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Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações comerciais religiosas

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João Victor Nogueira de Araújo
Agenda 04/03/2018 às 21:30

2- RELIGIÃO E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Estado Brasileiro, apesar de laico, tutela o direito de liberdade de consciência e crença na Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 (CRFB/1988), conforme se observa pelo disposto no art. 5º, VI e VIII da CRFB/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[...] 

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Diversos são os dispositivos que demonstram a preocupação do constituinte com a liberdade de escolha religiosa dos indivíduos, havendo inclusive estímulo estatal para o ensino religioso, como se depreende da leitura do art. 210, §1º, CRFB/1988:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Assim, o Brasil, apesar de ser Estado laico, não é ateu, e inclusive, como se observa pelo artigo acima, estimula que tenham os cidadãos contato com a espiritualidade, não priorizando, no texto constitucional, nenhuma religião em específico.

Antes um país essencialmente dominado por católicos, com taxa de 99,7% de católicos em 1872, atualmente o Brasil possui maior diversidade religiosa, tendo o catolicismo reduzido em termos percentuais e absolutos e os evangélicos crescido cada vez mais, alcançando, em 2010, a marca de 42,3 milhões de pessoas, conforme dados do IBGE:

Os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil no período intercensitário. Em 2000, eles representavam 15,4% da população. Em 2010, chegaram a 22,2%, um aumento de cerca de 16 milhões de pessoas (de 26,2 milhões para 42,3 milhões). Em 1991, este percentual era de 9,0% e em 1980, 6,6%.

Já os católicos passaram de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010. Embora o perfil religioso da população brasileira mantenha, em 2010, a histórica maioria católica, esta religião vem perdendo adeptos desde o primeiro Censo, realizado em 1872. Até 1970, a proporção de católicos variou 7,9 pontos percentuais, reduzindo de 99,7%, em 1872, para 91,8%.

O crescimento dos evangélicos se deu a partir da década de 1960, principalmente com seguidores da Assembleia de Deus, uma igreja montada sem grandes ornamentos, receptível às pessoas mais humildes, que confortavelmente se sentavam em locais simples e humildes. Nas palavras de Blainey (2011, p. 314-315):

Como o mais populoso país da América Latina, o Brasil atraiu sua cota de pregadores pentescostais, em especial da Assembleia de Deus, uma seita que então surgia.

Os cidadãos brasileiros logo aceitaram o movimento. A partir da década de 1960, as conversões aconteciam com frequência impressionante. Era fácil abrir uma Igreja Petencostal. Aquela versão espartana do cristianismo não precisava de cruzes, altares, tapetes, assentos confortáveis nem instrumentos musicais. Para os assentos, 50 caixas de madeira e 20 cadeiras simples de plástico. Até o púlpito ou a estante eram opcionais, pois a maioria dos pastores falava sem consultar anotações. Centenas dessas igrejas foram instaladas na sala da frente das casas, em lojas e cinemas desativados, pequenos galpões para reparos mecânicos em veículos. Os pobres se sentiam à vontade em templos improvisados, onde não era preciso vestir boas roupas. Que eles talvez nem tivessem.

Conforme os dados obtidos no Censo 2010 (p.92), portanto, o Brasil é um país ainda predominantemente católico, sendo: 64, 6% de católicos, 22,2% de católicos, 8% de pessoas sem religião, 2,7% de pessoas de outras religiosidades, 2% de espíritas, 0,3% praticantes de umbanda e candomblé, e 0,1% não soube ou não declarou.     


3 – VENDA DE PRODUTOS RELIGIOSOS E CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO CONSUMERISTA

A primeira indagação deste artigo é se o CDC pode ser aplicado a produtos, supostamente ungidos e milagrosos, vendidos pelas mais diversas igrejas. São vassouras, garrafas d’água, tijolos, fronhas e os mais variados objetos que são vendidos como tendo o poder de transformar a vida dos crentes, eis que de alguma forma abençoados e que produzirão seus efeitos assim que em posse dos fiéis. Abaixo, Foram colacionados alguns trechos de propaganda veiculada por representantes dessas igrejas, retirados do site youtube. No primeiro trecho, vende-se água ungida:

Nós vamos enviar pra você. É claro que quando você ligar, nós vamos deixar separado a sua água, aí depois que você realizar o seu depósito, você vai realizar ou no Banco do Brasil ou no Banco do Bradesco, Banco do Brasil ou Banco do Bradesco, você vai realizar (...)”.

