INTRODUÇÃO
O trabalho propõe uma análise objetiva do direito de imagem, subespécie dos direitos da personalidade, ponderando as raízes desta matéria, sua evolução nos séculos passados e a perspectiva frente ao cenário de divulgação da imagem através de meios virtuais. De igual modo, o artigo demonstrará o cenário da imagem-atributo nos meios de comunicação e os limites da legislação brasileira para tutela do assunto. De tanto a tanto, deixará provocações sobre a irrenunciabilidade da imagem-atributo, cujas hipóteses legais carregam a resolução atual ao arbítrio do subjetivismo judicial na solução das celeumas envolvendo o dano à imagem.
1 RAÍZES HISTÓRICAS
Desde os tempos antigos o indivíduo anseia pelo reconhecimento de atributos pessoais inerentes à condição humana. O Direito à imagem decorre da evolução dos direitos da personalidade. Nosso avanço histórico conscientizará que a construção do direito à própria imagem foi muito além de delimitar a reprodução da imagem[1].
1.1 O mundo antigo
A jornada tem início na Grécia antiga, onde se veem rudimentos do atual direito da personalidade, promovido pelo esforço do filósofo Sócrates, Platão e Aristóteles em meados dos séculos II e IV antes de Cristo[2].
A Grécia reconhecia ao indivíduo a qualidade de pessoa aos cidadãos livres e chefes de família.
Não distante dali os romanos cunhavam a expressão personalidade àqueles indivíduos com status libertatis, status civitatis e o status familiae, conforme ensina Rabindranath Aleixo Capelo Souza[3].
Assim, um cidadão romano que não estivesse inserido nestas categorias não acessava os direitos de personalidade[4]. A tutela dos direitos à personalidade era realizada através da actio injuriarum, conforme lição de Gustavo Tepedino[5] e Daisy Gogliano[6]:
No mundo antigo havia valorização do patrimônio e a defesa da pátria. Em suma, o direito à personalidade não era inato; prescindia outorga pela observância dos deveres ou condições sociais prescritas pelos “senhores” do mundo antigo.
1.2 A idade média
Na idade média os direitos da personalidade começaram a ganhar terreno a partir do século XI pelo trabalho da escola dos glosadores de Bolonha e também pela adoção do Corpus Iuris Civilis por Dom João I além de esforços de Boécio e Santo Tomás de Aquino.
A transformação do pensamento surgiu com o enfraquecimento do feudalismo nos séculos XVI e XVII que permitiu a criação do direito europeu continental e também adoção de ideais humanistas, embora a tutela do direito fosse entregue a actio injuriarum.
O Professor Carlos Alberto Bittar assim esclarece:
“No século XIII, a Magna Carta da Inglaterra, no âmbito público continha o reconhecimento de direitos próprios do ente humano em face dos detentores do poder. A construção da teoria dos direitos da personalidade humana deve-se principalmente: a) ao cristianismo, em que se assentou a ideia da dignidade do homem; b) a Escola de direito natural, que firmou a noção de direitos naturais ou inatos do homem, correspondentes à natureza humana, a ela unidos indissoluvelmente e preexistentes ao reconhecimento do Estado; e c) aos filósofos e pensadores do iluminismo, em que se passou a valorizar a o indivíduo perante o Estado[7].”
O desenvolvimento do antropocentrismo também valorizou a condição de homem frente ao ideal patrimonialista da época[8].
É neste cenário que, de forma incipiente, surgem os conceitos sobre o direito ao próprio corpo e entendimentos superficiais sobre a dignidade humana.
A inovação transportou-se para a América do Norte no âmbito do direito público através da Declaração da Colônia de Virgínia de 1776, na Declaração da Independência das treze colônias e sagrando-se texto constitucional em 1787.
O conteúdo destes textos jurídicos bem a riqueza de seu conteúdo, atualmente proporcionam fascínio e contribuem para a construção do amanhã. Além disso, determinaram a consolidação dos direitos da personalidade na idade contemporânea.
1.3 A idade contemporânea
Os avanços surgidos na idade média continuaram com a revolução francesa somada as atrocidades das Guerras Mundiais que fomentou preocupação na proteção aos direitos da personalidade. Estas inquietudes inauguraram nova manhã no direito[9], transportando a sabedoria dos pensadores clássicos também à esfera privada[10].
