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A tutela penal do ambiente

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Agenda 09/04/2018 às 13:30

4 DIREITO PENAL

4.1 PRINCÍPIOS DE DIREITO PENAL

4.1.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU DA RESERVA LEGAL

O princípio da legalidade ou da reserva legal tem base constitucional no art. 5º, XXXIX da CF/88, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Para a doutrina, “a elaboração de normas incriminadora é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente” (BITENCOURT, 2015, p. 51).

O princípio em tela é baseado na fórmula latina nullum  crimen, nulla poena sine lege, consagrado no início do século XIX. De tal forma que não há crime sem que haja lei anterior que o defina. Em outras palavras, para que tal fato seja considerado criminoso deve haver anteriormente uma lei que o defina como tal.

Salienta-se que a lei que define o ato criminoso deve ser uma lei formal. Neste sentido, o art. 21, I da Constituição Federal estabelece que compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal.

4.1.2 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8º, estabelece que a lei somente deve prever as penas estritamente necessárias. Desde então nasceu o princípio da intervenção mínima ou da necessidade, segundo o qual “é legítima a intervenção penal apenas quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do ordenamento jurídico” (MASSON, 2014, p. 40).

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que

A missão do direito penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em casos de lesões de maior gravidade (HC 50.863/PE, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma, j. 04.04.2006.)

Neste sentido, o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes (BITENCOURT, 2015, p. 54).

Importante ainda ressaltar sobre o princípio da fragmentariedade, corolário do princípio da intervenção mínima. Quanto a fragmentariedade, nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos. Para Cezar Roberto Bitencourt (2015, p. 55) “o Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica”.

Não constitui o direito penal em “sistema exaustivo” de proteção de bens jurídicos. Deve-se, pois, tutelar só aqueles bens jurídicos relevantes.

4.1.3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O DIREITO AMBIENTAL

O princípio da insignificância ou princípio da bagatela defende que “o Direito Penal não deve se ocupar de assuntos irrelevantes, incapazes de lesar o bem jurídico legalmente tutelado” (MASSON, 2014, p. 26).

Este princípio desempenha uma interpretação restritiva do direito penal e funciona como causa de exclusão da tipicidade. O princípio “alberga a necessidade de realizar uma ponderação racional quanto ao valor atribuído ao bem violado, afastando a tutela penal da situação concreta caso se comprove o desprovimento de conteúdo axiológico” (DUARTE; GENTILE, 2009).

A primeira decisão jurisprudencial em que se reconheceu a aplicação da insignificância ou bagatela no país foi no julgamento do Habeas Corpus nº 66.869-1, como lembra Leal Júnior (2007): “Acidente de trânsito. Lesão Corporal. Inexpressividade da lesão. Princípio da insignificância. Crime não configurado”.

Para Bitencourt (2015, p. 60) “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficientemente para configurar o injusto típico”.

Salienta-se, ainda, que o princípio em tela foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin, em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema de Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor[2]

Ademais, ressalta-se que o princípio da insignificância é amplamente aceito na jurisprudência brasileira, havendo a necessidade de se observar a proporcionalidade caso a caso.

Em observância ao tema objeto do presente trabalho, é preciso fazer uma análise, ainda que sucinta, do princípio em epígrafe e sua aplicação na seara do Direito Ambiental.

Muito embora o princípio da bagatela tenha ampla aceitação pela jurisprudência e doutrina pátrias, na seara ambiental há divergências. Nas palavras de Leal Júnior (2007) “a doutrina ainda se mostra cautelosa, sem assumir uma postura conclusiva a respeito, recomendando apenas atenção ao caso concreto a às especificidades da proteção ambiental”, não sendo diferente na jurisprudência, “onde ainda não existe posição segura e consolidada a respeito, sendo encontradas decisões nos dois sentidos, sempre levando em conta as circunstâncias específicas do caso concreto”.

A aplicação do princípio da insignificância no direito ambiental não pode ser a mesma do direito penal, “há que se considerar, perquirir e analisar as circunstâncias do caso concreto já que a aplicação ou não do princípio da insignificância passa substancialmente pela questão do equilíbrio ecológico envolvido in casu e não apenas pela suposta relevância ou insignificância das condutas” (DUARTE; GENTILE, 2009)

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Ademais, Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas advertem que “apesar de ser possível a aplicação do referido princípio no campo do Direito Penal Ambiental, essa aplicação deve estar revestida de cautela, pois as consequências do delito deve ser pesada (sic) considerando-se a influência no ecossistema local e na cadeia alimentar, bem como deve ser analisada a quantidade de espécimes na região e investigar se não há relacionamento com as espécies ameaçadas de extinção” (FREITAS, 2006, p. 45).

