker obtém prova da prática de um delito em site de relacionamento e repassa a informação ao órgão de persecução penal. Será válida a utilização dessa prova na órbita processual? A quem se dirigem as regras de proibição de produção de provas ilícitas? Somente às autoridades de persecução penal ou também aos particulares?

A jurisprudência norte-americana consagra que, na colheita de provas, apenas a ação governamental inoportuna, ou de quem esteja ao seu serviço, tem o condão de violar a privacidade do indivíduo.[36] Consolida-se na América uma doutrina[37] que subentende que a privacidade é um direito do cidadão contra a ação estatal. Assim, quando um particular, com intenções privadas, invade a privacidade do investigado, obtendo prova da prática delitiva, não haveria obstáculo jurídico para a utilização dessa prova na órbita processual[38].

A ótica constitucional brasileira foge do clássico sistema de verticalização da eficácia dos direitos fundamentais, que obrigaria apenas ao Poder Público o respeito às garantias constitucionais. No Brasil, foi reconhecida a existência da eficácia horizontal dos direitos humanos, chamada de “eficácia privada” ou “eficácia em relação a terceiros”. Consequentemente, a privacidade de alguém não pode ser desrespeitada, sequer por particulares. Há uma vinculatividade do sujeito privado aos direitos fundamentais.[39]

Festejando a doutrinadora Ada Pellegrini Grinover, o Supremo Tribunal Federal (RE N.º251.445-GO) se pronunciou sobre o tema. Vejamos:

[…] tratando-se de prova ilícita – especialmente daquela cuja produção derivar de ofensa a cláusulas de ordem constitucional – [...] indiferente a indagação sobre quem praticou o ato ilícito de que se originou o dado probatório questionado: a inadmissibilidade processual da prova ilícita torna-se absoluta, sempre que a ilicitude consista na violação de uma norma constitucional, em prejuízo das partes ou de terceiros. Nesses casos, é irrelevante indagar se o ilícito foi cometido por agente público ou por particulares, porque, em ambos os casos, a prova terá sido obtida com infringência aos princípios constitucionais que garantem os direitos da personalidade.[40]

Assim, consolida-se, no Brasil[41], a perspectiva de que não importa qual sujeito (Estado ou particular) violou o direito à intimidade, o que importa é a preservação da dignidade da pessoa humana. Se o investigado demonstrar expectativa subjetiva de privacidade, evidenciando que tomou as precauções normais para mantê-la, deverá ficar imune não só da intrusão governamental, como também da de particulares, sob pena de nulidade da prova e impossibilidade de sua valoração no âmbito processual.

No direito alemão, a valoração da prova acaba por depender da ponderação a ser feita entre o sacrifício do bem jurídico do particular e o interesse público na perseguição penal, em um patente juízo de proporcionalidade. Roxin, em análise detida do tema, questiona:

[...] las pruebas pueden ser obtenidas no sólo por los órganos de persecución penal, sino también por particulares. […] Cuando esos particulares proceden en ello ilícitamente (p. ej., sustraen documentos) y ponen a disposición de las autoridades de la investigación las pruebas así obtenidas, se cuestiona se las pruebas obtenidas pueden ser valoradas en el procedimiento penal.[42]

Interessante observar que, para Roxin, no processo penal alemão a prova obtida por particular deve ser aceita “sin ningún tipo de limites”. Adverte, entretanto, que se a polícia fizer uso do serviço de pessoas particulares e o usar para descobrir provas de um crime, será absolutamente rechaçável a utilização dos elementos de prova obtidos ilicitamente. O grande receio é que, ao admitir que o particular invada a privacidade do investigado para obter provas, se acabe por incentivar a criação e a livre ação de empresas privadas de investigação, as quais não sofreriam as limitações constitucionais impostas aos órgãos de persecução penal.

A Suprema Corte Brasileira filiou-se a corrente doutrinária que reconhece a existência da eficácia horizontal dos direitos humanos, assim, a proibição de produção de prova ilícita se estende ao “particular” e agentes estatais.[43] Sobretudo, pode ser invocado o juízo de razoabilidade para excepcionar a vedação.

Sobre o autor
Danni Sales Silva

Promotor de Justiça no Estado de Goiás Ex. Promotor de Justiça no Estado do Tocantins. Pós Graduado em Direito Penal. Especialista em Ciências Criminias pela UL (Universidade Lisboa). Especialista em Direito Processual Penal. Mestrando em Ciências Criminias pela Faculdade de Direito de Lisboa. Bacharelando em Filosofia pela PUC-GO. Professor de Direito Penal e Processo Penal. Professor de Pós Graduação em Direito Processual Penal na Rede Juris de Ensino e PUC/GO. Pesquisador pelo Max Planck Institute for Foreign and International Criminal Law in Freiburg i. Br., Germany. Membro do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Membro da Confraria do Júri

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Danni Sales. Provas obtidas no Facebook. Qual sua validade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5210, 6 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61011. Acesso em: 22 dez. 2024.

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