O liberalismo da época trouxe degradação ao homem pelo próprio homem, como já previa Thomas Hobbes em sua obra “O Leviatã” em 1651 – “Homo homini lúpus”, espremido pelo poder econômico do mais forte, sofrendo constante abuso do direito em troca de um punhado de dignidade.
Via-se que a sonhada liberdade propagada pelos franceses na realidade era paradoxal. Se de um lado não se concorria com o Estado, que não participava sobre acordos entre particulares, de outro havia a escravização sutil, castradora: a vontade do rico que tornava o direito a personalidade subjugado ao seu alvitre[11].
Conquanto a resistência, o Estado norte-americano produziu doutrina sobre os direitos de personalidade, debutando através dos autores Brandeis e Warren com o título “The right to privacy” de 1890 publicado no periódico da escola de Direito de Harvard.
Posteriormente vê-se que as guerras catalisaram o esforço mundial na proteção dos direitos humanos, cujo alinhamento fez-se através de tratados internacionais e aprovação de positivações nacionais[12]. Já no final do século passado estudos foram produzidos em vista da alteração do cenário, com forte subdivisão do direito geral de personalidade em subespécies delimitadas, na expectativa de conceituar o direito subjetivo com rigor, amainando abusos e danos causados as vítimas.
Para fins deste artigo, destacaremos os direitos à imagem, subespécie do direito geral de personalidade.
2 O DIREITO DE IMAGEM
É indiscutível que nos dias atuais não pairam questionamentos sobre a existência de um direito de imagem[13]. A conceituação do direito de imagem ao longo dos anos recebeu conceituações amplas, com destaque para a contribuição clássica de Antônio Chaves, Walter Moraes e Carlos Alberto Bittar os quais contornaram o tema sob a perspectiva civil dada a ausência de texto constitucional à época dos estudos.
Também destaque-se a posição crítica do constitucionalista Luiz Alberto David de Araújo que critica o Código Civil em virtude da ausência de harmonizar conceitos trazidos pelo texto constitucional[14]. Neste breve apanhado pretende-se destacar o conceito que firma a posição majoritária da Corte.
2.1. Existência, Natureza e Conceito
Aos poucos a existência do direito à imagem mostrou-se verossímil. A positivação foi inaugurada na legislação alemã, seguida da belga e japonesa[15], embora a existência de jurisprudência anterior na Europa e Estados Unidos para tratamento de casos esparsos[16].
Em terras brasileiras, antes da Constituição Federal de 1988 o assunto aparecia em alguns diplomas legais, contudo sem a abrangência adequada tornando a doutrina e jurisprudência fonte principal de direito.
A natureza jurídica não possui voz uníssona, mantendo debates acalorados até os dias atuais. O exercício de pesquisa sobre as teorias da natureza jurídica são expostos na lição de Walter Moraes, sob a influência da erudição de Gitrama González:
“1) a teoria negativista, que o o autor considera superada e com razão; 2) a que subsume o direito à imagem no direito à honra; 3) a que entende o direito à imagem como manifestação do direito ao próprio corpo; 4) como manifestação do direito à identidade pessoal; 5) como expressão do direito à intimidade; 6) como direito relacionado com a liberdade; 7) como direito ligado à ideia de patrimônio moral da pessoa[17]”.
A concretude da prática nos tribunais tem apoiado o entendimento de que o direito à imagem merece tratamento autônomo ante a existência de características próprias que impedem sua atribuição a subespécie de outro direito ligado à personalidade, como honra, privacidade, direito do autor, entre outros[18].
O professor Carlos Alberto Bittar em defesa da autonomia do direito à imagem exemplifica que as afinidades entre honra, direito autoral, privacidade com direito à imagem, não deve ser condicionado à subespécie, como é o caso entre direito à imagem e direito de autor:
“Desse modo, enquanto tomada em si a pessoa, em razão de sua forma plástica, existe direito à imagem. Há direito conexo ao de autor (ou seja, o direito de interpretação), quando caracterizada a pessoa na representação de determinado personagem (como um ator ou um humorista enquanto vive um papel). Ambos não se confundem com o direito de autor propriamente dito, que incide sobre a obra intelectual, estética, de cunho literário, artístico ou científico (assim, na fotografia, na pintura, na cinematografia, na obra publicitária)[19].”
