Supressão do instituto do endosso nos juizados especiais cíveis

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30/01/2018 às 11:43
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4. PROJETO DE ADEQUAÇÃO DO ARTIGO 8º, §1º DA LEI 9.099/95

Com o estudo da presente questão, resta-nos alicerçada a necessidade de mudança do citado dispositivo legal para fielmente representar o objetivo da norma.

É facilmente compreensível o intuito do legislador, no sentido da prevenção quanto as fraudes de transferências de direitos de uma pessoa jurídica a outra pessoa física.

De fato existe grande interesse das expressivas corporações na utilização do rito especial. Grandes empresas possuem grande fluxo de crédito e não raras as vezes socorrem-se no judiciário para promoverem a recuperação do mesmo. Postular nos juizados especiais representa para as grandes organizações iminente diminuição dos gastos com a administração da justiça, considerando o não pagamento de custas e taxas judiciárias, honorários advocatícios, bem como a redução de despesas com a celeridade na solução dos conflitos.

No entanto, o que ocorre é que o texto legal atualmente em vigor, na esteira reversa das pretensões de seu criador, abre margens para possíveis fraudes a partir do momento que a previsão de exclusão do cessionário não compreende as demais formas de transferência de direitos (cisão, incorporação, atos judiciais, falência, pagamento da dívida pelo avalista, e como no caso em estudo, o endosso).

Nos dizeres de JOSË XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA (1963), o “endossatário não é sucessor jurídico do endossante”. Isso posto, o endossatário adquire um direito próprio, em função do título e não direito de cessionário, conferido por cessão. Portanto pode-se dizer que, o endossatário é tão somente um sucessor patrimonial do endossante, mas jamais dos direitos que eram específicos da pessoa jurídica. Os direitos do endossatário estarão literalizados no título, totalmente abstratos e autônomos de sua causa originária e se emanam em função do próprio documento, que como já visto é constitutivo de direitos. É a sistemática de segurança na transferência dos direitos creditícios próprias do Direito Cambiário.

Transcrevemos, mais uma vez, a título de conforto de leitura, o dispositvo legal em comento, in verbis:

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. [49]

Desta feita, é conclusivo que, considerando o atual texto do artigo 8º, §1º da Lei 9.099/95, em vigor, os efeitos da exclusão de legitimidade ativa dos cessionários de direitos de pessoas jurídicas, nos juizados especiais cíveis, não podem ser aplicados ao endossatário.

Assim, para que a Lei cumpra seu objetivo de prevenção às fraudes, cumpriria-se alterar o presente dispositivo legal nos seguintes termos e a partir da imaginária sugestão legislativa:

“LEI Nº XXXXXX, DE 30 DE SETEMBRO DE 2004

Modifica o §1º do art. 8º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O §1º do art. 8º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 8º .................................................................

§1º. Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os sucessores de direitos de pessoas jurídicas, assim como os sucessores patrimoniais dos títulos desses direitos."(NR)

Brasília, 30 de setembro de 2004; 183º da Independência e 116º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA”

Alterados os termos do dispositivo, estariam sendo abrangidas todas as formas de transferência de direitos de uma pessoa jurídica a uma pessoa física, retirado o enfoque indevido dado à cessão, que é tão somente um dos meios de circular os direitos.

A alteração traz à baila a questão principal afeta aos dois tipos de sucessão produzidas pela transferência de direitos, a patrimonial pura e a jurídica, plena.

Repete-se a exaustão que a pretensão deste trabalho é puramente acadêmica, com vias a criar uma discussão necessária acerca dos fatos que cercam a Supressão do Instituto do Endosso nos Juizados Especiais Cíveis. A partir do debate, será possível delinear os rumos da interpretação do artigo vigente ou a necessidade de sua retificação, como aliás, já fica sugerido.


CONCLUSÃO

As negociações de crédito, correspondentes às troca de dinheiro presente por uma obrigação futura, lastreada nos elementos de confiança e tempo, sempre foi, como ainda é, um dos negócios mais realizados de um canto a outro do planeta.

Os títulos de crédito se inserem nesse contexto para conferir a ferramenta mais apurada para materialização e transferência, com segurança, de todas as operações realizadas por milhares de pessoas no dia a dia, desde os cidadãos comuns até os grandes negociantes de crédito.

Cobertos de princípios próprios, sempre afetos ao Direito Cambiário, os títulos de crédito apresentam-se como um documento especial, que encerra direitos literais, autônomos e abstratos de sua causa, cuja principal função é a transferência do crédito, com segurança entre aqueles que os negociam.

Meio próprio para realização da transferência da propriedade e dos direitos inerentes aos títulos de crédito, o instituto do endosso pode ser considerado uma das maiores e mais significativas consequências da maior inovação em matéria cambiária, que é a cláusula à ordem.

Desta feita, com o presente trabalho pode-se perceber as mais variadas nuanças deste instituto cambiário que é o responsável pelo alto dinamismo que os títulos de crédito oferecem aos negócios, propiciando a facilitação da vida dos homens e a evolução dos povos.

Exatamente por ser um instituto próprio, de finalidades específicas, afeto ao Direito Cambiário e necessário para a transferência plena dos direitos emergentes dos títulos de crédito, que não representa sucessão jurídica entre endossante e endossatário, que forma uma cadeia de obrigados solidários cambiais, que o instituto do endosso não pode ser levianamente comparado às outras formas de circulação, extra cambiárias.

