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O biodireito e a mudança de paradigma frente aos novos conceitos de família.

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Com o advento da resolução do CFM, os casais lésbicos podem recorrer às técnicas de reprodução assistida para gerar seus filhos, de forma que ambas tenham participação no processo.

RESUMO: A proposta do presente artigo científico é analisar de forma interdisciplinar para além da norma jurídica, a mudança de paradigma frente aos novos conceitos de família sob a ótica do Biodireito e da Bioética, levando em consideração seus princípios da autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça, especificamente no que tange a possibilidade de os casais homossexuais femininos recorrerem às técnicas de reprodução assistida. Essa novidade foi proporcionada pela Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. A análise é pautada nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade, bem como nos princípios que regem o direito de família como o da liberdade de construir uma comunhão de vida familiar, principalmente em relação às famílias homoafetivas. Também será ressaltado o importante papel da jurisprudência no Direito pátrio que demonstra essa quebra de paradigma no que tange ao conceito de família, uma vez que apesar de existirem Resoluções do Conselho Federal de Medicina e ainda Enunciados do Conselho Nacional de Justiça, ainda não há uma lei consolidada que enfrente a questão de forma específica, fato que evidencia uma lacuna no Direito que deve ser preenchida para que sejam efetivamente alcançados os objetivos constitucionais.

Palavras-chave: Paradigma. Bioética. Biodireito. Famílias homoafetivas.


1 INTRODUÇÃO

A ideia tradicional de família vem sofrendo mudanças ao longo dos anos. É crescente o número de casais homossexuais, sejam femininos ou masculinos, ambos desejam ter seus filhos e construir uma família. Hoje, esse sonho já é possível de ser concretizado em função das técnicas de reprodução assistida, que passam a ser cada vez mais procuradas pelos casais lésbicos e fazem disso um verdadeiro projeto de vida, ou seja, a possibilidade daquele filho ser fruto das duas de uma maneira não convencional, passa a ser frequente.

É importante ressaltar que, vivemos em um Estado Democrático de Direito, que possui como uns de seus alicerces os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.  A compreensão da operatividade e da dimensão deste princípio é uma base para fazer um enfrentamento jurídico das questões relacionadas ao Biodireito e à Bioética nas relações familiares homoafetivas. Os temas que envolvem o Biodireito geram discussões jurídicas bastante interessantes e pertinentes. Neste sentido, a Resolução 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina ao possibilitar o uso das técnicas de reprodução assistida aos casais homoafetivos, representa um avanço no que diz respeito aos direitos e uma inovação para os que desejam constituir uma família.

Dessa forma, as lésbicas optam pela fertilização in vitro para que o óvulo de uma seja implantado no útero da outra, para que elas se sintam mães daquela criança, no entanto, a parceira que dá à luz não é a mãe biológica, mas a mãe gestacional, tratando-se juridicamente de uma família monoparental. Vale ressaltar que, “é preciso ter em mente que o direito à constituição da família é um direito fundamental, para que a pessoa concretize sua dignidade”. Por conseguinte, esse tema também gera discussões bastante enriquecedoras sobre a questão da filiação, tais como o registro da criança em nome das duas mães, a dupla maternidade e a possibilidade de procriarem sem a violação de sua orientação sexual, e também quanto à questão do preconceito ainda tão existente em nossa sociedade.

Logo, é relevante destacar que, consequentemente, surgem dilemas envolvendo a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais que devem alcançar a todos. Portanto, a escolha do tema se torna pertinente, tendo em vista a importância de se analisar as transformações no conceito de família vivida pela sociedade bem como o reconhecimento das famílias homoafetivas, frente à possibilidade de casamento e união estável e agora com a Resolução 2.013/2013, a oportunidade dos casais homossexuais utilizarem as técnicas de reprodução assistida.

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O interesse das autoras quanto à pesquisa tem como base a importância do tema para a atualidade levando em consideração a quebra de paradigma e a importância da discussão do Biodireito, bem como da Bioética no que tange as famílias homoafetivas, especialmente aos casais lésbicos e seu sonho de ter filhos. A pesquisa propõe ainda fazer um estudo da resolução do Conselho Federal de Medicina º 2013/2013, no que concerne a força normativa e a efetividade aos casos concretos e cada vez mais comuns no Brasil. Portanto, o debate interdisciplinar se encaixa perfeitamente ao propósito.

Para tanto, o primeiro capítulo do desenvolvimento abordará a questão da mudança de paradigma frente aos novos conceitos de família, bem como os reflexos proporcionados pelo Biodireito e pela Bioética nas relações familiares homoafetivas, especialmente em relação aos casais lésbicos.


