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A reforma trabalhista na perspectiva constitucional

VIOLAÇÕES DA LEI 13.467/17 À ORDEM CONSTITUCIONAL TRABALHISTA

Agenda 09/10/2017 às 22:05

O Direito do Trabalho não deve ser lido de forma isolada, pois está inserido como um direito fundamental social pela própria Constituição Federal de 1988, proibindo o legislador infraconstitucional de editar normas contrárias aos seus preceitos.

1. A REFORMA TRABALHISTA. CONTEXTUALIZAÇÃO:

A Lei nº 13.467/2017 instituiu a denominada “Reforma Trabalhista” e alterou diversos dispositivos da CLT, causando profundo impacto nos operadores do direito do trabalho e na sociedade em geral, que ainda desconhece os efeitos devastadores que a dita reforma poderá causar.

Este trabalho não visa aprofundar os pontos da reforma em si, objeto de estudo minucioso em diversas obras já editadas e publicadas por autores de renome. Busca-se, aqui, embora simplificadamente, ampliar o campo de visão do operador jurídico, voltado para a ordem constitucional trabalhista, eventualmente pinçando-se alguns trechos da novel legislação.

Parte-se da ideia de que o Direito do Trabalho não está somente na CLT. Ele está inserido num sistema aberto de princípios e regras constituido, inicialmente, pela própria Constituição Federal.


2. A Ordem Constitucional Trabalhista

2.1.Direito Sociais como cláusulas pétreas. Violação da Força Normativa da Constituição.

A Carta Social de 1988 elevou os direitos sociais dos trabalhadores, previstos nos art.7º a 11 da Constituição, à condição de verdadeiros direitos fundamentais, positivando um patamar civilizatório mínimo de trabalho com status de verdadeira cláusula pétrea, nos termos do art.60, §4º, IV do texto constiucional.

Nesse sentido, trecho do clássico voto proferido pelo Ministro Celso de Mello:

“Tivemos, Senhor Presidente, o estabelecimento de direitos e garantias de uma forma geral. Refiro-me àqueles previstos no rol, que não é exaustivo, do art. 5º da Carta, os que estão contidos, sob a nomenclatura de direitos sociais, no art. 7º e, também, em outros dispositivos da Lei Básica Federal, isto sem considerar a regra do §2º, do art. 5º, segundo o qual ‘os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados’”.

Por tais razões, os direitos sociais trabalhistas encontram proteção nas disposições do artigo 60, §4º, da CF. Tais direitos devem ser protegidos pelas cláusulas pétreas, pois o constituinte originário ao listar os valores supremos do Estado Democrático de Direito, considerou os direitos sociais como categoria jurídica essencial, protegendo-os, tanto quanto aos direitos civis e políticos, previstos no artigo 5º, do poder reformador.  

Nada obstante, a sanha do legislador pátrio pelo crescimento econômico através da redução do custo do trabalho suprimiu direitos sociais, violando cláusulas pétreas, em flagrante inconstitucionalidade.

Agindo desta forma, o legislador pátrio também atenta contra o princípio da Força Normativa da Constituição, pois, para Konrad Hesse:

“sob pena de se tornar ‘letra morta’, a Constituição deve incorporar em seu bojo a realidade jurídica do Estado, estando conexa com a realidade social. A Constituição adquire força normativa conforme realiza sua máxima eficácia. Portanto, deve-se dar a máxima efetividade aos direitos fundamentais e a otimização das normas para as tornarem mais eficazes, garantindo que a Constituição tenha real Força Normativa, fazendo coincidir a realidade social com a jurídica.”

Ingo Wolfgang Sarlet traz também o Princípio da Supremacia da Constituição, donde se traduz a ideia de que as normas constitucionais ocupam posição hierárquica superior em relação às demais normas, sendo ela (e seus direitos fundamentais) critério de validade para o sistema jurídico. Ao produzir normas contrárias a tais direitos, o legislador pátrio viola frontalmente tais standarts jurídicos.

2.2. Desvio de Poder e Atalhamento da Constituição

A Lei 13.467/2017 e seu intuito desregulamentador teve o nítido propósito de diminuir o custo do trabalho através da redução do patamar de proteção social existente nas normas constitucionais, e, por conseguinte, esvaziar o conteúdo tuitivo do Direito do Trabalho.

Há um total desvio de poder (detournement de pourvouir) do legislador constituinte. Sobre este tema, cumpre esclarecer tal conceito, por Hely Lopes Meirelles:

“incorre em vício que os publicistas franceses de longa data qualificam de détournement de pouvoir, isto é, de desvio de poder ou de finalidade, expediente mediante o qual se busca atingir um fim ilícito utilizando-se de um meio aparentemente legal.”

 Trata-se de um desvio do poder constituinte reformador, que os autores alemães denominam Verfassunsbeseitigung, expressão que, traduzida literalmente, significa “atalhamento da Constituição”.

Cita-se, por exemplo, o artigo 442- B, in verbis:

Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação

Tal artigo é flagrantemente inconstitucional, pois tem por conteúdo facilitar o afastamento do regime de emprego positivado no artigo 7º, caput e incisos da Constituição pela simples formalidade legal da contratação de trabalhador autônomo.

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2.3.Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais Trabalhistas. Deveres ativos de proteção e promoção do Direito do Trabalho.  

Ingo Wolfgang Sarlet constata que os direitos fundamentais revelam dupla perspectiva, na medida em que podem, em princípio, ser considerados tanto como direitos subjetivos individuais, quanto elementos objetivos fundamentais da comunidade. Tal fato, segundo o autor, constitui uma das mais relevantes formulações do direito constitucional contemporâneo, de modo especial no âmbito da dogmática dos direitos fundamentais.

