Conclusão
O crime do art. 149, caput do CP não consiste em tornar escravo o sujeito passivo do delito, visto que há muito foi abolida a relação jurídica de escravidão no país. Mas, a conduta regida pela norma em análise é a redução do indivíduo a condições semelhantes daquelas observadas no regime escravagista, em que o status libertatis da vítima permanece tutelado pelo Ordenamento Jurídico, sendo, entretanto, no plano fático, suprimido pela ação subjugadora do agente delitivo.
Não se exige para a adequação típica a mesma conduta de outrora, com a segregação do trabalhador, inclusive com emprego de correntes e vigilância armada. A recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não exige a comprovação de coação da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento direto da liberdade de locomoção das vítimas para a configuração do crime de redução a condições análogas a de escravo. Pode haver a caracterização do delito pelo preenchimento de um dos verbos alternativos constantes no tipo penal: pela submissão a trabalho forçado ou jornada exaustiva, pela restrição da liberdade de locomoção em decorrência de dívida, e, finalmente, pela sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho.
Essa forma de execução do delito é a mais problemática, tendo em vista a indeterminação do conceito de “condições degradantes”, o que foi enfrentado.
Com base na premissa de que o direito penal é regido pelo princípio da intervenção mínima, para a tipificação da conduta como trabalho escravo na esfera criminal, ficou claro que a caracterização das “condições degradantes” depende i) da existência de uma lesão às vítimas superior àquela já punida na esfera trabalhista; ii) de o consentimento do trabalhador ter sido obtido de forma viciada, mediante coação ou erro; iii) da impossibilidade de o trabalhador reagir, de se libertar do sistema imposto resultando na sua coisificação e efetiva redução a condições semelhantes a de escravo.
A “condição degradante de trabalho” para fins do delito tipificado no art. 149 exige não apenas o descumprimento de normas de proteção ao trabalho, mas, aliado a isso, há de existir um cenário capaz de impedir o trabalhador, de alguma forma, de reagir, de sair a situação degradante em que se encontra. Não é todo trabalho degradante que pode ser considerado penalmente relevante, mas apenas aquele que trouxer como consequência a redução do trabalhador à condição semelhante à de um escravo. Essa conclusão deve-se também ao fato de que esse modo de execução do delito está inserido ao lado de outras formas extremamente graves que, sem dúvida, são os modos mais eficazes de escravizar o trabalhador.
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Notas
[1] Voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, no inquérito penal nº 3412 de Alagoas. Disponível em: file:///C:/Users/JU579/Desktop/Artigo%20jurídico/Trabalho%20escravo/STF%20inteiro%20teor%20Rosa%20Weber.pdf. Acesso em 01 de dezembro de 2017.
[2] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010. p. 370.
[3] STF, HC 92463/RS, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 16.10.2007.
[4] MASSON, Cleber. Ibid. p. 380.
[5] PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL (PESCA DE LAGOSTA MEDIANTE UTENSÍLIOS PROIBIDOS). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. DENÚNCIA. NÃO RECEBIMENTO. 1. Pretende o Ministério Público Federal a reforma da decisão que, aplicando o princípio da insignificância, não recebeu a denúncia oferecida em desfavor de MARCONE GOMES DE SOUZA, pela suposta prática do crime previsto no art. 34, caput e parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98 (pesca de lagosta por meio de utensílios proibidos). 2. O princípio da insignificância, corolário dos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado, tratando-se de direito penal, visa a excluir a tipicidade penal. 3. A aplicação do referido princípio exige, na análise da materialidade do tipo penal, a comprovação cabal da conjunção, aceita jurisprudencialmente, de quatro aspectos: a) a mínima lesividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade; d) inexpressividade da lesão jurídica (STF, 2ª T., HC nº 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 09/09/08). 4. Na hipótese dos autos, o denunciado realizou atividade de pesca de lagosta mediante "utilização de petrechos proibidos, dentre eles, cilindro de ar comprimido, nadadeiras e máscaras de mergulho. Ocorre que, ao realizar o mergulho com o cilindro de ar comprimido, o investigado sentiu dores e precisou ser atendido, e, em decorrência do acidente, foi aberto inquérito administrativo pela Capitania dos Portos do Rio Grande do Norte, a qual investigou os fatos e realizou a apreensão do material utilizado na pesca. Por fim, consoante narrativa do Órgão Ministerial, a esposa do denunciado reconheceu que no dia do acidente a pesca rendeu 2 quilos de lagosta e 6 quilos de peixe." 