A partir desse ponto de vista, realizou-se profunda análise da Lei 9.099/95, no sentido de ser um juízo criado para beneficiar as pessoas físicas capazes, que se interessem por uma justiça célere e eficaz, na exigência e prestação jurisdicional sobre seus direitos.

Ocorre que, a partir de uma interpretação polêmica do artigo 8º, §1º, da Lei 9.099/95, as pessoas físicas capazes, endossatárias de títulos de créditos conferidos por pessoas jurídicas, estão sendo impedidas de postular suas execuções cambiais em juízo, sob o fundamento de se enquadrarem no mesmo tratamento jurídico definido na Lei, aplicáveis aos cessionários de direitos de pessoas jurídicas.

A partir desse fato, o trabalho demonstra que endosso não é cessão. Todos os maiores doutrinadores de Direito Cambiário, desde os clássicos Túllio Ascarelli, Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Pontes de Miranda e João Eunápio Borges, dentre outros, até a doutrina mais moderna representada pelos Professores Wille Duarte, Fran Martins, Fábio Ulhoa Coelho dentre outros, são absolutamente uníssonos em conferir tratamento jurídico distinto aos institutos do endosso e da cessão Civil.

Isso pelo fato de o endosso não transferir direito próprio do endossador, e sim direito autônomo, literal e abstrato, presente no título e em função deste, ao passo que a cessão corresponde meio de transferência de direitos pessoais do cedente. O endosso não desobriga o endossatário pelo fato da transferência dos direitos, sendo que este responderá pela existência e pelo pagamento do valor transferido. Já na cessão o cedente se desonera da obrigação ao transferir seu direito ao cessionário, respondendo tão somente pela existência da mesma.

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Rememore-se as palavras do sábio professor, JOSÈ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA(1963, p. 429) de que:

Endôsso nos títulos à ordem não quer dizer cessão. A sua admissão não teve por escopo somente facilitar a transferência, mas, especialmente, aumentar  a segurança do possuidor e o valor e crédito dêsses títulos. Êle difere substancialmente da cessão[50]

Sendo assim, não podem os endossatários simplesmente receber tratamento jurídico de um cessionário de direitos. É necessária uma discussão a respeito, sob pena do enfraquecimento de um instituto cambiário secular, importantíssimo para as operações de crédito, com segurança em todo o mundo.

Por fim, em função do incômodo que a situação representa nos meios cambiários, o trabalho apresenta duas soluções para se evitar de vez o cancro cambiário que se vislumbra. Ou a interpretação do artigo 8º, §1º da Lei. 9.099/95 é reconsiderada pelos julgadores dos juízos especias, no sentido de se permitir a cabal utilização do instituto cambiário, ou será imperativa a edição de Lei Ordinária, com vias a alterar o dispositivo citado, para que, se for o caso, venha realmente suprimir o instituto do endosso, de forma direta, correta e eficaz, nos termos da sugestão legislativa inserida no presente estudo.

É, portanto, a presente monografia apresentada à Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título de Bacharel em Direito, posta à apreciação da banca examinadora.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASCARELLI, Tullio. Panorama do direito comercial, São Paulo. Saraiva, 1947.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Referências bibliográficas: NBR 6023. São Paulo: ABNT, 2002.

BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro,: Forense 1971

COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Vol. 1, São Paulo, Saraiva, 2004.

COSTA, Wille Duarte. Tìtulos de crédito: Belo Horizonte, Del Rey, 2003.

FERREIRA, Waldemar, Tratado de Direito Comercial, Vol. VIII, São Paulo, Saraiva, 1962.

HENRIQUES, Antônio, MEDEIROS, João Bosco. Monografia no curso de direito. São Paulo: Atlas, 1999.

MARTINS, Fran, Títulos de Crédito, Vol. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2002.

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, Vol. V, São Paulo, Freitas Bastos, 1963.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Cambiário,. Vol. I, Campinas, Bookseller, 2001.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Títulos de Crédito e Outros Títulos Executivos. São Paulo, Saraiva, 1988.

VIVANTE, Cesar, Tratado de Direito Comercial, 5ª ed., vol. III.

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Sobre o autor
Henrique Brito

Advogado militante em Direito Empresarial, Consumidor, Civil e de Família desde 2003. Graduado pela Faculdade de Direito Milton Campos e Pós Graduado em Direito de Empresas pelo CAD - Centro de Atualização em Direito em 2005. Ex diretor da ONG IJUCI/MG - Instituto Jurídico Para Efetivação da Cidadania em exercício complementar à Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais de 2004 a 2009. Residente nos Estados Unidos da América de 2009 a 2015 com atuação no comércio Norte-Americano. Especialista em Direito Norte Americano pela FAU - Florida Atlantic University em Boca Raton - Flórida - Estados Unidos da América em 2013. Fluente na língua Inglesa. Atuou como Franqueador de Rede de Franquias durante 2016 e exerceu a Diretoria Jurídica da franqueadora em 2017, militando atualmente como advogado no setor de Franchising, em escritório próprio “Carvalho Brito Advogados” em parceria estrutural com grande rede de escritórios nacionais e internacionais (COS – Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia de conclusão final do curso de DIreito apresentada à Faculdade de Direito Milton Campos em 2004. Fruto de prática profissional associada a matéria de Títulos de Crédito de grande apreço do autor.

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