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Prisão: uma visão crítica frente ao princípio da presunção da inocência

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Diante do atual cenário prisional brasileiro, questiona-se sobre onde está o caráter de reeducação que os estabelecimentos prisionais deveriam ter, para a reinserção do criminoso na vida em sociedade.

RESUMO: O princípio da presunção da inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sobretudo na esfera penal, estando previsto no art. 5º, LVII da Constituição de 1988, que diz: “ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória”. Tendo em vista que a Constituição Federal é nossa lei suprema, toda a legislação infraconstitucional deverá absorver e obedecer tal princípio. Contudo, nossa Carta Magna deixa a salvo a prisão em caso de flagrante delito, sendo esta a única modalidade de prisão que é autorizada pela Constituição sem a necessidade de expedição de mandado de prisão pela autoridade judiciária competente. A limitação da liberdade do cidadão por meio da prisão no Direito brasileiro, principalmente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, é medida excepcional e ultima ratio na aplicação de uma sanção às infrações penais. A necessidade de discussão sobre o tema surge da sua crescente relevância jurídica e social, sobretudo depois de recente julgado do STF onde se permitiu a prisão mesmo antes do trânsito em julgado, contrariando, segundo alguns doutrinadores, a nossa lei maior. Procura-se, assim, realizar estudo analítico com vistas a verificar quais critérios estão sendo empregados para definir a inaplicação do princípio constitucional da presunção da inocência frente à lei penal em alguns casos específicos e a efetiva constitucionalidade de tais medidas.

Palavras-chave: Princípio da presunção da inocência. Prisão sem trânsito em julgado. Ordenamento jurídico brasileiro. 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Pena de prisão; 3. Princípio da intervenção mínima do Direito penal; 4. Princípio da presunção da inocência; 5. Prisão a partir da decisão de segunda instância; 6. Conclusão; 7. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O princípio da Presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos sobretudo na esfera penal, estando previsto no art. 5º, LVII da Constituição de 1988, que diz: “ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória”, também no  art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) diz que “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.” Tendo em vista que a Constituição Federal é nossa lei suprema, toda a legislação infraconstitucional deverá consequentemente absorver e obedecer tal princípio.

Contudo, nossa Carta Magna deixa a salvo a prisão em caso de flagrante delito. Esta é a única modalidade de prisão que é autorizada pela Constituição, precisamente em seu artigo 5º, LXI, sem a necessidade de expedição de mandado de prisão pela autoridade judiciária competente.

Existem ainda outros tipos de prisões previstas em leis infraconstitucionais, mas nenhuma delas torna o acusado culpado definitivamente, cabendo sempre recurso da decisão. Essas têm quase sempre o condão de apenas resguardar a instrução criminal ou restringir a liberdade quando a locomoção de determinada pessoa põe em risco interesses maiores, e não para puni-la antecipadamente. 

A escolha do tema surgiu devido à sua crescente relevância jurídica e social, sobretudo depois de recente julgado do STF, onde se permitiu a prisão mesmo antes do trânsito em julgado, contrariando segundo alguns doutrinadores a nossa lei maior.

Procura-se, assim, realizar estudo analítico com vistas a verificar quais os critérios estão sendo empregados para definir a inaplicação do princípio constitucional da presunção da inocência frente à lei penal. E a efetiva necessidade de se tomar tal medida.


2. PENA DE PRISÃO

 Antes da constituição do Estado moderno, considerado o detentor do poder de punir, a sociedade já se organizava em grupos. Mas apenas existiam famílias, clãs e tribos, com nível muito baixo de organização social (TELES, 2006, p. 20).

Da necessidade de estabelecer regras de convivência surgiram as sanções como meio de manter a comunidade unida e protegida, sendo elas uma das primeiras demonstrações de uma estrutura normativa de conduta, como preleciona Caldeira:

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O ser humano sempre viveu agrupado, em virtude de seu nítido impulso associativo e lastreou, no seu semelhante, suas necessidades, anseios, conquistas, enfim, sua satisfação. E desde os primórdios, o ser humano violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de um castigo (sanção). No início, a punição era uma reação coletiva contra as ações antissociais (CALDEIRA, 2009, p. 260).

O fundamento do direito penal é proteger bens jurídicos fundamentais para que os seres humanos possam viver em harmonia. Cezar Roberto Bitencourt (2011, p.9) afirma que:

“O Direito Penal funciona, num primeiro plano, garantindo a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade, e, em um segundo plano, reage, diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com a imposição da pena correspondente. Orienta-se o Direito Penal segundo a escala de valores da vida em sociedade, destacando aquelas ações que contrariam essa escala social, definindo-as como comportamentos desvaliosos, apresentando, assim, os limites da liberdade do indivíduo na vida da comunidade.”