2 A MUDANÇA DE PARADIGMA FRENTE AOS NOVOS CONCEITOS DE FAMÍLIA

Em primeiro lugar é de suma importância pontuar que a família “é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2013, p.17).

A passagem da Constituição Federal, para o centro do sistema jurídico, reflete as transformações ocorridas no século XX no qual a ideologia do constitucionalismo democrático saiu como vencedora em detrimento de outros projetos autoritários tais como o socialismo e o fundamentalismo religioso, que colocavam-se no centro do sistema. Portanto, o constitucionalismo democrático condensou algumas das maiores promessas da modernidade: como os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a justiça material a tolerância e a própria felicidade (BARROSO, 2013).

Tais princípios como o da dignidade da pessoa humana, da afetividade, da não intervenção na liberdade, da solidariedade familiar, dentre outros que atualmente regem o Direito de Família, não só estruturam o ordenamento como também geram consequências concretas e geram profundas mudanças na forma de se pensar a família brasileira. Como muito bem pontuado pela ministra Nancy Andrighi (apud TARTUCE, 2015, p.24):

A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto nas relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas do mesmo sexo, sejam entre homem e mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre seus integrantes.

Nesse mesmo sentido, Maria Berenice Dias pontua que (2015, p.36):

O direito civil constitucionalizou-se, afastando-se da concepção individualista, tradicional e conservadora-elitista da época das codificações do século passado. Em face da nova tábua de valores da Constituição Federal, ocorreu a universalização e a humanização do direito das famílias, que provocou um câmbio de paradigmas.

Diante desse contexto de constitucionalização do Direito Civil, o Direito de Família se beneficiou de forma bastante significativa com essa visão mais “aberta, pluralista e tolerante de vida que reconhece como legítimo diferentes projetos existenciais” (BARROSO, 2013).

Inclusive, as novas formas de família, tendo em vista que agora o conceito não se limita somente às ditas tradicionais, formadas por homem, mulher e filhos, ou seja, aqueles que conforme os ideais conservadores teriam capacidade de reproduzir. Nessa linha de raciocínio Paulo Lôbo (apud DIAS, 2015, p.272):

Conforme Paulo Lobo, na Constituição atual não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorria com as Constituições anteriores. Com isso está sob a tutela constitucional "a família ", ou seja, qualquer família. E conclui de modo enfático: a interpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. A referência constitucional é norma de inclusão, que não permite deixar ao desabrigo do conceito de família - que dispõe de um conceito plural - a entidade familiar homoafetiva. E, na inexistência de regra restritiva, é de ser reconhecida a união estável homoafetiva.

Vale ressaltar que a sociedade aceitava somente a família decorrente do casamento, somente o reconhecimento social dos vínculos afetivos sem o selo de oficialidade dado pelo Estado fizeram as relações extramatrimoniais, como a união estável, ingressarem no mundo jurídico e isso muito se deve à jurisprudência e passou a integrar o Livro de Direito de Família. Todavia, esqueceu-se de regulamentar as famílias monoparentais e nada traz sobre as famílias homoafetivas (DIAS,2015, p. 34).

A mudança começou no ano de 1999 quando a justiça gaúcha definiu a competência dos juizados especializados da família para apreciar as uniões homoafetivas e foi no ano de 2001 que uma decisão do Rio Grande do Sul reconheceu pela primeira vez a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. E foi no ano de 2011 que o STF reconheceu a união estável homoafetiva (DIAS, 2015, p,272-276).

A expressão que melhor atende a essa nova perspectiva, a esse novo âmbito de proteção, livre de qualquer discriminação, bem como a que melhor atende as multifacetadas formações de família é “direito das famílias”. No plural, pois remete ao pluralismo e a aceitação destes novos projetos existenciais (DIAS, 2015, p.29). 

Portanto, de fato, a constitucionalização do Direito Civil, que consequentemente ocasionou esta mudança de paradigma frente ao conceito de família, proporcionou benefícios para o Direito das Famílias, principalmente para as famílias homoafetivas, que não possuíam reconhecimento jurídico, e isso é decorrente de um pensamento conservador e arcaico que está cada vez mais sendo abandonado pela sociedade e pelo Direito.

2.1 O reflexo do Biodireito e da Bioética no Direito das Famílias Homoafetivas        

Hoje, com todas essas alterações estruturais e históricas podemos afirmar que há um novo Direito de Família. Com esse novo dimensionamento, é importante “reconhecer a eficácia imediata e horizontal dos direitos fundamentais, a horizontalização das normas que protegem as pessoas que devem ser aplicadas nas relações entre particulares e entes privados” (SARLET apud TARTUCE, 2015, p.05).

