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O tribunal do júri através da literatura

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Agenda 17/09/2020 às 15:15

CONCLUSÃO

Conclui-se que a discussão sobre a validade do Tribunal do Júri é tema de considerável relevância na atualidade e seu melhor estudo passa pela busca de um fundamento, construído a partir de vasta literatura e prática democrática. Nesta esteira, percebeu-se que a constituição do Tribunal Popular remonta a longínquo período, muito bem retratado por Ésquilo em sua “Orestia”, quando o Júri já se constituía em genuíno exercício de participação.  

A análise da obra de Ésquilo permitiu a colocação da transferência do poder de julgamento como elemento fundante do Tribunal Popular, o que faz com que sua prática se legitime como exercício democrático, não por acaso sua colocação no rol de direitos e garantias individuais.

Inobstante ao aspecto democrático que marca a constituição do Júri, foi visto que o seu exercício atual revela traços de Direito Penal do Inimigo, principalmente quando o jurado se baliza na vida pregressa do acusado e assume o papel de corretor das mazelas sociais.

Resta a inescapável indagação: a partir das informações coletadas na pesquisa, seria o caso de defender a retirada do Júri do ordenamento jurídico brasileiro?

Sob a égide do material estudado, responde-se que não, pelo contrário, o Tribunal Popular é prática consolidada historicamente, como visto no decorrer do texto, que deve permanecer como instrumento de participação democrática do cidadão.

O que se defende é a imperiosa adequação do Júri ao Estado Democrático de Direito, o que pode ser feito por dois caminhos procedimentais: a implantação de modalidades de fundamentação das decisões, como a exigência que cada jurado redija os motivos da absolvição ou condenação; e a possibilidade de diálogo entre os jurados, respeitando o sigilo da votação, instigando-os a proferir sua decisão com acurácia e respeito aos fatos ocorridos.

Tais atitudes podem ser tomadas sem que se balance a pétrea alocação do Júri na Constituição Federal, dentro dos limites do que propõe o texto constitucional.  


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: contradições e soluções. Rio de Janeiro: Forense, 1990.


Notas

[1] MAXIMILIANO apud NUCCI, Manual de Processo e Execução Penal, p. 733.

[2] BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina; tradução de Maria Helena Kuhner. – 3º Edição. Rio de Janeiro: BestBolso, 2016, p. 22. Bela explicação sobre este conceito de Bourdieu pode ser encontrada em: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção Sérgio Miceli – São Paulo: Perspectiva, 2009, p. 337 e s. 

[3] ELIOT, TS. Poesia. Apresentação de... Editora Nova Fronteira. 

[4] WARAT, Luis Alberto. "Saber crítico e senso comum teórico dos juristas." Sequência; Estudos Jurídicos e Políticos, 1982.

[5] Utiliza-se como referência o estudo de Costas Douzinas em “O fim dos Direitos Humanos”.

[6] DOUZINAS, Costas. O domínio imaginário e o futuro da utopia. P. 328/348.

[7] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer – Nova ed.  – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 09).

[8] Há interessantes trabalhos sobre a origem simbólica do Tribunal do Júri, para tanto DE MELO, Ezilda Claudia. "A Invenção do Tribunal do Júri em ‘Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna." Revista de Direito, Arte e Literatura; bem como SARMENTO-PANTOJA, Augusto. "Orestes, Hamlet e a constituição infame do Tribunal do Júri." Fragmentum 45 (2015): 17-35. KARAM, Henriete. "A ORESTEIA E A ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI." Revista Jurídica 4.45 (2017): 77-94.

[9] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal – 8 Ed. Ver., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 733. No mesmo sentido, TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: contradições e soluções. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 4.

[10] MARQUES, Jader. Tribunal do Júri: considerações críticas à Lei 11.689/2008 de acordo com as Leis 11.690/08 e 11.719/08. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 20. 

[11] A desconfiança francesa em relação à atuação do judiciário é tamanha, ao ponto de adotarem apenas o controle preventivo de constitucionalidade até a Reforma Constitucional de 2008, mesmo com toda a viragem de paradigma que influenciou o constitucionalismo por todo o mundo depois da Segunda Guerra. Isto porque a falta de fé nos juízes se inspira no trabalho que estes haviam realizado em favor do monarca absoluto.  

[12] SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. Jogo, Ritual e Teatro: Um estudo antropológico do Tribunal do Júri/ Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, prefácio Paula Monteiro, posfácio Sérgio Adorno – São Paulo: Terceiro Nome, 2012.