5. Tal princípio é aplicável ao caso, "tendo em vista o grau de afetação mínimo da ordem social, na medida em que o comportamento atribuído pelo Ministério Público Federal não se mostrou suficiente para desestabilizar o ecossistema, ou melhor, observa-se que a prática de tais condutas, em razão de serem consideradas inexpressivas, não constituem a materialidade do fato criminoso, requisito essencial para a configuração da justa causa penal." 6. Recurso em sentido estrito desprovido. (RSE 00003982920164058400, Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::31/08/2016 - Página::76.); APELAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002 E NAS PORTARIAS NºS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A existência de uma conduta típica pressupõe a violação a bem juridicamente relevante, tendo em vista que "as normas penais positivadas constituem, em última análise simples manifestação da tutela que o Estado exerce sobre os bens que considera relevantes" (STF, HC96412/SP). 2. Considerando que, a partir da Lei n. 11.457/2007, os débitos decorrentes de contribuições previdenciárias passaram a ser considerados como dívida ativa da União, atribuindo-se-lhes tratamento semelhante ao dos créditos tributários, os critérios a serem adotados para a incidência do princípio da insignificância ao crime do art. 168-A do CP devem ser os mesmos dos delitos de natureza tributária. 3. Se a própria Fazenda Pública dispensa a propositura de ações judiciais por pressupor ausência no interesse na lide, deve-se afastar a incidência do direito penal, em respeito ao princípio da fragmentariedade. Isso decorre da não admissão de que se impute a penalidade mais árdua de que dispõe o Estado, se o bem jurídico atingido é insignificante para o próprio órgão que representa os interesses do Estado, na defesa de tal bem jurídico. 4. Considerando que o valor das contribuições previdenciárias omitidas foi de R$4.640,39, portanto, bem inferior ao patamar de R$20.000,00 (vinte mil reais) - previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002 e atualizado pelas Portarias nºs 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda -, deve ser mantida a absolvição por atipicidade da conduta. Precedentes do STJ. 5. Apelação a que se nega provimento. (ACR 200882000057950, Desembargador Federal Manuel Maia, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::06/07/2016 - Página::1.)
[6] FARIAS, Débora Tito. Velhos e novos problemas do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Organizadores: MIESSA, Élisson. CORREIA, Henrique. Estudos Aprofundados. Ministério Público do trabalho. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 255.
[7] Art. 1º da Convenção de Genebra de 1926. “A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade (...)”.
[8] Flávia Piovesan ressalta que a proibição do trabalho escravo é absoluta no direito internacional, não cabendo invocar circunstâncias excepcionais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política, tratando-se de direito absoluto. (Trabalho escravo e degradante como forma de violação dos direitos humanos. In: Trabalho escravo contemporâneo:o desafio de negar a superação. São Paulo: LTR, 2006. P. 161-162).
[9] FLORIAN, Eugenio. Trattato di Diritto Penale – Delitti contro La liberta Individuale, Casa Editrice Dott. Francesco Vallardi, 1936, p. 284-285.
[10] MELO, Luís Antônio Cargo de. Trabalho escravo contemporâneo: Crime e conceito. Org:Élisson Miessa. Henrique Correia. In: Estudos Aprofundados. MPT. Ministério Público do Trabalho. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 568-641.
[11] NOGUEIRA, Christiane V. FABRE, Luís Carlos Michele. KALIL, Renan B. CAVALCANTI, Thiago Muniz. Recentes avanços legislativos no combate a escravidão. Organizadores: MIESSA, Élisson. CORREIA, Henrique. Estudos Aprofundados. Ministério Público do trabalho. Salvador: Jus Podivm, 2015. p. 236.
[12] Em dezembro de 2002, a Lei do Seguro Desemprego é alterada, prevendo a concessão do benefício a trabalhadores resgatados de situação de trabalho em condições análogas à de escravo, o que foi considerado pelo Ministério Público do Trabalho como medida de grande importância, pois evitaria o processo de “re-vitimização”.
[13] Atualmente, o Brasil não só reconhece e combate ao trabalho análogo ao escravo como ampliou a proteção para alterar o art. 243 da Constituição Federal e prever que as propriedades rurais e urbanas onde forem localizadas a exploração de trabalho escravo serão expropriadas sem qualquer indenização e todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em ocorrência de sua exploração serão confiscados (emenda constitucional 81 aprovada em 2014).
[14] FARIAS, Débora Tito. Ibid. p. 254.
[15] Voto da Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, no julgamento do Inquérito nº 3412 Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, DJe 12/11/2012.
[16] BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Op. Cit. p. 138.
[17] MELO, Luis Antonio Camargo de. Ibid. p. 622.
