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A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar

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Agenda 15/05/2019 às 14:10

4. DAS MEDIDAS A SEREM ADOTADAS PELAS AUTORIDADES POLICIAIS MILITARES

Compete à polícia judiciária militar apurar os crimes militares (art. 8º, “a”, do Código de Processo Penal Militar).

Conforme exposto, o rol de crime militares se estendeu para todos os crimes previstos na legislação penal comum, desde que esteja prevista uma das hipóteses do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar.

Assim, ocorrendo o cometimento de crime por policial militar durante o serviço ou atuando em razão da função, que é a hipótese mais comum, deverá a autoridade de polícia judiciária militar tomar as medidas necessárias, como a lavratura de auto de prisão em flagrante e realização do inquérito policial militar.

A Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais - FENEME – emitiu a nota técnica sobre a Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017,  propondo a adoção das seguintes medidas:

1. militar em serviço ou em razão da função que praticar qualquer crime previsto na lei penal militar e na legislação penal comum, em área fora da jurisdição militar, não deve ser apresentado a nenhuma outra instituição policial, uma vez que a atribuição para a apurar é exclusiva a autoridade de polícia judiciária militar, e a polícia civil é incompetente, por força do art. 144,§ 4º da Constituição, podendo o delegado de polícia ser responsabilizado por usurpação de função pública ou abuso de autoridade;

2. militar que praticar qualquer crime previsto na lei penal militar e na legislação penal comum, em área sob jurisdição militar, não deve ser apresentado a nenhuma outra instituição policial, uma vez que a atribuição para a apurar é exclusiva a autoridade de polícia judiciária militar, e a polícia civil é incompetente, por força do art. 144, § 4º da Constituição, podendo o delegado de polícia ser responsabilizado por usurpação de função pública ou abuso de autoridade;

3. requerer ao juiz da jurisdição militar que requisite os inquéritos policiais civis que estejam em andamento e que envolvam militar em área de jurisdição militar ou fora da jurisdição militar que atuou em serviço ou em razão da função militar;

4. requerer ao juiz da jurisdição militar que solicite o desaforamento da justiça comum dos processos que envolvam militar em área de jurisdição militar ou fora da jurisdição militar que atuou em serviço ou em razão da função militar; uma vez que a nova lei fez alteração de competência, portanto lei processual, e tem aplicação imediata, mesmo os processos já instaurado, como ocorreu nos crimes dolosos contra a vida praticado por militares, que nos termos da lei 9299 de 1996 foram desaforados da justiça militar para o tribunal do júri.

No tocante à recomendação número “3”, não compete ao juiz da jurisdição militar requisitar inquérito policial civil. Este deve ser encaminhado à Justiça Militar pelo juiz competente da Justiça Comum.

Os juízes da Justiça Comum deverão remeter os processos para a Justiça Militar, em razão da alteração da competência absoluta, conforme exposto neste artigo.


5. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO PARA JULGAR OS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS NOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA DE CIVIL

Com o advento da Lei 13.491/17, firmou-se a competência da Justiça Militar da União para julgar os crimes dolosos contra a vida de civil nas hipóteses delineadas no § 2º do art. 9º do Código Penal Militar.

A regra continua sendo a competência do tribunal do júri (art. 9º, § 1º, do CPM), mas excepcionalmente, poderá ser atribuída à Justiça Militar da União.

A primeira hipótese prevista no inciso I, do § 2o  do art. 9º do CPM consiste na atuação dos militares das Forças Armadas no cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa.

Trata-se de previsão ampla, sendo suficiente para a sua caracterização que haja cumprimento de ordens e atuações estipuladas pelo Presidente da República ou Ministro de Estado da Defesa, como a hipótese de atuação específica de militares do Exército na faixa de fronteira terrestre e de militares da Marinha no mar (art. 16-A da Lei Complementar n. 97/99).

Reafirmo que nas hipóteses acima aventadas, caso ocorra crime doloso contra a vida de civil, somente será de competência da Justiça Militar da União se a atuação decorrer de ordem do Presidente da República ou do Ministro de Estado da Defesa, não abrangendo os casos de atuações meramente de rotina.