Corroborando com o entendimento de Bitencourt, nosso código penal em seu artigo 59, diz que as penas devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime. Assim, a legislação dá à pena um caráter dúplice, devendo servir tanto como instrumento para prevenir futuras infrações, como para reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, retribuindo-lhe o mal causado.

A dupla finalidade da pena classifica-se em duas teorias, absoluta e relativa. Onde segundo Ferrajoli (2001, p. 76):

são teorias absolutas todas aquelas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja como ‘castigo’, ‘reparação’ ou, ainda, ‘retribuição do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, ‘relativas’ todas as doutrinas utilitaristas, que consideram a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos.

Do ponto de vista da prevenção, as premissas do Direito Penal são de prevenção geral e de prevenção especial. A prevenção geral almeja que as pessoas não venham a cometer crimes, pretendendo surtir efeitos em todos os cidadãos, já a prevenção especial objetiva evitar a reincidência do apenado. A prevenção tanto geral como especial se subdivide em positiva e negativa.

 Prevenção geral negativa diz respeito à intimidação que a pena causa a toda a sociedade, já que a norma incriminadora apresenta uma respectiva sanção. Já a prevenção geral positiva está reafirmando a existência e eficiência do Direito Penal, não intimidando-os para se omitirem da prática do ilícito, mas para demonstrar que a pena por si só tem consequências severas. (NUCCI, 2004, p. 37). Nesse sentido, entende Beccaria (2012, p. 101) que: “é preferível prevenir os delitos a ter que puni-los; e todo legislador sábio deve antes procurar impedir o mal que repará-lo”.

Pela prevenção especial negativa existe a neutralização daquele que praticou a infração penal, com a sua segregação ao cárcere. Pela prevenção especial positiva segundo Roxin (1979 p. 85), “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer futuros delitos”.

Diante da exposição, fica bastante claro que a pena de prisão tem como finalidade última tanto a função de prevenir a pratica de infrações como de reprimi-la concretamente. Em suma, a pena por muitos anos, possuiu a finalidade de repressão, passando, posteriormente, a ocupar uma função de prevenção. Atualmente, utiliza-se a repressão conjugada com a prevenção social, de forma que se tenta fazer com que o delinquente não volte a delinquir.

Para isso, o direito penal não deve ser considerado isoladamente, mas sim como parte de um sistema. Deve, sobretudo, ser analisado sob o ponto de vista dos princípios constitucionais, notadamente aquele princípio constitucional considerado o norteador de toda e qualquer atuação num Estado democrático de direito, qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme Claus Roxin (1979, p. 83)

Não é lícito ressocializar com a ajuda de sanções jurídico-penais que não são culpadas das agressões insuportáveis contra a ordem dos bens jurídicos, por mais degeneradas e inadaptadas que sejam essas pessoas. Caso este ponto de vista seja ignorado, estaremos sob a ameaça do perigo de uma associação coletivista que oprime o livre desenvolvimento da personalidade. As conseqüências da garantia constitucional da autonomia da pessoa devem, pois, respeitar-se igualmente na execução da pena. É proibindo um tratamento coativo que interfira com a estrutura da personalidade, mesmo que possua eficácia ressocializante.

Todas essas finalidades da sanção criminal devem, como ressaltam Zaffaroni e Pierangeli (2009,p. 103):

contribuir para diminuir os antagonismos, fomentar a integração e criar as condições para uma generalização comunitária do sentimento de segurança jurídica, que será maior na medida em que a estrutura social seja mais justa (maior grau de justiça social) e, em conseqüência, cada homem sinta que é maior o espaço social de que dispõe e a comunidade lhe garante ou, ao menos, deve procurar não aumentar os antagonismos e as contradições.

Hoje, esta ideia de prevenir o crime de maneira geral e especial de forma a não mais ferir a dignidade humana está bem concretizada no nosso ordenamento jurídico. Pois após longos anos de infindáveis discussões acerca de tal tema, observando que o preso ao voltar à vida social normalmente voltava a delinquir, entendeu-se necessário adequar o condenado ao seu retorno à sociedade. Deste ponto em diante, a pena passou a ser um mal necessário, através da reclusão do infrator ou da aplicação de medidas Neste diapasão, preleciona Cesare Beccaria (2012, p. 125) em seu livro Dos Delitos e das Penas: 

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida.