[13] ARISTÓTELES. Poética. Prefácio de Maria Helena da Rocha Pereira. Tradução e notas de Ana Maria Valente. 3 Edição – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

[14] O próprio Sócrates foi julgado pelo povo grego, como pode ser visto em: PLATÃO. Apologia de Sócrates. Tradução, apresentação e notas de Edson Bini. 2 Ed. - São Paulo: EDIPRO, 2015. 

[15] STRECK, Lenio. TRINDADE, André Karam (organizadores). Os modelos de juiz: ensaios de Direito e Literatura – São Paulo: Atlas, 2015, p. 04. 

[16] Refere-se aqui, principalmente, às ideias defendidas por Lenio Streck e Draiton Gonzaga de Souza no programa televisivo “Direito e Literatura”, exibido pela TV Justiça. Porém, outros autores colocam o livro de Ésquilo como fundante do Tribunal do Júri, valendo destacar SARMENTO-PANTOJA, Augusto. "Orestes, Hamlet e a constituição infame do Tribunal do Júri." Fragmentum 45 (2015): 17-35.

[17] Utilizar-se-á: ÉSQUILO. Oréstia: Agamêmnon, Coéforas, Eumênides; tradução, introdução e notas de Mário da Gama Kury – 6. Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

[18] O livro é chamado de “Orestia” ou “Oresteia” e é dividido em três partes, quais sejam “Agamêmnon”, “Coéforas” e “Eumênides”, alertando que a última é a mais importante para a presente pesquisa, pois trata do próprio tribunal que julgará Orestes.

[19] DO NASCIMENTO, João Luiz Rocha. Das Erínias às Eumênides: como as cadelas vingadoras ainda ladram um passado que não passa. ANAMORPHOSIS-Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 3, n. 1, p. 39-72, 2017.

[20] Idem.

[21] Imperioso recordar, para a escorreita interpretação do texto, que no período grego que se refere, o indivíduo estava totalmente inserido no grupo e igualmente sujeito às predeterminações dos deuses, de modo que a maldição de um membro da família se espalhava para os demais, mesmo nas gerações futuras.

[22] Conta-se que a Deusa Ártemis enviara ventos violentos no intento de impedir a partida de Agamêmnon para a Guerra de Troia, situação que só seria revertida com o sacrifício de algum ente querido do guerreiro.

[23] Como se pode notar na fala de Atena, ela, a própria deusa (e juíza) escolherá os melhores entre todos os cidadãos. Note-se que este trecho revela muitas das características da democracia grega à época, ou seja, oportuniza-se a participação dos cidadãos, porém, cidadãos escolhidos pelos próprios deuses. Por isso, é preciso que o leitor da obra realize o necessário recorte cronológico.

[24] ÉSQUILO. Oréstia: Agamêmnon, Coéforas, Eumênides; tradução, introdução e notas de Mário da Gama Kury – 6. Ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 173.

[25] Idem, p. 174.

[26] Idem, 178/180. Aqui a própria Atena confirma este caso como o preambular em matéria de julgamento popular.

[27] Lenio Streck ainda considera esta trama como inauguradora do princípio do in dubio pro reo, já que as erínias não conseguiram o quórum necessário à acusação de Orestes, restando a Atena absolve-lo. Não vem ao caso discutir o mérito, mesmo porque a obra é mitológica (simbólica) e foi escrita a aproximadamente 2.500 anos atrás. É interessante, apesar disso, ressaltar os legados da Orestia para a discussão que envolve o júri na atualidade.

[28] KARAM, Henriete. A Oresteia e a origem do Tribunal do Júri. Revista Jurídica, v. 4, n. 45, p. 77-94, 2017.

[29] Oportuno notar que a transferência do poder de julgar ao cidadão comum não afasta o olhar divino, já que a decisão final é da Justiça (sua deusa), enquanto que o Júri de hoje ainda preza por manter algum símbolo religioso acima do lugar ocupado pelo magistrado.

[30] TUBENCHLAK, James. Tribunal do Júri: contradições e soluções. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 05.

[31] LOPES JR, Aury. Fundamentos de Processo Penal/Introdução Crítica. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 89.

[32] O exercício do Júri no Brasil é colocado como garantia individual do cidadão nas Constituições de 1891, 1946, 1967/69 e 1988. No período da Ditadura Varguista, encontra-se o Júri dentre as disposições do Poder Judiciário, bem como na Carta outorgada de 1824.

[33] Deve-se tomar outra lição da tragédia grega, agora na Antígona, de Sófocles: “Não é possível conhecer perfeitamente um homem e o que vai no fundo de sua alma, seus sentimentos e seus pensamentos mesmos, antes de o vermos no exercício do poder”.  SOFÓCLES. A Trilogia Tebana. Tradução e apresentação de Mário da Gama Kury. 6 ed – Rio deJaneiro: Ed. Jorge Zahar, 1997, p. 203/204.  