O presente trabalho defende a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância no Direito Ambiental, sempre de forma cautelosa, analisando caso a caso e atentando para as observações acima.

Corroborando com nosso entendimento, recentemente o Tribunal Regional Federal da 1ª Região exarou o seguinte julgado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. PESCA EM LUGAR INTERDITADO. ART. 34 DA LEI Nº 9.605/98. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. O princípio da insignificância é aplicado aos crimes ambientais, de modo excepcional e de maneira cautelosa, quando se verificar mínima ofensividade e ausência de reprovabilidade social da conduta. 2. O crime praticado pelos réus, pesca em lugar interditado de 1 (um) peixe da espécie dourado, de cerca de sete quilos, de forma artesanal e de subsistência, não provocou lesão relevante ao meio ambiente. 3. A reiteração criminosa verificada contra um dos acusados não se traduz em aumento da reprovabilidade social de sua conduta, pois não foi encontrado em seu poder nenhum pescado ou equipamento de pesca. O mesmo pode ser afirmado em relação ao outro réu, que, embora tenha praticado fato semelhante em data anterior, também praticou a pesca irregular de modo artesanal e para subsistência, tendo sido encontrado em seu poder 1 (um) peixe da espécie Dourado de cerca de 7 kg (sete quilos). 4. A sanção administrativa aplicada aos acusados, multa e apreensão do equipamento, é adequada e suficiente aos fins de reprovação e prevenção da conduta praticada. A intervenção do direito penal, neste caso, torna-se desnecessária. 5. Apelação criminal não provida[3].

Assim, a conclusão a qual se chega é da aplicação do princípio ao Direito Ambiental com cautela e com as devidas observações sugeridas pela mais recente jurisprudência do TRF-1.

4.1.4 PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM           

Por este princípio, não se admite, em hipótese alguma, a dupla punição pelo mesmo fato.[4] Não obstante o princípio não estar previsto na Constituição da República, é amplamente reconhecido em jurisprudência:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO E FURTO. (1) IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) MATÉRIA NÃO SUSCITADA ANTERIORMENTE. (3) DOIS INQUÉRITOS POLICIAIS. DUAS DENÚNCIAS PELO MESMO FATO. PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM. VIOLAÇÃO. (4) ORDEM NÃO CONHECIDA. (5) EXPEDIÇÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. 1. Não merece conhecimento a ordem quando empregada, indevidamente, como sucedâneo recursal, máxime quando o tema agitado não tenha sido agitado nas instâncias anteriores. 2. Em respeito ao princípio ne bis in idem, é indevida a sujeição a duas ações penais pelo mesmo fato. Na espécie, o paciente, pela manhã, perpetrou um roubo. No período da tarde, após a prática de um furto, contra outra vítima, veio a ser preso. Em razão da conexão probatória entre as duas infrações, dado que pertences do sujeito passivo do roubo foram apreendidos no inquérito policial pelo furto, sobrevieram duas denúncias, uma por furto e roubo e outra apenas pelo roubo (o mesmo da primeva incoativa). 3. Ordem não conhecida, mas, confirmada a liminar e acolhido o parecer ministerial, expede-se habeas corpus de ofício para, desconstituído o trânsito em julgado, trancar a ação penal 050.07.011722-5, controle 1128/07, da 11ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Capital de São Paulo.[5]           

Muito embora o posicionamento acima há casos em que o princípio tratado não deve ser aplicado. Porém, o presente trabalho não tem o condão de aprofundar o tema, mas tão somente demonstrar a regra geral.

4.2. A NORMA PENAL EM BRANCO E O DIREITO AMBIENTAL

Neste tópico será tratado sobre a norma penal em branco e sua aplicação no direito ambiental, tendo em vista o objeto do presente trabalho.

A maioria das normas incriminadoras, aquelas que descrevem a conduta típica, são normas completas, que possuem preceitos e sanções. No entanto, há algumas normas incompletas, com preceitos genéricos ou indeterminados que precisam da complementação de outras normas. É o que se denomina norma penal em branco.

A doutrina a conceitua como “aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou complementação” (PRADO, 2001, p. 96).