A segunda hipótese prevista no inciso II, do § 2o  do art. 9º do CPM consiste na ação, dos militares das Forças Armadas, que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante.

Trata-se de hipótese que poderá ocorrer na rotina do serviço das instituições militares, como a sentinela do quartel do Exército que comete o crime de homicídio conta vítima civil.

A terceira e última hipótese prevista no inciso III, do § 2o  do art. 9º do CPM consiste na atuação dos militares das Forças Armadas em atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal, conforme preconizado no Código Brasileiro de Aeronáutica; ou na Lei Complementar n. 97/99; no Código de Processo Penal Militar ou no Código Eleitoral.

Interesse hipótese tratada nessa previsão é a garantia da Lei e da Ordem, que tem sido utilizada pela Presidência da República, consoante o Decreto do Presidente da República de 17 de janeiro de 2017 que dispôs no artigo 2º que “As Forças Armadas executarão essa atividade nas dependências de todos os estabelecimentos prisionais brasileiros para a detecção de armas, aparelhos de telefonia móvel, drogas e outros materiais ilícitos ou proibidos.”, pelo prazo de doze meses (art. 3º).

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O Decreto de 28 de julho de 2017 dispôs no art. 1º que “Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, em apoio às ações do Plano Nacional de Segurança Pública, no Estado do Rio de Janeiro, no período de 28 de julho a 31 de dezembro de 2017.”, sendo o Exército utilizado na Rocinha, conforme amplamente noticiado pela imprensa.

O Decreto de 08 de agosto de 2016 ampliou e sistematizou as determinações presidenciais de emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016. 

Portanto, têm-se diversos exemplos de atuações do Exército para a garantia da Lei e da Ordem, o que deve ocorrer conforme previsão do art. 15 da Lei Complementar n. 97/99, com as alterações dadas pelas Leis Complementares n. 117/04 e n. 136/10.

O Código Brasileiro de Aeronáutica autoriza o tiro de abate (art. 303, § 2º) após esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, sendo a aeronave classificada como hostil, nas hipóteses em que voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim; entrar no espaço aéreo brasileiro e desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis; para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21) e para averiguação de ilícito. Cumprido o disposto no Decreto n. 5.144/04[15], configurada uma das hipóteses acima e autorizado pelo Presidente da república ou Comandante da Aeronáutica (Decreto n. 8.265, de 11 de junho de 2014), poderá ocorrer o tiro de abate.

Portanto, nas atuações descritas acima, ocorrendo o homicídio que tenha como vítima civil, a competência será da Justiça Militar da União.

A Lei Complementar n. 97, de 09 de junho de 1999, trata da organização, do preparo e do emprego das Forças Armadas, abrangendo as hipóteses de operação de paz, de garantia da lei e da ordem.

O art.. 23, caput, inciso XIV, do Código Eleitoral, assevera que compete ao Tribunal Superior Eleitoral requisitar a força federal necessária ao cumprimento da lei, de suas próprias decisões ou das decisões dos Tribunais Regionais que o solicitarem, e para garantir a votação e a apuração.

Como exemplo, tem-se o Decreto de 24 de julho de 2017 que autorizou o emprego das Forças Armadas para a garantia da votação e da apuração das eleições suplementares no Estado do Amazonas.” (art. 1º).

A Força Armada conservar-se-á a cem metros da seção eleitoral e não poderá aproximar-se do lugar da votação, ou dele penetrar, sem ordem do presidente da mesa (art. 141 do Código Eleitoral).

Assim, caso ocorra crime de homicídio contra civil, em decorrência de atuação das Forças Armadas nas eleições, a competência será da Justiça Militar da União.

Com a nova lei, poderá ocorrer uma situação em que dois militares (um do Exército e um da Polícia Militar pertencente à Força Nacional) estejam atuando conjuntamente em operação determinada pelo Presidente da República e cometam o crime de homicídio doloso contra civil.

Nessa situação o militar das Forças Armadas será julgado pela Justiça Militar da União e o militar estadual será julgado pelo Tribunal do Júri.

Qual a razão dessa distinção, sendo que ambos militares estavam em situação de igualdade?

Trata-se de distinção aparentemente inconstitucional, sobretudo por ferir a isonomia. Ademais, onde há a mesma razão, deve ser aplicado o mesmo direito.