No Brasil, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos sociais, já que estes, como visto, também são dotados de fundamentalidade, gerando a sindicabilidade não apenas do ato de sua edição normativa, mas também de seu próprio resultado.

É justamente com base na dimensão objetiva dos direitos fundamentais que se observa que o legislador pátrio possui deveres ativos de proteção, que engloba o dever de aperfeiçoamento da legislação existente, no sentido de conformá-las às exigências dos direitos fundamentais sociais.

Gomes Canotilho, citado por Sarlet, diz que os deveres de proteção não constituem “um simples dever de acção do Estado para proteger bens ou promover fins constitucionais, mas um dever de acção para ‘segurar’ direitos consagrados e protegidos por normas constitucionais”.

Porém, a contrario sensu, o legislador reformista brasileiro foi de encontro às normas trabalhistas constitucionais. Possível, pois, o controle de constitucionalidade dos dispositivos da Lei 13.467/17 que contrariem normas constitucionais. Por exemplo, o artigo 452-A, que traz a figura do contrato intermitente, in verbis:

“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.”

Da análise de tal dispositivo percebe-se a violação frontal à garantia de remuneração mínima (art.7º, IV da CF88), o que restringe de forma desproporcional o direito social ao lazer e à desconexão (art.6º da CF) e traz insegurança para o empregado, visto que lhe retira qualquer previsibilidade quanto à jornada mensal e, consequentemente, ao salário mensal.

Existem diversos outros dispositivos flagrantemente inconstitucionais na Lei 13.467/17 em razão da inobservância do dever de aperfeiçoamento da legislação existente, o que significa violação direta e literal aos artigos 5º, §1º da CF88 (que traz a dimensão objetiva), havendo parâmetro constitucional para o reconhecimento da sua inconstitucionalidade material.

2.4. Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais Trabalhistas. Eficácia Irradiante dos Direitos Fundamentais TRABALHISTAS.

Da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, também se extrai a sua eficácia irradiante, como ecoa dos ensinamentos de Ingo Sarlet:

“Como primeiro desdobramento de uma força jurídica objetiva autônoma dos direitos fundamentais, costuma apontar-se para o que a doutrina alemã denominou de uma eficácia irradiante (Ausstrahlungwirkung) dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, na condição de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional, o que, além disso, apontaria para  a necessidade de uma interpretação conforme aos direitos fundamentais.”

Assim, as normas infraconstitucionais, como é o caso da Lei 13.467/17, não podem contrariar o conteúdo dos direitos fundamentais trabalhistas, impondo-se uma interpretação conforme a Constituição, que também é técnica hermenêutica da interpretação da Carta Social.

Em resumo, o que se observa através desta perspectiva, mais uma vez, é que o legislador possui o dever de aperfeiçoamento da legislação existente, em atenção à eficácia irradiante das normas constitucionais.

Os direitos constitucionais sociais fornecem impulsos e diretrizes que devem guiar o legislador à concretização dos direitos trabalhistas na legislação infraconstitucional e não à sua desregulamentação, como se observou da Lei 13.467/17.

Porém, não só o legislador, mas também o intérprete (jurista ou administrador) está vinculado à eficácia irradiante dos Direitos Trabalhistas, devendo atuar no sentido de concretizá-los.

Sob esta ótica, não deve o Juiz, por exemplo, abster-se de realizar o controle difuso de constitucionalidade quando uma norma reformista de flagrante inconstitucionalidade se apresentar num caso concreto. Trata-se do sistema de freios e contrapesos sendo posto em prática.

2.5. Princípio da Proporcionalidade. Violação à teoria dos limites aos limites dos Direitos Fundamentais sociais.

Segundo a doutrina pátria, eventuais limitações aos direitos fundamentais só serão tidas por justificadas, ou seja, consideradas lícitas, se guardarem compatibilidade formal e material com a Constituição.

O controle de constitucionalidade formal diz respeito à investigação da competência, do procedimento e da forma adotados pela autoridade estatal que produziu a norma. Abstendo-se de análise mais detalhada, entende-se neste trabalho que a incompatibilidade formal da Lei 13.367/17 está caracterizada pela ausência de debate com a sociedade, o chamado “déficit democrático”.

Já análise da compatibilidade material diz essencialmente com o atendimento do princípio da proporcionalidade, de vertente alemã.  Sobre este tema, Ingo Sarlet leciona que:

“O princípio da proporcionalidade que constitui um dos pilares do Estado democrático de direito brasileiro, desponta como instrumento metódico de controle dos atos- tanto comissivos quanto omissivos- dos poderes públicos, sem prejuízo de sua eventual aplicação a atos de direitos privados.”

Sob esse prisma, o princípio da proporcionalidade possui uma dupla perspectiva. Por um lado, na sua faceta da proibição de excesso (übermassverbot) atua como o principal limite aos limites dos direitos fundamentais, impedindo que a norma editada atue no sentido de atingir o núcleo ineliminável dos direitos sociais.

Por outro lado, a faceta da proibição da proteção deficiente (üntermassverbot), traz a ideia de que o legislador positivo não pode atuar de modo insuficiente na proteção dos direitos fundamentais, coadunando-se, mais uma vez, com a já sufragada ideia de aperfeiçoamento da legislação existente, na medida dos direitos fundamentais.

A reforma trabalhista, sem dúvida alguma, trouxe diversas restrições, limitações e supressões de direitos sociais dotados de fundamentalidade, sendo flagrante a sua inconstitucionalidade material.   


Referências:

Sobre o autor
Diego Carneiro Costa

Assessor Jurídico no Tribunal Regional do Trabalho da 5a Região Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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