Supressão do instituto do endosso nos juizados especiais cíveis

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30/01/2018 às 11:43
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2. COMENTÁRIOS À LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

2.1. EXPLICAÇÃO INICIAL

Antes de adentrar ao tema específico da Lei dos Juizados Especiais, é importante fixar que a pretensão do presente trabalho é realizar especificamente uma análise crítica sobre o tratamento jurídico que vem sendo aplicado ao instituto de Direito Cambiário próprio, que é o endosso, diante os Juizados Especiais Cíveis, notadamente em Belo Horizonte.

Sendo assim, deixa-se a análise processual que se fizer necessária a critério do leitor, no que diz respeito a ação cambial, o rito executivo próprio, as condições da ação, prazos de executividade, cabimento do rito monitório, os limites da competência dos Juizados Especiais, assim como demais temas de direito cambiário, próprios dos títulos de crédito e que possam vir a influir no resultado do problema aqui tratado.

Enfim, pressupõe-se um entendimento prévio do leitor acerca dos assuntos diversos e importantíssimos que envolvem o tema em estudo, impossível de se esgotar todo o assunto neste momento, dada a falta de tempo que a miltância prático-acadêmica ora nos impõe.

Portanto, vejamos como a circulação dos direitos emergentes dos títulos de crédito está sendo tratada nos juizados especiais.

2.2.O RITO ESPECIAL NA EXECUÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

Os Juizados Especiais, criados para efetivação do princípio constitucional de prestação de uma justiça célere e eficaz, está previsto e regulado pela Lei Ordinária 9.099 de 26 de setembro de 1995.

Os juizados especiais, são responsáveis, na área cível, pelo julgamento de ações que envolvem até 40 salários mínimos. São mais rápidos, porque têm ritos mais simplificados, são gratuitos, só paga, em regra, quem recorre das decisões, e se caracterizam pela busca da conciliação e do acordo entre as partes, evitando os confrontos e os processos demorados.

O artigo 1º da Lei 9.099/95, trata, em linhas gerais, da admissibilidade do processo executivo nas causas de competência daquele juízo. Porém, é no artigo 53 da Lei 9.099/95 que se busca adequar a competência dos juizados especiais para a execução dos títulos executivos extrajudiciais, cujos valores não ultrapassem o limite de 40 salários mínimos, nos moldes do disposto no Código de Processo Civil, atendidas as peculiaridades da Lei especial.

O CPC, ao elencar os títulos executivos extrajudiciais, cuidou de incluir naquele rol taxativo, os títulos de crédito, conferindo sobre eles, Ação de Execução por Quantia Certa, nos termos dos artigos 585, inciso I, e 646 e seguintes do CPC, entendido por este rito executivo, o que se refere a Lei Uniforme de Genebra, como Ação Cambial.

Conclusivo que, os títulos de crédito cujos valores atendam o limite de competência daqueles juizados são perfeitamente exigíveis diante o rito especial. Assim também são aplicáveis nas execuções cambiais diante rito especial, todos os critérios informativos deste juízo especial, de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade com o intuito de se buscar a efetiva solução da lide.

2.3.O ARTIGO 8º, §1º DA LEI 9.099/95 – EXCLUSÃO DOS CESSIONÁRIOS

A lei 9.099/95, em seu artigo 8º, §1º, cuidou de determinar que as pessoas físicas capazes seriam as únicas legitimadas a proporem ações perante o juizado especial.

Essa compreensão levou ao entendimento de que estaria excluída a legitimidade ativa das pessoas jurídicas em geral, perante o rito especial. Eis o dispositivo mencionado:

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. [40]

No entanto, com o advento da LEI 9.841 de 5 de outubro de 1999, que instituiu o Estatuto da Microempresa, e da Empresa de Pequeno Porte, essas pessoas jurídicas passaram a ter garantido o acesso aos juizados especiais, por aplicação dos princípios relativos às pessoas físicas capazes de postular no juízo especial, de acordo com o seguinte dispositivo:

Art. 38. Aplica-se às microempresas o disposto no §1° do art. 8° da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, passando essas empresas, assim como as pessoas físicas capazes, a serem admitidas a proporem ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.[41]

Cumpre-se ressaltar portanto que, tanto a Lei 9.099/95 quanto a Lei 9481/99, definiram a proibição pré-existente de figurarem como parte nos juizados especiais cíveis os cessionários de direitos de pessoas jurídicas.