Em outra situação, vende-se uma fronha abençoada, pelo valor de R$ 91,00:

Você vai ligar e pedir pra separar a sua fronha, e aí você vai no banco e lá no banco você deposita R$ 91,00, pega o comprovante do depósito, envie para o endereço de correspondência que está aí na sua tela e nós vamos enviar pra você essa fronha ungida e consagrada”.

Vende-se ainda uma colher ungida, que em tese vai abençoar qualquer coisa que tocar:

“Você vai ter em casa essa colher, essa ferramenta, amém? Essa aí não é pra você enfiar no cimento não, isso aí é ungido! Isso aí é pra você tocar nos seus projetos, no seu contrato, no seu processo, aonde você tocar vai ser abençoado!”

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Neste último caso, era exibido em vídeo “Prudente Construtor: Oferta de R$ 153,00. Ligue agora na Central Telefônica”.

Questiona-se se nesse caso é possível a aplicação do CDC.

A relação parece se enquadrar bem nos arts. 2º e 3º do CDC eis que de um lado há um profissional comercializando um produto e de outro um consumidor que o adquire na condição de destinatário final.

Não apenas isso. Marcante é a presença da vulnerabilidade do consumidor neste contexto. No que tange à vulnerabilidade técnica, sua presença é indiscutível. O consumidor não faz parte da elaboração da mercadoria vendida, não sabe de forma pormenorizada as características dos materiais utilizados no produto, sendo este já adquirido em sua forma final. É o que afirma Silva (2012, p.119):

Ora, é de rigor ressaltar que a vulnerabilidade técnica dos consumidores de bens simbólicos de religião salta aos olhos, principalmente quando lhes são possibilitados apenas participar de um produto já pronto e acabado. Assim, o convite é sempre de adesão.

 A vulnerabilidade informacional, por sua vez, é intrínseca a qualquer consumidor, não sendo diferente no caso em apreço, eis que, conforme Marques (2012, p. 94), a informação “é abundante, manipulada, controlada e, quando fornecida, no mais das vezes, desnecessária”.

Em relação à vulnerabilidade jurídica ou científica, pode ela existir ou não, tal como nas demais relações de consumo, valendo a presunção de que existe para o consumidor pessoa física e de que não existe para os profissionais e pessoas jurídicas, como estipulado por Marques (2012, p. 90).

A vulnerabilidade socioeconômica se expressa quando se verifica o poder financeiro que as igrejas possuem, pagando horários na televisão ou até mesmo comprando canais de televisão para realizar propagandas massivas e repetitivas. Jornais, revistas, outdoors são utilizados na difusão dos ideais religiosos e produtos são fabricados ou comercializados em larga escala, exigindo um grande aparato econômico que sustente todos os gastos. Neste sentido, Silva (2012, p.117) explica:

Na vulnerabilidade econômica, constatamos que as instâncias promotoras do sagrado, na maioria dos casos, apresentam forças econômicas significativamente maiores do que a de seus consumidores. Basta, para tanto, considerarmos que muitos entes que ofertam bens simbólicos de religião são constituídos como verdadeiras empresas que além do mercado religioso, seu nicho principal, exploram ainda múltiplos mercados, fator este que evidencia a condição de desequilíbrio em face dos consumidores.

Silva afirma ainda que existe uma vulnerabilidade específica para a relação de consumo religiosa, que seria a vulnerabilidade teológica, sendo definida como a falta de conhecimento que as pessoas possuem acerca das teses inerentes ao campo da teologia, acreditando elas na palavra que é transmitida pelas autoridades religiosas (2012, p. 122):

[...] Além das vulnerabilidades já expostas, encontramos no campo religioso, em particular, a vulnerabilidade teológica, pois a Teologia é uma ciência que, em decorrência de complexidades próprias ao seu ramo do saber, foge ao domínio do homem médio.

[...]

Assim, sublinhamos que as pessoas comuns não compreendem exatamente os termos e teses inerentes ao campo da teologia e, em função disso, estão à mercê do que é afirmado pelas instâncias promotoras do sagrado, quando da criação e distribuição de bens simbólicos de religião.

Apesar de delimitada pelo autor como uma espécie de vulnerabilidade específica para o campo das relações religiosas, entendemos que ela está abrangida na vulnerabilidade informacional.

