4. PROJETO DE ADEQUAÇÃO DO ARTIGO 8º, §1º DA LEI 9.099/95
Com o estudo da presente questão, resta-nos alicerçada a necessidade de mudança do citado dispositivo legal para fielmente representar o objetivo da norma.
É facilmente compreensível o intuito do legislador, no sentido da prevenção quanto as fraudes de transferências de direitos de uma pessoa jurídica a outra pessoa física.
De fato existe grande interesse das expressivas corporações na utilização do rito especial. Grandes empresas possuem grande fluxo de crédito e não raras as vezes socorrem-se no judiciário para promoverem a recuperação do mesmo. Postular nos juizados especiais representa para as grandes organizações iminente diminuição dos gastos com a administração da justiça, considerando o não pagamento de custas e taxas judiciárias, honorários advocatícios, bem como a redução de despesas com a celeridade na solução dos conflitos.
No entanto, o que ocorre é que o texto legal atualmente em vigor, na esteira reversa das pretensões de seu criador, abre margens para possíveis fraudes a partir do momento que a previsão de exclusão do cessionário não compreende as demais formas de transferência de direitos (cisão, incorporação, atos judiciais, falência, pagamento da dívida pelo avalista, e como no caso em estudo, o endosso).
Nos dizeres de JOSË XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA (1963), o “endossatário não é sucessor jurídico do endossante”. Isso posto, o endossatário adquire um direito próprio, em função do título e não direito de cessionário, conferido por cessão. Portanto pode-se dizer que, o endossatário é tão somente um sucessor patrimonial do endossante, mas jamais dos direitos que eram específicos da pessoa jurídica. Os direitos do endossatário estarão literalizados no título, totalmente abstratos e autônomos de sua causa originária e se emanam em função do próprio documento, que como já visto é constitutivo de direitos. É a sistemática de segurança na transferência dos direitos creditícios próprias do Direito Cambiário.
Transcrevemos, mais uma vez, a título de conforto de leitura, o dispositvo legal em comento, in verbis:
Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. [49]
Desta feita, é conclusivo que, considerando o atual texto do artigo 8º, §1º da Lei 9.099/95, em vigor, os efeitos da exclusão de legitimidade ativa dos cessionários de direitos de pessoas jurídicas, nos juizados especiais cíveis, não podem ser aplicados ao endossatário.
Assim, para que a Lei cumpra seu objetivo de prevenção às fraudes, cumpriria-se alterar o presente dispositivo legal nos seguintes termos e a partir da imaginária sugestão legislativa:
“LEI Nº XXXXXX, DE 30 DE SETEMBRO DE 2004
Modifica o §1º do art. 8º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º O §1º do art. 8º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 8º .................................................................
§1º. Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os sucessores de direitos de pessoas jurídicas, assim como os sucessores patrimoniais dos títulos desses direitos."(NR)
Brasília, 30 de setembro de 2004; 183º da Independência e 116º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA”
Alterados os termos do dispositivo, estariam sendo abrangidas todas as formas de transferência de direitos de uma pessoa jurídica a uma pessoa física, retirado o enfoque indevido dado à cessão, que é tão somente um dos meios de circular os direitos.
A alteração traz à baila a questão principal afeta aos dois tipos de sucessão produzidas pela transferência de direitos, a patrimonial pura e a jurídica, plena.
Repete-se a exaustão que a pretensão deste trabalho é puramente acadêmica, com vias a criar uma discussão necessária acerca dos fatos que cercam a Supressão do Instituto do Endosso nos Juizados Especiais Cíveis. A partir do debate, será possível delinear os rumos da interpretação do artigo vigente ou a necessidade de sua retificação, como aliás, já fica sugerido.
CONCLUSÃO
As negociações de crédito, correspondentes às troca de dinheiro presente por uma obrigação futura, lastreada nos elementos de confiança e tempo, sempre foi, como ainda é, um dos negócios mais realizados de um canto a outro do planeta.
Os títulos de crédito se inserem nesse contexto para conferir a ferramenta mais apurada para materialização e transferência, com segurança, de todas as operações realizadas por milhares de pessoas no dia a dia, desde os cidadãos comuns até os grandes negociantes de crédito.
Cobertos de princípios próprios, sempre afetos ao Direito Cambiário, os títulos de crédito apresentam-se como um documento especial, que encerra direitos literais, autônomos e abstratos de sua causa, cuja principal função é a transferência do crédito, com segurança entre aqueles que os negociam.