O sistema de progressão de regime das penas é um exemplo de evolução desse conceito. No nosso ordenamento jurídico, a função ressocializadora da pena pode ser observada através da concessão progressiva de privilégios ou liberdades e trabalhos sociais, para que o criminoso possa, aos poucos, readquirindo a confiança do Estado e da sociedade, assegurando, mediante sua conduta, que está apto novamente ao convívio social.


3. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL

O Direito Penal advém da necessidade de garantir segurança para a sociedade, para tanto, conta com uma série de princípios norteadores para adequar-se aos ditames da Constituição Federal e de um Estado Democrático de Direito.

Conforme o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, o Direito Penal deve somente se preocupar com a proteção dos bens mais importantes, sendo assim, o mesmo assume um caráter subsidiário, intervindo somente quando as medidas civis ou administrativas mostrarem-se ineficazes.

“Cumpre asseverar que o reconhecimento da insignificância da conduta praticada pelo réu não conduz à extinção da punibilidade do ato, mas à atipicidade do crime e à consequente absolvição do acusado.” (STF, 2ª Turma, HC 98.152-6/MG, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19/05/2009). Tal princípio afasta a tipicidade do crime por considerar que a conduta do agente não foi suficiente para agredir o bem juridicamente tutelado pelo ordenamento jurídico penal.

Embora se reconheça que o Brasil vive hoje uma época marcada pela insegurança, em que a sociedade cobra que a lei seja de fato cumprida, os tribunais brasileiros vêm utilizando, cada vez mais, o princípio da intervenção mínima para embasar decisões descriminalizando certas condutas como se depreende da jurisprudência a seguir:

Denúncia. Delito do art. 243 da lei 8.069/90 (oferecimento de bebida alcoólica). Rejeição. Mantida. Considerando os princípios da intervenção mínima do direito penal e da adequação social, mantém-se a rejeição da denúncia que imputou a um jovem de 19 anos de idade o crime do art. 243 da Lei 8.069/90, porque teria oferecido a outro jovem, este com 15 anos de idade, uma lata de cerveja, quando ambos se encontravam no interior de um clube social. DECISÃO: Apelo ministerial desprovido. Unânime. (TJRS - AC 70019592260 - 7ª C. Cr. - Rel. Sylvio Baptista Neto - J.

A partir do princípio da intervenção mínima, vários outros princípios surgem para corroborar o afastamento da pena. Exemplo é o princípio da insignificância ou bagatela, que procura retirar da apreciação do judiciário crimes de pequena monta. Inclusive, em recente julgado que ganhou grande repercussão nacional, o Supremo Tribunal Federal aplicou o princípio da insignificância ao furto de um celular avaliado em 90 reais, mesmo sendo o autor reincidente, conforme se depreende da sua ementa a seguir:

HC 138.697/STF. Penal. Habeas corpus. Paciente condenado pelo crime previsto no art. 155, caput, combinado com o art. 61, i e art. 65, iii, todos do código penal. Princípio da insignificância. Condenação anterior. Posse de entorpecentes para uso próprio. Art. 16 da lei 6.368/1976. Aplicação. Possibilidade. Ordem concedida.

Fernando Capez (2011, p. 81) a respeito do princípio da insignificância preleciona que,

Segundo tal preceito, não cabe ao Direito Penal preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o bem jurídico." Ainda segundo o autor, o princípio não pode ser considerado em termos abstratos e exemplifica: "Desse modo, o referido preceito deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com as suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser.

É possível, assim, concluir que a norma penal em um Estado Democrático de Direito não é somente a que formalmente descreve um fato como infração penal, pouco importando se ele ofende ou não o sentimento social de justiça; ao contário, sob pena de colidir com a Constituição Federal, o tipo incriminador deverá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos humanos, apenas aqueles que realmente possuam lesividade social. Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade humana será materialmente inconstitucional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência de nosso Estado.

Sobre os autores
Antônio César Mello

Advogado; Especialista em Direito e Estado pela Universidade do Vale do Rio Doce, Mestre em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Tocantins; Doutor em Direito pela PUC/MG e; Professor de Direito.

Marcos Vinícius Medrado Cardozo

Amante da Ciência Jurídica, apaixonado pela leitura. Residente em Palmas, Tocantins. Acadêmico do penúltimo período do curso de direito da Faculdade Católica do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso realizado sob a orientação do Profº. Doutor Antônio César Mello da Faculdade Católica do Tocantins que visa discutir até que ponto vai a presunção da inocência apregoada pela nossa Carta Magna frente à pena de prisão.

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