Verifica-se, portanto, que de um lado, há a presença de um fornecedor, que atua de forma habitual vendendo serviços religiosos, e de outro, há um consumidor, vulnerável como qualquer outro. Considerando a redação aberta do Código de Defesa do Consumidor, não se configura nenhum motivo razoável para a não aplicação do CDC quando da venda de objetos religiosos. Nas palavras de Silva (2012, p. 167),

A pertinência da aplicação do Código de Defesa do Consumidor para a defesa dos interesses dos fiéis-consumidores, reais ou potenciais, é de rigor. Notadamente quando levamos em consideração que referido diploma legislativo foi concebido ideologicamente para a defesa de partícipes de relações jurídicas que estão em condições de desigualdade, de desequilíbrio.

No mesmo sentido, para Mário Carvalho (2104, s/n),

Importa dizer que do dispositivo legal não encontramos nenhuma exceção para que a igreja não possa ser considerada fornecedora de bens ou serviços, dessa forma, é intuitivo que havendo uma relação jurídica que envolva o pagamento por parte do membro da igreja e, em contra partida, haja promessas da igreja de que as demandas serão atendidas através dos serviços eclesiásticos, podemos subsumir que houve uma contratação consensual, não solene, regida por regras consumeristas do artigo 14 do CDC, de responsabilidade objetiva, para, pelo menos, tais agremiações serem obrigadas a restituir os valores recebidos, se, ao final de prazo razoável, Deus, os santos, ou outras entidades espirituais, não tiver executado o favor que o sacerdote prometeu que seria prestado pelo Ente espiritual, invocado através do sacerdote e de sua congregação.

Interessante questão é a seguinte: se um desses objetos vier com defeito de fabricação (ex: a colher abençoada supracitada), não há grande margem de dúvidas para a aplicação do art. 18, CDC, transcrito abaixo:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

[...]

No entanto, não é este o caso intrigante quando se pensa acerca da aplicação do CDC para a comercialização de produtos religiosos. Questiona-se: por que um fiel pagaria R$ 153,00 em uma colher? Ou R$ 91,00 em uma fronha? O consumidor não paga mais caro por falta de opção. Ele sabe que esses preços são muito mais elevados que a média de mercado. O objetivo do fiel ao comprar tais produtos não é a utilização deles para os fins a que comumente se destinam, mas sim o de obter a graça, milagre ou bênção que a figura religiosa afirmou existir naquele produto[2].

E se a graça, milagre ou bênção não for alcançado? Neste caso, poderia restar caracterizada a publicidade enganosa, se a figura religiosa dolosamente veiculou publicidade que sabia ser inteira ou parcialmente falsa, ou abusiva, se, por exemplo, a publicidade induziu o consumidor a abandonar tratamentos médicos para ser curado por produtos supostamente miraculosos, nos termos do art. 37, CDC?

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

§ 4° (Vetado).

Entendemos ser plenamente aplicável o dispositivo, eis que já estabelecida a aplicação do Código de Defesa de Consumidor em sua inteireza às relações de consumo religiosas.

O principal argumento contrário a se considerar que a publicidade pode ser considerada enganosa se a bênção não for alcançada é a de que a figura religiosa oferece apenas um caminho entre o fiel e a entidade religiosa (geralmente Deus), não podendo garantir que o objetivo seja efetivamente alcançado, eis que isso depende do nível de fé, sacrifício e outras características do fiel e da vontade de Deus. A figura religiosa serviria apenas como aproximação, mas não poderia agir em nome de Deus.