Tal proibição se justifica no intuito notório de se evitar que pessoas jurídicas não enquadradas nos limites exigidos para sua classificação como ME- Micro Empresa ou EPP - Empresa de Pequeno Porte, fossem admitidas a postular no rito especial, simplesmente cedendo seus direitos a terceiros e por conseqüência, gozasse de todas as garantias e privilégios típicos do rito especial.

Ocorre que, tais dispositivos fazem menção a um modo determinado de circulação e transferência de direitos. Ao proibir especificamente o cessionário de ser parte ativa nos juizados especiais, as legislações em tela abriram espaço para discussão se é cabível a operação de outros modos de circulação e transferência de direitos entre a pessoa jurídica e a física, tal como o meio próprio de circulação dos títulos de crédito ora em estudo, o endosso, E ainda se o destinatário da transferência nestes casos seriam ou não legitimados a postular no juízo especial.

A dúvida se justifica, exatamente por jamais se confundirem tais institutos, pois sua causa e seus efeitos são absolutamente diversos.

Considerando o princípio basilar de hermenêutica de que nas Leis não existem palavras utilizadas a esmo, os efeitos da proibição pré existente de serem parte ativa nos juizados especiais, expressamente vinculada aos cessionários de direitos de pessoas jurídicas, a princípio vinculariam a interpretação de proibição especificamente quanto ao instituto da cessão. Note-se ainda que corrobora com tal interpretação outro princípio basilar de hermenêutica que determina a impossibilidade de serem as Leis específicas, interpretadas a título geral, em nítido prejuízo da parte.

Assim, como impedir uma pessoa física capaz, portadora legítima de um título de crédito em que pessoa jurídica já figurou como endossante? Isso sobre interpretação extensiva de um instituto que faz expressa menção à cessão ordinária de direitos? É possível essa forçosa comparação dos institutos?


3.SUPRESSÃO DO INSTITUTO DO ENDOSSO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

A presente discussão não rara às vezes se verifica nos juizados especiais cíveis. Os julgadores dos juizados especiais cíveis, ao se depararem com execuções de títulos de crédito endossados por pessoa jurídica, não estão tendo dúvidas em determinar a extinção dos processos, sem julgamento de mérito.

Isso sob o fundamento de terem sido tais títulos simplesmente cedidos, o que configuraria condição proibitiva, pré-existente, de legitimidade ativa da parte no processo, acarretando sua extinção, sem julgamento de mérito, conforme o estatuído no artigo 51, inc. IV da Lei 9.099/95.

Note-se que este é o teor de várias decisões dos juízes dos juizados especiais cíveis, como se verifica no exemplo, anexo.

Neste aspecto, pecam os julgadores por não estarem promovendo a diferenciação dos institutos, pois endosso não se confunde com cessão.

Endosso é a declaração sucessiva, eventual que traduz obrigação indireta ou subsidiária de regresso. É uma manifestação unilateral e, assim, o endossante se obriga diante o público em geral e não só perante a quem foi  feito o endosso.

Endosso é ato unilateral, a cessão é bilateral de vontade, é um contrato.

Endosso é ato formal, cessão não é solene, e transfere todos os direitos, pessoais ou não.

Endosso transfere ainda, tão somente títulos de crédito, a cessão transfere todos os tipos de direitos em geral.

E talvez a mais importante diferença, endosso se abstrai da causa, já a cessão é ato causal, vinculando sempre o cedente ao cessionário.