[18] O compromisso brasileiro é ainda reforçado pelo art. 8º, §1º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, pelo art. 6º da Convenção Americana de Direitos Humanos, pelo Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças e pela solução amistosa do caso José Pereira pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 24.10.2003 (BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. 9ed São Paulo: Saraiva, 2014. p. 138).
[19] A redação anterior era sucinta: Art. 149 – “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo: (...)”.
[20] BALTAZAR JUNIOR. Ibid. p. 136.
[21] NOGUEIRA, Christiane V. FABRE, Luís Carlos Michele. KALIL, Renan B. CAVALCANTI, Thiago Muniz. Ibid. p. 240.
[22]Essa também é a interpretação de Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto, para os quais “submetendo-o a trabalhos forçados” significa fazendo-o obedecer às ordens e a vontade de outrem mediante coação física ou moral contra sua vontade. (Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 532-533).
[23] BALTAZAR JÚNIOR. Ibid. p. 140.
[24] Voto da Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, no julgamento do Inquérito nº 3412 Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, DJe 12/11/2012.
[25] NOGUEIRA, Christiane V. FABRE, Luís Carlos Michele. KALIL, Renan B. CAVALCANTI, Thiago Muniz. Ibid. p. 241.
[26] MELO, Luís Antônio Camargo de. Ibid. p. 629.
[27] PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 261.
[28] BALTAZAR JÚNIOR. Ibid. p. 141.
[29] BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho com redução do homem a condição análoga a de escravo e dignidade da pessoa humana. Disponível em: www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes. Acesso em 01.dez.2017.
[30] NOGUEIRA, Christiane V. FABRE, Luís Carlos Michele. KALIL, Renan B. CAVALCANTI, Thiago Muniz. Ibid. p. 240.
[31] NOGUEIRA, Christiane V. FABRE, Luís Carlos Michele. KALIL, Renan B. CAVALCANTI, Thiago Muniz. Ibid. p. 242.
[32] Art. 1º, incisos I a III da Portaria nº 1129/2017.
[33] Art. 1º, inciso IV da Portaria nº 1129/2017.
[34] https://www.conjur.com.br/dl/rede-questiona-stf-portaria-mudou.pdf
[35] SARLET, Ingo Wolfgang. Proibição do retrocesso, dignidade humana e direitos sociais: manifestação de um constitucionalismo dirigente possível. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estado, n. 15, 2008.
[36] https://www.conjur.com.br/dl/rede-questiona-stf-portaria-mudou.pdf p. 19.
[37] Voto do Ministro Marco Aurélio, no julgamento do Inquérito nº 3412 Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, DJe 12/11/2012.
[38] STF, Inquérito 3412, Rosa Weber, Pl., m, 29.3.12. STJ, HC 239850, Dipp, 5ª T, u., 14.8.12.
[39] “ (...) concluo que, para a configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessária a coação física da liberdade de ir e vir, ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas cuja presença deve ser avaliada caso a caso (Voto da Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber, no julgamento do Inquérito nº 3412 Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, DJe 12/11/2012).
[40] Em sentido contrário, posicionou-se o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, nos seguintes termos: “O legislador ordinário optou por proceder à enumeração das condutas que indicam a redução do trabalhador a condição análoga à de escravo: a) submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva. O fenômeno pressupõe coação física ou moral, ou seja, impor-se contexto capaz de levar o prestador dos serviços a obedecer a ordens e vontade de outrem sem a possibilidade de reação; b) sujeitar o prestador dos serviços a condições degradantes de trabalho, restringindo, por qualquer meio, a respectiva locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (...) somente haverá conduta típica prevista no artigo 149 do Código Penal se demonstrado pelo Estado-acusador o cerceio à liberdade de ir e vir dos prestadores de serviço, a impossibilitá-los de reagir ou deixar o local de trabalho, diante de quadro opressivo imposto pelo empregador.” (Voto do Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal no Inquérito n° 3.412, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, DJe 12/11/2012).
[41] Para Christiane V. Nogueira, Luís Carlos Michele Fabre. Renan B. Kalil, Thiago Muniz Cavalcanti, o trabalho escravo contemporâneo deve ser concebido, em verdade, como a exploração da mão de obra em condições ofensivas à dignidade do trabalhador, através do uso e descarte de seres humanos, que alarga o abismo econômico entre trabalhador e empregador e fulmina a função social inerente ao trabalho. (Ibid., p. 239).
[42] BALTAZAR JÚNIOR. Ibid. p. 136.
[43] Para o autor é irrelevante que a vítima tenha ou disponha de relativa liberdade, pois esta não é suficiente para lhe libertar do jugo do empregador (BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 493). No mesmo sentido: BITENCOURT, César Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 485.