Aníbal Bruno (2003, p. 123) definiu a norma penal em branco da seguinte forma:

A norma integradora estabelece, então, as condições ou circunstâncias que completam o enunciado do tipo da lei penal em branco. Traz para a lei em branco um complemento necessário, mas na lei penal é que se encontra, embora insuficientemente definido, o preceito principal. A norma complementar resulta uma fonte subsidiária do Direito Penal, mas uma fonte importante porque as condições que ela estabelece irão constituir elementos integrantes do tipo da lei penal em branco e determinar a aplicação da sanção.

Como exemplo de norma penal em branco Cezar Roberto Bitencourt (2015, p. 201) cita o art. 268 do Código Penal, que descreve como conduta proibida “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. Segundo o jurista “para a delimitação do conteúdo exato dessa proibição torna-se necessário acudir às determinações dos Poderes Legislativo e Executivo em matéria de prevenção de doenças contagiosas.

Outro exemplo, agora na seara ambiental, seria o previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que prevê como crime “pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente”. A lei não define quais os períodos em que a pesca é proibida, sendo necessária, pois, sua regulamentação[6].

Renato Marcão (2013, p. 115) assegura que

A configuração do disposto no art. 34 reclama existência de normas complementares, extrapenais, que especifiquem as proibições e limitações que devem ser violadas para que se tenha por configurada qualquer das modalidades típicas.

E conclui o autor:

Nestes termos, estamos diante de norma penal em branco, porquanto imprescindível a complementação normativa para que ocorra o aperfeiçoamento da conduta indesejada: a incidência típica penal.

Salienta-se que a doutrina classifica a norma penal em branco em duas vertentes. As normas penais em branco em sentido amplo (homogêneas) e aquela em sentido estrito (heterogêneas). As primeiras são as normas penais em branco cujo “complemento é oriundo da mesma fonte legislativa que editou a norma que necessita desse complemento” (GRECO, 2003, p. 25). Em outras palavras, sua complementação advém do mesmo códex. Por assim dizer, a mesma legislação que regulamenta a norma penal é aquela que a cria.

Quanto às normas em sentido estrito, estas “se utilizam de fontes formais heterogêneas, porque o órgão legiferante é diverso. Ex: o crime contra a economia popular, referente à transgressão da tabela de preços, que é fixada por órgão do Poder Executivo, através de regulamento federal, leis ou regulamentos estaduais ou municipais, tem como complemento da lei penal em branco um complemento de diferente fonte normativa (NUCCI, 2003, p. 58).

Muito embora alguns dispositivos clamem por regulamentação, a aceitação das normas penais em branco não é unânime na doutrina.

A doutrina que vai de encontro à aceitação das normas penais em branco o faz, pois entende que há um desrespeito ao princípio da legalidade, tipicidade e segurança jurídica[7].

Dentre aqueles que são contra as normas penais em branco, Dani Rudnicki e Salo de Carvalho (1997, p. 15) fundamentam a posição contrária não somente por ofensa à legalidade, tipicidade e segurança jurídica, mas também por serem adeptos do Direito Penal mínimo.

No entanto, apesar do entendimento contrário, este trabalho é veemente na defesa da aceitação das normas penais em branco, tendo em vista que não há como o moroso processo legislativo de Terrae Brasilis acompanhar os avanços da sociedade. Desta forma, corroborando com o presente entendimento Luis Paulo Sirvinskas (2011, p. 73) posiciona-se pela necessidade de complementação da lei penal em branco por ato administrativo, em seu caso na seara ambiental, citando o exemplo dos pássaros em risco de desaparecimento da fauna nacional, desde que não se crie novo tipo penal, porquanto “não seria possível esperar a tramitação de uma lei até sua promulgação para se proteger uma espécie silvestre ameaçada de extinção”

Quanto a doutrina que aceita a aplicação da norma penal em branco cite-se ainda Vladimir e Gilberto Passos de Freitas (2006, p. 35)[8] e Welton Rubenich (2014), que tece os seguintes comentários:

Nessa linha de raciocínio, por mais sensatas as críticas às normas penais em branco, considerando-se o caráter fragmentário do Direito Penal e sua acessoriedade ao Direito Administrativo na tutela do meio ambiente, o legislador não deve prescindir do seu emprego, pois não é função do Direito Penal – e nem teria como – por exemplo, estabelecer todo o sistema de licenciamento, o que pode ser considerado poluição, identificar quais as espécies protegidas ou onde serão permitidas certas atividades, sob pena de converter-se em mero regulamento

Os críticos deste entendimento, reitera-se, relatam que a utilização da técnica da norma penal em branco afronta diretamente o princípio da legalidade, como se observará adiante.

O princípio da legalidade, como já demonstrado em epígrafe, é aquele em que “nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva” (TOLEDO, 2000, p. 21).