Logo, a análise do Direito de Família hoje deve ser feita do ponto de vista da tolerância, do afeto da ética, da valorização das pessoas e de sua dignidade, além do solidarismo social e da igualdade constitucional, não apenas formal, mas também material. (TARTUCE, 2015, p.05).

Nesse sentido, a Bioética objetiva, através dos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça tratar de questões ecológicas que dizem respeito à sobrevivência da humanidade abrangendo temas polêmicos como início e fim da vida, experiência com seres humanos, reprodução assistida dentre outros. Já o Biodireito, visa regular estas condutas hoje tão presentes em nossa realidade (MORAES; PEIXOTO, 2012).

Partindo deste pressuposto, Moraes e Peixoto afirmam que os direitos fundamentais (2012): 

Desempenham, direta ou indiretamente, papel relevante quando nas problemáticas relacionadas ao biodireito. Nem todos os direitos fundamentais estão previstos expressamente na Constituição Federal de 1988, sendo tarefa de todo inócua buscar estabelecer um rol taxativo de direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Conforme o art. 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988 “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Pode-se observar que o legislador constitucional expressamente admitiu a possibilidade de outros direitos além daqueles postos na Constituição. Alguns dos direitos fundamentais que ganham relevo e estão diretamente relacionados à Bioética e ao biodireito, funcionando como parâmetros a ambos, são os direitos fundamentais a liberdade de pesquisa e à liberdade de consciência. (GRIFO NOSSO).

No eu tange às famílias homoafetivas a discussão interdisciplinar entre o Direito e a Bioética é bastante importante, pois nossa Constituição prevê o princípio da igualdade, veda qualquer discriminação ou preconceito por qualquer motivo, seja sexo, religião, orientação sexual e outros. Logo a sociedade deve ser fraterna e pluralista e estes casais também tem direito de recorrer às técnicas da reprodução assistida para concretizarem seu projeto de ter filhos (DIAS, 2015, p.272).

Neste novo cenário, as famílias homoafetivas devem ter seus direitos assegurados, e com base no planejamento familiar e também no princípio constitucional da paternidade responsável, tendo em vista que com tais técnicas ocorre uma ampliação da família com a possibilidade de gestação de seus filhos, na qual deve ser sempre assegurada a proteção integral e o seu melhor interesse. (CHENSO; FERRARI, [s/d]).

Inclusive, há também discussão quanto ao registro da criança e a dupla maternidade, tendo em vista que, frequentemente, é entendido eu a doadora do óvulo é que deve ser considerada a mãe biológica da criança na qual as duas tiveram participação. Já há jurisprudência no sentido de reconhecimento desta dupla maternidade. Tal decisão ocorreu na 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na qual duas mulheres viviam em união estável reconhecida por escritura pública e tiveram um filho mediante inseminação artificial heteróloga, o relator em seu voto muito bem pontuou que:

Não proclamar tal pretensão corresponderia a uma usurpação principiológica da dignidade da pessoa humana e da cidadania (artigo 1º, incisos II e III, CF/88), e dos direitos fundamentais à igualdade (artigo 5º, caput e inciso I, CF/88), liberdade, intimidade (artigo 5º, X, CF/88), proibição de discriminação (artigo 3º, inciso IV, CF/88), ao direito de se ter filhos e planejá-los de maneira responsável (artigos 5º, caput e 226, parágrafo 7º, da CF c/c artigo 2º da Lei nº 9.263/96) e, por fim, da própria matriz estruturante do Estado Republicano de Direito: a democracia.

Diante destas novidades, é possível analisar que técnicas auxiliam na constituição das famílias homoafetivas. E neste contexto, é possível a análise do uso de tais instrumentos pela Bioética, que consequentemente gera uma discussão no âmbito do Biodireito, que visa justamente a regulação destas condutas presentes na sociedade, inclusive nos direitos que devem ser assegurados a tais famílias, bem como o reconhecimento dos deveres oriundos do poder familiar e da paternidade responsável. (CHENSO; FERRARI, [s/d]).

Sobre as autoras
Adriana Teixeira Mendes Coutinho

Aluna do 4º período do Curso de Direito, da UNDB.

Raíssa Daniela Pompeu Oliveira

Aluna do 6º período do Curso de Direito, da UNDB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Adriana Teixeira Mendes; OLIVEIRA, Raíssa Daniela Pompeu. O biodireito e a mudança de paradigma frente aos novos conceitos de família.: A Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina e o direito dos casais lésbicos de recorrerem à reprodução assistida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5457, 10 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62498. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Redação final do paper apresentada à disciplina de Direito de Família e Sucessões da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco-UNDB

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