De igual forma, o direito à imagem pode colidir com demais direitos ínsitos à personalidade. Nesta harmonização, ingressa o conceito e atribuições contidas no direito geral de personalidade[20].
Interessa-nos que o direito à imagem é aquele da pessoa natural, capaz ou não, detentora de atributos físicos; a sua face, o seu tronco, os seus membros, externos ou não, que individualizados ou não permitam sua identificação e que essa individuação também decorra da imagem-personalidade, àquela presente no recôndito dos pensamentos, sentimentos, expressadas externamente através de atitudes, comportamentos psíquicos e morais de extensão física ou virtualizada no mundo digital, hábil a caracterizar de forma particular o ser, o indivíduo como único, sem cópias ou clonagens.
No campo doutrinário, cite-se a conceituação de Walter Moraes, Antônio Chaves e Carlos Alberto Bittar sobre o assunto[21].
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, positivou o direito à imagem no sistema jurídico pátrio. Esta positivação foi planejada para conceituar a imagem-retrato e a imagem-atributo que não apareciam nas legislações anteriores[22]. A crítica dos doutrinadores reside na ausência de disciplina no Código Civil de 2002, já que cuida apenas do conceito de imagem-retrato. Cuidou o atual Código Civil de manter-se fiel ao ensinamento tradicional sobre imagem[23].
3 DIREITO ESTRANGEIRO
3.1 O Direito Italiano – A notoriedade que subjuga a intimidade
A doutrina italiana possui estudo do direito à imagem dedicando-se para comprovação de sua natureza autônoma destacando os autores Ricca-Barberis em seu livro Il Diritto alla própria figura e Pacchioni em Il Diritto alla própria imagine. Contribuíram também Paolo Vercellone e Adriano de Cupis.
Adriano de Cupis foi um defensor da autonomia do direito à imagem, apesar de contrariar doutrinadores da época como Carlos Alberto Funaioli e Messina[24]. A sua intepretação do artigo 10 do Código Civil Italiano influenciou a jurisprudência a acatar a autonomia do direito à imagem[25]. Dentre as diversas vertentes que atingem o direito à imagem, destacamos a opinião de De Cupis quanto à ausência de intimidade de pessoas notórias.
O autor afirma sua posição jurídica sobre a imagem ao distinguir a amplitude da divulgação de imagens de pessoas comuns e notórias, embora defenda que todas mereçam anonimato sobre atos de benemerência. Embora o autor não conceitue sobre o que vem a ser notoriedade, se posiciona desfavorável a qualquer limitação da imagem, justificando que a notoriedade do individuo é inferior ao interesse público. Tempos mais tarde, o próprio autor reconsiderou sua opinião, declarando a possibilidade de reparação de dano pela invasão de privacidade dos notórios.
Em que pese à influência da doutrina Cupiana, a jurisprudência italiana possui posicionamentos distintos ao longo do tempo. O primeiro caso é a família do tenor Enrico Caruso que pleiteavam reparação do dano pela violação à intimidade em filme biográfico do tenor[26]. A Corte de Cassação considerou o pedido inócuo vez que a vídeo biografia do tenor detinha interesse público em razão da notoriedade do tenor, fundando-se no artigo 41 do Código Civil[27].
De outro lado, um torcedor, que foi filmado por equipe jornalística em razão da aflição estampada em seu rosto pelo resultado da partida de futebol do seu time do coração não recebeu o mesmo julgamento. A Corte de Cassação entendeu que houve o cometimento de ato ilícito da equipe jornalística na divulgação da imagem do torcedor em reportagem sobre o fanatismo de torcedores[28].
Ao que parece, os italianos sobrelevam o interesse público frente à intimidade quando confrontados através do direito à imagem. Entretanto observamos a existência de conflitos jurisprudências no tratamento da matéria que tem enriquecido os estudos sobre direito à imagem no universo italiano[29].
3.2 O Direito Norte-americano - Crise conceitual e direito à privacidade
O direito Norte Americano é considerado a pátria moderna do direito à privacidade[30]. Os Estados Unidos investiram no estudo do tema em razão da cultura de preservação da intimidade e imagem. Conquanto este fator cultural atualmente há grave alteração deste comportamento fomentado pela ausência de critérios de privacidade no ambiente virtual senão as próprias políticas das empresas que disponibilizam as redes sociais.