[34] LOPES JR, Aury. Fundamentos de Processo Penal/Introdução Crítica. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 89.

[35] Considerando, na esteira de Churchill, que ela é o pior dos regimes, excetuando-se os demais. 

[36] Alerta-se, contudo, que não se adentrará nos meandros das Escolas penalistas, por questão de espaço e interesse. Buscar-se-á a relação, específica, entre a prática do Tribunal do Júri atual e a ideia de Direito Penal do Inimigo. 

[37] Assim como Joseph K, personagem principal de “O Processo”, de Kafka. 

[38] “Nada temos a temer, exceto as palavras”. FONSECA, Rubens. O caso Morel. Ed. Especial – Rio de Janeiro, Saraiva de Bolso, 2014, p. 12.

[39] Jakobs, Günther, and Manuel Cancio Meliá. "Direito penal do inimigo." Org. e Introdução: Luiz Moreira e Eugênio Pacelli de Oliveira. Tradução do alemão: Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 30.

[40] Aqui vale citar o conceito da “adesão dos profanos à lógica jurídica”, de P. Bourdieu, que, para a pesquisa, é útil no sentido de que o Tribunal do Júri atua como um “sistema de classificação”, no momento em que o jurado interioriza questões sociais e pode, enfim, “fazer justiça”. Nesta perspectiva, há uma subversão do papel de “última ratio” do Direito Penal, além, claro, da crença de que “a justiça se faz condenando”. 

[41] STRECK, Lenio Luís. Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

[42] Refere-se neste momento ao advogado de defesa Amauri Santos da Silva, que no ano de 2014, deu um “salto mortal” em Plenário. O causídico autor de tal façanha ainda conta que “já fez café em audiência” e “aposta em métodos diferenciados para conquistar votos dos jurados. ” http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/advogado-que-deu-mortal-no-tribunal-do-juri-tambem-ja-fez-cafe-em-audiencia-1m23tj4ab4zfjde8bzbohp8zw. Acesso em 14/01/2017, às 09:34. 

[43] A Literatura é riquíssima em exemplos sobre Tribunais do Júri, veja-se: o julgamento de Mítia, no livro “Os Irmãos Karamazov” de F. Dostoievski. Igualmente interessante o julgamento de Mersault, na obra “O estrangeiro” de Albert Camus. E ainda, o julgamento de Julien Sorel em “O vermelho e o negro” de Stendhal.

[44] Outra gama de problemas aparece, mas sua escorreita análise não cabe nos limites da presente pesquisa: número exíguo de Jurados no Conselho de Sentença, impossibilitando a formação de maioria apta à condenação; descompromisso dos jurados, já que poucos valorizam o importante papel que ali exercem, ou, de fato, têm outros compromissos que impedem o interesse pelo caso (na Espanha é uma função remunerada); os jurados são representantes, quase sempre, de um único setor da sociedade, de modo que seria preciso pensar em novas formas de eleição.

[45] “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; “

[46] http://www.conjur.com.br/2016-jun-18/diario-classe-juri-nao-absolver-porque-ou-porque-sim-nem-condenar. Acesso em 13 de junho de 2017, às 09:47.

[47] Streck defende ainda a inconstitucionalidade do assistente de acusação. STRECK, Lenio Luís. Tribunal do Júri: Símbolos e Rituais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 198.

[48] Refere-se ao livro “Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord.

[49] NIETZSCHE, Friedrich. Para além do bem e do mal. 3 Ed – São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 92.

[50] http://justificando.cartacapital.com.br/2015/02/14/processo-penal-espetaculo/, acesso em 30/07/2017 às 08:00.

[51] de Vasconcellos, Vinicius Gomes, and Caíque Ribeiro Galícia. "Tribunal do júri na justiça criminal brasileira: críticas e propostas de reforma para a restituição de sua função de garantia no processo penal democrático." Revista Eletrônica de Direito Processual 13.13 (2014).

[52] http://www.conjur.com.br/2016-jun-18/diario-classe-juri-nao-absolver-porque-ou-porque-sim-nem-condenar, acesso em 31/07/2017 às 03:40.

[53] http://www.conjur.com.br/2014-ago-08/limite-penal-tribunal-juri-passar-reengenharia-processual, acesso em 31/07/2017 às 02:37.

[54] Idem.

[55] http://www.conjur.com.br/2007-nov-09/entre_soberania_falta_conhecimento_jurados?pagina=2, acesso em 31/07/2017 às 02:58.

[56] Idem.

[57] Ibidem.

[58] Ibidem.

Sobre o autor
Vinícius Pomar Schmidt

Advogado e professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Vinícius Pomar. O tribunal do júri através da literatura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6287, 17 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62592. Acesso em: 22 dez. 2024.

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