A cessão nunca vai ser materializada em um título de crédito, e sim num título ou documento qualquer à parte.

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Pela cessão, o cedente transfere ao cessionário um direito derivado. Ele vai ser o sucessor do cedente em todos os direitos. A defesa que o devedor tiver contra o credor primitivo, poderá ser oposta ao cessionário. Isso não trás nenhuma segurança a transferência do crédito, e por tal razão, difere-se fundamentalmente do endosso, que é o meio próprio de circulação cambial.

Pelo endosso, o endossante transfere ao endossatário um direito autônomo, por isso que ele não é vulnerável aos direitos do endossatário. Por isso há segurança.

Na cessão civil, o cedente não responde pela solvência do devedor, só pela existência do crédito no ato da cessão, salvo ajuste expresso em contrário.

Em regra, no endosso, o endossante é mais um devedor solidário. A solidariedade cambial é sempre legal. Já na cessão ocorre a transferência e o desligamento do cedente sobre a responsabilidade do crédito, ao contrário do endosso quando o endossante ainda responde pela sua existência e pagamento.

Note-se ser a doutrina remansosa quanto a diferença entre tais institutos, senão vejamos:

Endôsso nos títulos à ordem não quer dizer cessão. A sua admissão não teve por escopo somente facilitar a transferência, mas, especialmente, aumentar  a segurança do possuidor e o valor e crédito dêsses títulos. Êle difere substancialmente da cessão. Mediante a cessão, transfere-se o título ficando o cedente responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo daquele ato; mediante o endôsso,(...) o endossador garante solidáriamente ao possuidor do título o pagamento dêste no dia do vencimento. Os endossadores sucessivos tornam-se coobrigados. O cedente, transferindo o título, fica subrogado pelo cessionário.”[42]

O endosso é ato de transferência do título de crédito à ordem. Essa cláusula, como já acentuado anteriormente, é implícita nas cambiais.(...)enquanto o endossante, em regra, responde pela solvência do devedor, o cedente, em regra, responde apenas pela existência do crédito(...) o devedor não pode alegar contra o endossatário de boa fé exceções pessoais, mas pode alegar contra o cessionário. Essas diferenças são derivadas da aplicação dos princípios do direito cambiário à circulação do crédito por endosso(...).

(...)Deve-se destacar, como já lembrou Carvalho de Mendonça que, com a transferência do título pelo endosso, não há sucessão jurídica entre endossante e endossatário. Este, dado o princípio da autonomia das obrigações cambiárias, adquire direito autônomo(...)”[43]

Posto que seja o endosso o meio próprio para a circulação do título cambiário, é suscetível esse de cessão. Porém tal cessão não tem, de modo nenhum ao efeitos do endosso. Enquanto não se legitima como endossatário, o cessionário só tem direitos reconhecidos pelo direito comum. A cessão nenum efeito cambiário tem.

(...)

A cessão de crédito no tocante ao título cambiário é possível(...). Porém, seria erro atribuir-se a esse negócio jurídico bilateral, a eficácia do endosso.

(...)

O cessionário não entrou na série dos endossatários, está de fora,  o que se cedeu foi o crédito, cuja existência se assegura, sem que haja criado no cessionário a relação jurídica cambiária.entre o subscritor, e o cessionário. Não se transferiu a propriedade do título e, ainda que se houvesse transferido, a posse, faltaria outro elemento, sem o qual a posse não produz a relação jurídica entre o subscritor e o possuidor: o endosso.[44]

Endosso não é cessão. É ato unilateral e abstrato, embora tenha por base um negócio jurídico bilateral e causal e que constitui a relação subjacente do nascimento do endosso. Enquanto a cessão é contrato bilateral, o endosso é ato unilateral, sendo que a cessão pode revestir-se por qualquer forma, enquanto o endosso é ato formal. Na cessão, o cedente transfere o seu próprio direito ao cessionário. No endosso, o endossatário recebe um direito emergente do título e não o direito do endossante. O endossatário sucede ao endossador na posse do título que lhe é transmitido, sem suceder-lhe na relação jurídica, existente entre o devedor e o endossador. O endossatário adquire um direito próprio, literal e autônomo, no momento do endosso, sendo-lhe entregue o título respectivo[45]

Como toda declaração cambial, é o endosso ato unilateral e abstrato. Mas repousa, evidentemente, sobre um negócio de transmissão, que é bilateral e causal (desconto, doação, pagamento, etc) e constitui a relação subjacente determinante do endosso.

