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As horas in itinere na reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017)

Se não houver a concessão do transporte pela empresa, resta claro que a não obrigação ao pagamento de horas "in itinere" irá aumentar diretamente a jornada do trabalhador.

A CLT de 1943 previa que, em alguns casos, as horas e minutos gastos pelo trabalhador no deslocamento até o trabalho, e vice-versa, eram consideradas horas trabalhadas, e, assim, o acréscimo de horas na jornada, por conta do deslocamento, eram horas extraordinárias e deveriam ser acrescidas com o respectivo adicional.

O conceito de horas “in itinere” está insculpido e apresentado pela Súmula nº 90 do TST, com o seguinte texto:

HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO

I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho.

II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere".

III - A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere".

IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público.

V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.

A legislação assim previa que, em regra, a aplicação do conceito era destinado às empresas que estavam situadas em local de difícil acesso. Uma das exceções era a hipótese que dispunha sobre o trabalhador que trabalhava de madrugada, ou já deixava/assumisse seu posto de trabalho quando não havia mais transporte público.

Conforme a Sumula 90 do TST e a redação embrionária da CLT, o empregador que fornecesse o transporte aos funcionários em razão da empresa ser de difícil acesso também poderia ser compelido ao pagamento das horas “in itinere”.  Contudo, pela reforma trabalhista e com as alterações inseridas pela lei nº 13.467/17, a empresa está isenta de pagar as horas “in itinere” ao empregado que utiliza do transporte fornecido pelo empregador.

A redação do art. 58 da CLT (alterada pela lei de 2017) prevê, no seu parágrafo segundo, o referido conceito. Vejamos: “§ 2º  O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.”.

Na nova lei, pode-se observar que o pensamento do legislador foi primar pela isonomia, entre aqueles que têm transporte público e aqueles aos quais o transporte é fornecido pela empresa. Pois o transporte público, ou mesmo o privado, é uma forma de atendimento à legislação e o computo da jornada apenas daquele transporte fornecido pela empresa gerava desequilíbrio contratual.

Como forma de “mitigar” essa desproporção entre os trabalhadores, o legislador toma como base a exclusão da obrigação do pagamento das horas in itinere, para, assim, incentivar o empregador a fornecer transporte particular a seus empregados, melhorando as condições de transporte ao empregado para chegar ao seu posto de trabalho de forma “mais confortável”.

Há um problema fático e social, pois é possível constatar que há uma realidade não transparente, isso porque a desobrigação do empregador quanto ao pagamento das horas in itinere o desobriga também de se responsabilizar por qualquer acidente que ocorra com o empregado no decorrer do percurso de sua residência até, efetivamente, assumir seu posto.

Portanto, cria-se um grande impasse, também, sobre eventual acidente sofrido a caminho do trabalho, acarretará mais uma grande desvantagem ao trabalhador, não sendo devido o auxílio doença em razão de acidente de trabalho, já que essa hipótese não se aplica mais. Ou seja, há a celeuma de ocorrência de revogação tácita do art. 21, inciso IV, da Lei nº 8.213/91, que prevê textualmente:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.

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Outro ponto a se observar é que, dificilmente, na prática, o empregador irá oferecer transporte aos trabalhadores. Esse pensamento do legislador, na verdade, é uma falsa vantagem aos trabalhadores, pois a desobrigação do pagamento de horas in itinere já exclui um custo que teria o empregador, e, congelando as horas dos trabalhadores até que efetivamente eles cheguem ao posto de trabalho para começar a computar as horas a serem cumpridas diariamente, fica a indagação, qual seria a vantagem ao empregador em relação ao fornecimento desse transporte? As respostas podem ser: garantir o conforto ou ainda não fornecer o transporte, reduzindo custos operacionais. A questão não é apenas jurídica, mas também econômica e ética (empresarial).

Repisa-se que a reforma trabalhista possui pontos que afrontam e modificam conceitos Constitucionais. No caso em tela,  há uma mudança de eixo no conceito ante o que prevê (e previa) o artigo 7º da Constituição Federal e o inciso XIII,  particularmente quanto à limitação da jornada de trabalho.

Se não houver a concessão do transporte pela empresa, resta claro que a não obrigação ao pagamento de horas "in itinere" irá aumentar diretamente a jornada do trabalhador. Atualmente, apontam as estatísticas que grande parte da população tem algum tipo de dificuldade, diariamente, para chegar até seu posto de trabalho, sobretudo quando a empresa está situada em regiões interioranas ou de difícil acesso.

E não é só pelo fato de morar longe, mas, sim, o fato de rotinas de cidades grandes, por exemplo, serem imprevisíveis. Logo, o trabalhador que costuma demorar 2hs para chegar ao posto de trabalho, ao final do dia, vai ter permanecido à disposição do trabalhado 12hs, considerando a volta, em que pese só ter trabalhado 8h, e isso sem contar quando o trabalhador faz hora extraordinária no trabalho, que atualmente é raro não acontecer. Porém, este foi o mesmo conceito encampado pela reforma de 2017 no art. 4º da CLT. 

Diante deste cenário, ou o trabalhador será obrigado a mudar seu local de residência, ou de outra forma terá que se flexibilizar e adequar sua rotina à realidade do emprego que possui naquela empresa.

Utilizando-se dos artifícios que trazem as redações dos artigos reformados, considerando que grande parte das empresas atualmente estão visando a redução de gastos em razão da crise político-econômica que assombra o Brasil, o intuito das empresas é tão somente produzir o máximo que se pode, pagando pouco e oferecendo menos vantagens aos trabalhadores, visando, ao final, garantir a continuidade da atividade empresarial e o alto lucro.

Passar por crises, o país já passou por muitas. Possuímos grandes riquezas que o país e a natureza oferece ao povo. Porém, há que se refletir se a redução de direitos trabalhistas, que,  no caso concreto, resume-se em não conceder transporte privado digno ao trabalhador e, ainda, suprimir-lhe as horas “in itinere”, mantém válidos os princípios trabalhistas da proteção, do não retrocesso social e do trabalho como elemento emancipatório da sociedade. É inequívoco que o lucro empresarial não poderá ser a qualquer custo, sob pena de se retornar a um sistema social de escravidão da classe operária. É importante haver contrapartidas e garantias mínimas aos trabalhadores.

Conclui-se, portanto, que a não obrigação ao pagamento, pelo empregador, das horas “in itinere”, ao empregado, pode ferir diretamente previsão Constitucional, propriamente do artigo 7º, e ocasionará a revogação da Súmula 90 do TST. Para equilibrar-se a supressão encampada pela nova redação do art. 58, §2º, da CLT, em vigência com a reforma, será necessário: haver garantias mínimas aos trabalhadores, não haver abusos do poder econômico e, ainda, haver ética e bom senso, quiçá o empoderamento da entidade sindical para a garantia de direitos mínimos à categoria.

Sobre os autores
Aarão Ghidoni do Prado Miranda

Advogado sócio do escritório Miranda advogados, professor de cursos de graduação e pós-graduação, especialista e mestre em direito. Autor de diversos artigos e livros jurídicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Aarão Ghidoni Prado Miranda; MATTOS, Débora Moura. As horas in itinere na reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5289, 24 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61929. Acesso em: 25 nov. 2024.

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