Portanto, os militares estaduais, nessas situações, também deveriam ser julgados pela Justiça Militar – estadual -, porém, essa interpretação encontra óbice no § 4º, do art. 125 da Constituição Federal que determina ser competência do Tribunal do Júri julgar os militares estaduais nos crimes dolosos contra a vida de civil.


6. CONSIDERAÇÃO FINAIS

A finalidade do artigo não é exaurir o tema, que é novo e será amplamente debatido pela doutrina e enfrentado pela jurisprudência.

A vida profissional militar tem toda uma peculiaridade que a distingue da vida civil, o que deve ser levado em consideração na fixação da competência para julgar os militares criminalmente.

Algumas entidades de direitos humanos apelidaram a nova lei como uma “licença para matar”, com fortes críticas à alteração, por acreditarem que houve um grande retrocesso.

Em petição virtual visando que o Presidente da República vetasse o projeto de lei aprovado, a Anistia Internacional afirmou que o Brasil “violará tratados internacionais dos quais é signatário, obrigações que incluem a garantia do direito ao julgamento justo, imparcial e independente”.

Não há razões para afirmar que não haverá julgamento justo, imparcial e independente.

O julgamento pela Justiça Militar, necessariamente, é técnico, ao contrário do julgamento pelo Tribunal do Júri, onde os jurados podem absolver livremente.

Na Justiça Militar da União, todos os crimes de sua competência são julgados pelo Conselho de Justiça, que é composto pelo Juiz-Auditor, que é concursado, mais quatro juízes militares, que são sorteados dentre os oficiais da carreira da Força Armada.

Portanto, na Justiça Militar da União, os crimes de homicídio contra civis, praticados nas hipóteses delineadas no § 2º, do art. 9º, do Código Penal Militar, serão julgados por cinco juízes, em primeira instância, sendo que quatro deles possuem toda uma história de vida, experiência e conhecimentos próprios da vida militar.

Uma das finalidades do Júri é que o réu seja julgado pelos seus pares, pessoas da sociedade que conhecem a sua realidade, que são verdadeiros juízes leigos, de fato, que julgarão pelos conhecimentos e experiência que possuem da “vida”, como forma de realização de justiça.

Renato Brasileiro de Lima[16] leciona que:

Na verdade, a justificativa para a colocação do Júri no art. 5º da Constituição Federal guarda relação com a ideia de funcionar o Tribunal Leigo como uma garantia de defesa do cidadão contra as arbitrariedades dos representantes do poder, ao permitir a ele ser julgado por seus pares. Além disso, não se pode perder de vista o cunho democrático inerente ao Júri, que funciona como importante instrumento de participação direta do povo na administração da Justiça. Afinal, se o cidadão participa do Poder Legislativo e do Poder Executivo, escolhendo seus representantes, a Constituição também haveria de assegurar mecanismo de participação popular junto ao Poder Judiciário. (destaquei)

Dessa forma, se o civil possui o direito de ser julgado por seus pares, pelos motivos expostos, nada mais justo que o militar, em determinadas ocasiões, seja julgado, igualmente, pelos seus pares. Trata-se de aplicação da isonomia e da máxima de que onde há a mesma razão, deve ser aplicado o mesmo direito.

As situações delineadas no § 2º, do art. 9º, do Código Penal Militar envolvem toda uma circunstância que justifica o julgamento pela Justiça Militar da União.

Por fim, a Justiça Militar terá condições de dar uma resposta mais célere para a sociedade, em vista do quantitativo de processos que tramitam na Justiça Militar, se comparados aos que tramitam na Justiça Comum.

Sobre o autor
Rodrigo Foureaux

Juiz de Direito - TJGO. Mestre em Direito. Foi Juiz de Direito do TJPA e do TJPB. Aprovado para Juiz do TJAL. É Oficial da Reserva Não Remunerada da PMMG. Bacharel em Direito e em Ciências Militares com Ênfase em Defesa Social. Especialista em Direito Público. Autor do livro "Justiça Militar: Aspectos Gerais e Controversos".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FOUREAUX, Rodrigo. A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5796, 15 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61251. Acesso em: 22 nov. 2024.

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