Meio próprio para realização da transferência da propriedade e dos direitos inerentes aos títulos de crédito, o instituto do endosso pode ser considerado uma das maiores e mais significativas consequências da maior inovação em matéria cambiária, que é a cláusula à ordem.
Desta feita, com o presente trabalho pode-se perceber as mais variadas nuanças deste instituto cambiário que é o responsável pelo alto dinamismo que os títulos de crédito oferecem aos negócios, propiciando a facilitação da vida dos homens e a evolução dos povos.
Exatamente por ser um instituto próprio, de finalidades específicas, afeto ao Direito Cambiário e necessário para a transferência plena dos direitos emergentes dos títulos de crédito, que não representa sucessão jurídica entre endossante e endossatário, que forma uma cadeia de obrigados solidários cambiais, que o instituto do endosso não pode ser levianamente comparado às outras formas de circulação, extra cambiárias.
A partir desse ponto de vista, realizou-se profunda análise da Lei 9.099/95, no sentido de ser um juízo criado para beneficiar as pessoas físicas capazes, que se interessem por uma justiça célere e eficaz, na exigência e prestação jurisdicional sobre seus direitos.
Ocorre que, a partir de uma interpretação polêmica do artigo 8º, §1º, da Lei 9.099/95, as pessoas físicas capazes, endossatárias de títulos de créditos conferidos por pessoas jurídicas, estão sendo impedidas de postular suas execuções cambiais em juízo, sob o fundamento de se enquadrarem no mesmo tratamento jurídico definido na Lei, aplicáveis aos cessionários de direitos de pessoas jurídicas.
A partir desse fato, o trabalho demonstra que endosso não é cessão. Todos os maiores doutrinadores de Direito Cambiário, desde os clássicos Túllio Ascarelli, Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Pontes de Miranda e João Eunápio Borges, dentre outros, até a doutrina mais moderna representada pelos Professores Wille Duarte, Fran Martins, Fábio Ulhoa Coelho dentre outros, são absolutamente uníssonos em conferir tratamento jurídico distinto aos institutos do endosso e da cessão Civil.
Isso pelo fato de o endosso não transferir direito próprio do endossador, e sim direito autônomo, literal e abstrato, presente no título e em função deste, ao passo que a cessão corresponde meio de transferência de direitos pessoais do cedente. O endosso não desobriga o endossatário pelo fato da transferência dos direitos, sendo que este responderá pela existência e pelo pagamento do valor transferido. Já na cessão o cedente se desonera da obrigação ao transferir seu direito ao cessionário, respondendo tão somente pela existência da mesma.
Rememore-se as palavras do sábio professor, JOSÈ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA(1963, p. 429) de que:
Endôsso nos títulos à ordem não quer dizer cessão. A sua admissão não teve por escopo somente facilitar a transferência, mas, especialmente, aumentar a segurança do possuidor e o valor e crédito dêsses títulos. Êle difere substancialmente da cessão[50]
Sendo assim, não podem os endossatários simplesmente receber tratamento jurídico de um cessionário de direitos. É necessária uma discussão a respeito, sob pena do enfraquecimento de um instituto cambiário secular, importantíssimo para as operações de crédito, com segurança em todo o mundo.
Por fim, em função do incômodo que a situação representa nos meios cambiários, o trabalho apresenta duas soluções para se evitar de vez o cancro cambiário que se vislumbra. Ou a interpretação do artigo 8º, §1º da Lei. 9.099/95 é reconsiderada pelos julgadores dos juízos especias, no sentido de se permitir a cabal utilização do instituto cambiário, ou será imperativa a edição de Lei Ordinária, com vias a alterar o dispositivo citado, para que, se for o caso, venha realmente suprimir o instituto do endosso, de forma direta, correta e eficaz, nos termos da sugestão legislativa inserida no presente estudo.
É, portanto, a presente monografia apresentada à Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título de Bacharel em Direito, posta à apreciação da banca examinadora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MENDONÇA, José Xavier Carvalho de, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Vol. V, São Paulo, Freitas Bastos, 1963.
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THEODORO JUNIOR, Humberto. Títulos de Crédito e Outros Títulos Executivos. São Paulo, Saraiva, 1988.
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