[44] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume II. Niterói: Editora Impetus, p. 631.
[45] “Inicialmente, então, temos a situação paradigmática, que sempre caracterizará. trabalho degradante: barraco de lona plástica, sem disponibilização de água, sem local para as refeições, sem banheiro, sem equipamentos de proteção, sem assistência médica. E a partir disso temos situações progressivamente menos graves, mas que ainda caracterizam trabalho degradante: digamos, há água potável, mas não há equipamento de proteção, e há alojamentos, os quais, entretanto, são superlotados, sem camas e sem ventilação.” GOMES, Rafael de Araújo. Trabalho Escravo no Brasil. Análise a partir do exemplo de Mato Grosso. Disponível em https://pt.scribd.com/document/77010533/TRABALHO-ESCRAVO-NO-BRASIL-ANALISE-A-PARTIR-DO-EXEMPLO-DE-MATO-GROSSO. Acesso em 01.dez.2017. p. 6/7.
[46] FELICIANO, Guilherme Guimarães. Do crime de redução à condição análoga a de escravo na redação da lei 10.823/2003. Revista de Direito do Trabalho n 114, p. 81-93, abr-jun.2004. p. 86.
[47] “Nesse sentido, há de se recordar que o Projeto de Lei nº 7.429/2002, de autoria do Senador Waldeck Ornelas, que acabou sendo convertido na Lei nº 10.803, chegou a receber parecer negativo de seu relator, o Senador Júlio Delgado, o qual recomendava a exclusão da expressão “condições degradantes de trabalho”, por considerá-la vaga. Tal entendimento não foi referendado pela maioria dos parlamentares, tendo sido aprovada, inequivocamente, a proposição de ampliar o rol de condições definidas como análogas à de escravo. A opção do legislador poderia ter sido outra. Poderia ter sido criado um tipo penal exclusivo para o trabalho degradante. Ou então a posição do relator do Projeto poderia ter prevalecido, não sendo incluída no Código Penal qualquer menção a condições degradantes de trabalho. Não foram essas, entretanto, as escolhas do legislador em 2003. Pretendeu-se, parece-me, justamente ampliar o rol de condutas penalmente típicas, alcançando hipóteses novas – trabalho degradante, jornada exaustiva –, associando-as propositadamente a um delito já reconhecido por juristas e leigos como extremamente grave, e que desperta imediata repulsa e comoção, que é o trabalho escravo.” GOMES, Rafael de Araújo. Ibid. p. 06.
[48] BALTAZAR JÚNIOR. Ibid. p. 142.
[49] Sentença do juiz federal de Cárceres Omar no bojo do processo nº 2007.39.04.001121-1 que tramitou na Subseção Judiciária de Castanhal da Justiça Federal do Pará.
[50] Na mesma linha, interessante conhecer a reflexão feita pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes “Quer dizer, criam-se parâmetros que não encontram nenhuma relação com a realidade. Se nós lermos essa resolução, certamente nós vamos dizer: Será que nós não estamos vivendo, em nossas casas, em condições análogas à de escravo. E isso passa a ser a forma de interpretar o 149. Lê-se o art. 149 a partir da resolução, exatamente esses itens que estão aqui. Não é agua fresca. Não é água sequer saudável, é água filtrada. Se se fizer o exercício, quanto domicílios no Brasil tem água filtrada? Quantas casas têm fossa? Nós não estamos falando do mundo rural, basta fazer esse levantamento para verificar que há um divórcio. O problema não é exigir esse tipo de conforto, não é exigir condições mínimas, é transformar isso em crime. Nós precisamos refletir sobre isso. O problema não é do tipo penal, é ler o tipo penal com esse tipo de orientação, com esse tipo de instrução.” (Voto no Inquérito STF nº 3564/MG).
[51] Voto do Ministro Marco Aurélio no Inquérito n° 3.412, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Rosa Weber, DJe 12/11/2012.
[52] BIANCHINI, Alice. Reforma Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 344.
[53] Se o sujeito passivo se coloca em situação de sujeição total livremente e se mantém nessa situação sem que haja qualquer iniciativa da pessoa favorecida, não há como afirmar que o crime se configurou e que a suposta vítima foi sujeitada a condições degradantes. (FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal – Parte Especial, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1995.p. 161).
[54] DELMANTO, Celso. DELMANTO, Roberto. DELMANTO JÚNIOR, Roberto. DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Ibid. p. 534.
[55] BITENCOURT, César Roberto. Ibid. p. 494.
[56] GOMES, Rafael de Araújo. Ibid. p. 5.
[57] STF, Inq n° 3.564, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 17/10/2014.