Os advogados, Warren e Brandeis, preocupados com a exposição da intimidade, jamais pensariam que o artigo The Right to Privacy” traria inovação sobre a tutela da privacidade apenas por poucas décadas[31]. De igual modo o autor da teoria “Privacy” publicada em 1964[32]. A magnitude clássica destes clássicos não poderia prever que o que estava por vir.
A evolução da sociedade norte-americana, segundo o jurista Edward J. Bloustein ressignificou as dimensões da privacidade observando os parâmetros sociais, psicológicos e políticos da época, influenciados pelo temor de um domínio de governo totalitarista[33].
E nesta busca incessante de prazer pessoal o autor Donald N. Michael apresenta o raciocínio de que os indivíduos em sociedade passariam a trocar sua privacidade por benefícios em outras áreas de suas vidas[34].
A alteração do pensamento social veio em conjunto com a evolução tecnológica. Arthur Miller, com destaca o problema de harmonizar o conceito clássico de privacidade com o ambiente virtual, que dá início a uma nova forma de tutelar a privacidade[35], conforme justificado por Lion Strahilevitz, que defende a alteração conceitual sobre privacidade em vista de que o que se tem não é a manutenção do segredo de certas informações e sim a medida que se aceita que a informação seja compartilhada por terceiros[36].
Essa crise conceitual sobre o direito à privacidade norte-americano, era esperada, porque o conceito clássico, não responde as lacunas produzidas pelo ambiente virtualizado, já que aparentemente o usuário espontaneamente divulga sua intimidade, tornando a busca pelo conceito de privacidade ainda mais subjetiva.
O professor Eduardo Tomasevicius sobre o tema:
“A esse fato Lion Strahilevitz denominou-o de privacidade limitada, que é a ideia de que uma pessoa revela informações privadas sobre si mesma a uma ou mais pessoas, acreditando razoavelmente que estas não seriam repassadas a terceiros. Para tanto, o conceito de redes sociais ajudaria no balizamento acerca do grau de intimidade que se terá, em termos de disseminação de informações privadas[37].”
A crítica sobre o novo conceito de privacidade são os escândalos quanto ao vilipêndio à imagem, que decorre de parte da sociedade despreocupada com a privacidade, substituindo-a por um agonizante entretenimento propostos pelas redes sociais[38].
Os tribunais norte-americanos têm compreendido sobre a incompatibilidade de privacidade com o uso de redes sociais, contrariando a noção clássica, ao que parece obsoleta para debater tais questões[39].
No caso envolvendo Pietrylo vs. Hillstone Restaurant Group a corte norte-americana rejeitou o pedido de privacidade do autor, vez que suas postagens de conteúdo em redes sociais (Myspace) ocasionou a sua dispensa no trabalho, justificando a corte de que o proprietário do conteúdo não poderia criar expectativa de segredo já que a utilização para reflexões íntimas foi em ambiente inapropriado como queria o autor alegar em suas razões[40].
De igual forma citamos também o caso da autora Cynthia Moreno vs. Hanford Sentinel Incorporated que requereu direitos sobre sua privacidade em razão de postagens sobre sua cidade natal, que sua expectativa era um alcance limitado de usuários. Neste caso a corte entendeu que os fatos publicados por Cynthia tornaram-se “domínio público” e que não seria razoável presumir que a publicação lançada nas redes sociais obtivesse alcance limitado[41].
Tem-se assim que nos Estados Unidos, o direito à imagem é um subtipo do direito à privacidade, não podendo afirmar que a imagem goza de direito autônomo[42].
Concluindo, até a década 1980 o conceito clássico de direito à privacidade era suficiente para orientar a doutrina e criação de leis para tutela da intimidade[43]. Com o início da Internet, de forma incipiente observou-se a alteração do padrão comportamental do indivíduo que relativizava sua intimidade em troca de outras sensações igualmente prazerosas como um elogio, flertes, facilidades comerciais, entre outras. Com a ampliação de ferramentas chamadas “redes sociais” o estado norte-americano segrega a proteção à privacidade afim de tentar responder à sociedade enquanto não se tem inovação científica no conceito que abranja o universo integral da proteção a privacidade, seja no mundo real ou virtual[44].