Formalmente, o endosso contém uma ordem de pagamento dada ao sacado, ou aceitante, (ou emitente da nota promissória), pelo endossador que, proprietário do título, o transfere ao endossatário. Nasceu, como vimos, sob a figura do mandato do qual, insensivelmente se passou à da cessão da qual, no termo final de sua evolução, o endosso se distingue radicalmente.

É assim que, enquanto a cessão é sempre contrato bilateral, o endosso constitui ato unilateral; a cessão pode revestir qualquer forma, e o endosso é ato formal; a cessão é ato causal, o endosso , abstrato. A cessão transfere ao cessionário um direito derivado, , o direito do cedente, o endosso não transfere ao endossatário o direito do endossador; transfere-lhe o título, com os direitos nele assegurados, a seu legítimo possuidor. O endossatário adquire o direito literal, e autônomo resultante do título, completamente imune às exceções que, na pessoa do antecessor, poriam paralisar a eficácia da promessa nele contida.

É assim, que o endossatário sucede “ao endossador na posse do título que lhe é transmitido, sem suceder-lhe na relação jurídica existente entre o devedor e o endossador. Constitui, pois o endosso não cessão, mas forma particular de alienação de cousa móvel, que é a letra de câmbio ou o título à ordem , em geral.[46]

Distingue-se, então, com sempre maior nitidez o endôsso da cessão; o endôsso respeita à transferência do título; a cessão, ao contrário, concerne a transferência do direito; na doutrina do séc. XIX se acrescentará ser, no endôsso, a transferência do título o prius e a transferência do direito, o posterius; decorre, portanto, da transferência do título, a aquisição – portanto autônoma – do direito nêle mencionado.[47]

Portanto, é extremamente necessário o amadurecimento da presente discussão, diante o entendimento de que é no mínimo muito simplista a solução encontrada pelos eminentes julgadores. A simples equiparação do endosso, instituto próprio de Direito Cambiário ao instituto da cessão, absolutamente diverso, está causando nítido prejuízo às pessoas físicas capazes que postulam a exigência de seu crédito.

A supressão do instituto do endosso nos juizados especiais cíveis verificada, está causando também a própria supressão da existência do documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo, nele mencionado[48]., o que o Direito Cambiário e a justiça não podem permitir.

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Sobre o autor
Henrique Brito

Advogado militante em Direito Empresarial, Consumidor, Civil e de Família desde 2003. Graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos e Pós Graduado em Direito de Empresas pelo CAD - Centro de Atualização em Direito em 2005. Ex diretor da ONG IJUCI/MG - Instituto Jurídico Para Efetivação da Cidadania em exercício complementar à Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais de 2004 a 2009. Residente nos Estados Unidos da América de 2009 a 2015 com atuação no comércio Norte-Americano. Especialista em Direito Norte Americano pela FAU - Florida Atlantic University em Boca Raton - Flórida - Estados Unidos da América em 2013. Fluente na língua Inglesa. Atuou como Franqueador de Rede de Franquias durante 2016 e exerceu a Diretoria Jurídica da franqueadora em 2017, militando atualmente como advogado no setor de Franchising, em escritório próprio “Carvalho Brito Advogados” em parceria estrutural com grande rede de escritórios nacionais e internacionais (COS – Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia de conclusão final do curso de DIreito apresentada à Faculdade de Direito Milton Campos em 2004. Fruto de prática profissional associada a matéria de Títulos de Crédito de grande apreço do autor.

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