Em outras palavras, a alegação seria a de que a figura religiosa teria apenas obrigação de meio, mas nunca obrigação de resultado, no mesmo sentido em que um advogado não tem a obrigação de vencer a lide, mas de atuar de forma diligente no sentido de empreender todos os esforços possíveis para dar a vitória ao seu cliente. No entanto, há de se lembrar que a obrigação de meio não afasta de modo algum a aplicação do CDC. Na verdade, a obrigação de meio caracteriza responsabilidade subjetiva, cabendo ao autor da ação provar a culpa do fornecedor em não ter atuado de forma diligente. Ocorre que, muitas das vezes, a figura religiosa oferece o produto sob a promessa de um resultado. Os termos são “se você adquirir tal produto, você terá sucesso em tal área (amorosa, profissional, felicidade interna, etc)”. E este caso desnatura a obrigação de meio, configurando verdadeira obrigação de resultado. Nessa linha de raciocínio:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. PUBLICIDADE ENGANOSA. OBRIGAÇÃO DO ADVOGADO. GARANTIA DE RESULTADO. DESNATURA A OBRIGAÇÃO DE MEIO DO PROFISSIONAL QUANDO HÁ PROMESSA DE RESULTADO FINAL. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DESÍDIA DEMONSTRADA NO CASO VERTENTE. TÁTICA DE DEFESA DOS INTERESSES DO CLIENTE QUE NÃO SE COADUNA COM OS ELEMENTOS CONSTANTES NOS AUTOS DA AÇÃO REVISIONAL PROPOSTA. DANO MORAL CONFIGURADO NA ESPÉCIE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. (Apelação Cível Nº 70053294385, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em 15/05/2013).

(TJ-RS. AC: 70053294385 RS. Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos. Décima Quinta Câmara Cível. Data de Julgamento: 15/05/2013).

Neste caso, não se caracteriza necessariamente a responsabilidade objetiva do profissional, a qual continua subjetiva, havendo, no entanto, segundo a melhor doutrina, a presunção de culpa do contratado, o qual deve provar que atuou de forma diligente. Nesta toada, ensinamento de Rui Stoco (2013, p. 161):

[...] em ambas [obrigações de meio e de resultado a responsabilidade do profissional está escorada na culpa, ou seja, na atividade de meios culpa-se o agente pelo erro de percurso mas não pelo resultado, pelo qual não se responsabilizou. Na atividade de resultado culpa-se pelo erro de percurso e também pela não obtenção ou insucesso do resultado, porque este era o fim colimado e avençado, a "meta optata".

[...]

No primeiro caso (obrigação e meio) cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. No segundo (obrigação de resultado) presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ônus da prova, pela simples razão de que os contratos em que o objeto colimado encerra um resultado, a sua não obtenção é "quantum satis" para empenhar, por presunção, a responsabilidade do devedor. 

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. SUPERVENIÊNCIA DE PROCESSO ALÉRGICO. CASO FORTUITO. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE.

[...]

2. Em procedimento cirúrgico para fins estéticos, conquanto a obrigação seja de resultado, não se vislumbra responsabilidade objetiva pelo insucesso da cirurgia, mas mera presunção de culpa médica, o que importa a inversão do ônus da prova, cabendo ao profissional elidi-la de modo a exonerar-se da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente, em razão do ato cirúrgico.

[...]

(STJ. REsp 985888 SP 2007.  Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Data de Julgamento: 16/02/2012).

Assim, em suma, conclui-se pelo seguinte: o CDC é plenamente aplicável às relações de consumo religiosas. No caso de venda de produtos que supostamente possuem aspectos imateriais que permitirão que alguma graça seja alcançada, caracteriza-se a promessa de um resultado, desnaturando-se a obrigação de meio e se configurando uma obrigação de resultado. Neste caso, se a benção não for alcançada em prazo razoável, é possível exigir a responsabilização civil do vendedor, cabendo ao fornecedor, provar que agiu de modo diligente para que a benção fosse alcançada (ex: a água vendida veio de um monte sagrado de Israel; diversas pessoas que compraram a colher abençoada melhoraram substancialmente na vida financeira).  Caso o fornecedor não se desincumba do ônus da prova, caracterizada estará sua responsabilidade civil e, eventualmente, publicidade enganosa ou abusiva.           

Sobre o autor
João Victor Nogueira de Araújo

Advogado e Assessor Jurídico na Procuradoria de Assessoramento Jurídico à Chefia do Poder Executivo, na Procuradoria-Geral do Estado do Pará (PGE-PA). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), tendo sido honrado com láurea acadêmica por ter tido a maior média do curso. Foi membro da Clínica de Prevenção e Combate ao Superendividamento do CESUPA, do grupo de pesquisa "O Capital no Século XXI: Piketty e a Economia da Desigualdade" e monitor da disciplina Direito Constitucional I e II. Coautor do livro "O Capital no Século XXI: Piketty e a Economia da Desigualdade".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, João Victor Nogueira. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às relações comerciais religiosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5359, 4 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63943. Acesso em: 17 nov. 2024.

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