Nesta toada, ao lado da legalidade, a lei penal deve ainda observar o princípio da taxatividade ou certeza, como bem coloca o jurisconsulto:

A exigência de lei certa diz com a clareza dos tipos, que não devem deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios. Para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano, necessita ser facilmente acessível a todos, não só aos juristas. Infelizmente, no estágio atual de nossa legislação, o ideal de que todos possam conhecer as leis penais parece cada vez mais longínquo, transformando-se, por imposição da própria lei, no dogma do conhecimento presumido, que outra coisa não é senão pura ficção jurídica (TOLEDO, 1994, p.29).

No que concerne a norma penal em branco em sentido amplo, competindo à União legislar sobre matéria penal, não há óbice em se complementar o tipo penal, uma vez que o tipo estaria previsto em duas leis federais, sem ofensa ao princípio da legalidade.    

Entrementes, a problemática surge com a complementação do tipo por norma penal em branco em sentido estrito, tendo em vista que o complemento provém de outra fonte legislativa e não do Congresso Nacional, razão pela qual se ofenderia os princípios da legalidade, taxatividade e segurança jurídica.

Muito embora toda a crítica doutrinária quando da aplicação da norma penal em branco, será demonstrado que a utilização da técnica da complementação, mesmo que tratando-se de norma penal em branco em sentido estrito, não ofende de forma alguma os princípios supracitados.

Ato contínuo, é de se ressaltar que a legalidade é um princípio constitucional de garantia da liberdade do cidadão e o meio ambiente é um direito fundamental do indivíduo, ambos constitucionalmente previstos. O princípio da legalidade está previsto constitucionalmente no art. 5º, XXXIX da CF/88 e no art. 1º do Código Penal brasileiro[9]. Já o direito ao meio ambiente está previsto no art. 225 e seguintes da Constituição Federal e encontra-se no nível de direito fundamental, como bem ensina Édis Milaré e Flávia Tavares Rocha Loures (2005):

Nesse sentido, a par dos direitos e deveres individuais e coletivos elencados no título de abertura da Constituição, acrescentou o legislador constituinte, no caput do art. 225, um novo direito humano fundamental, direcionado ao desfrute de adequadas condições de vida em um ambiente saudável ou, na dicção da lei, “ecologicamente equilibrado”. (…) É, sem dúvida, o princípio transcendental de todo o ordenamento jurídico-ambiental, ostentando, a nosso ver, o status de verdadeira cláusula pétrea.

 Neste sentido, o direito ao meio ambiente e o princípio da legalidade, ambos têm natureza de direito fundamental, de forma que ambos devem ser observados ao cidadão. Desse modo, “os tipos penais ambientais devem ser sempre previstos em lei federal. A circunstância de serem normas penais em branco, em certos casos, exigindo complementação, não os torna ilegais ou mesmo inconstitucionais, porque a conduta típica principal emana exclusivamente de lei penal em sentido estrito” (RUBENICH, 2014). Ademais, “pode-se argumentar favoravelmente à coexistência das normas penais em branco com o princípio da legalidade, pois sempre haverá uma lei anterior definindo uma pena à conduta reprovável, cujo complemento normativo do tipo encontrar-se-á em outra lei ou ato normativo” (RUBENICH, 2014).

Corroborando com o entendimento defendido por este trabalho, Nestor Eduardo Araruna Santiago (SANTIAGO, 2006) conclui que

[…] a adoção das normas penais em branco para a construção dos tipos incriminadores penais-ambientais não viola o princípio da legalidade e nem o princípio da taxatividade, vez que os elementos constitutivos do tipo penal são postos pelo Poder Legislativo e a sua complementação, embora por vezes se dê por ato administrativo infralegal, é absolutamente adequada à Constituição.

Welton Rubenich (2014) corrobora com o entendimento acima e salienta os argumentos pelos quais a aplicação da norma penal em branco não ofende o princípio da legalidade, afirmando que

Primeiramente, em razão de a conduta principal estar prevista em lei federal previamente publicada, não há falar em ilegalidade ou falta de segurança jurídica. Depois, porque pode o complemento da conduta principal típica estar previsto em outra lei não-penal (federal, estadual, distrital ou municipal), uma vez que a competência legislativa à proteção do meio ambiente é concorrente. Por fim, quando a norma penal ambiental em branco for complementada por ato administrativo típico, infra-legal, não se estará incorrendo em ilegalidade, pois a imposição de edição de decretos e regulamentos à fiel execução das leis decorre da própria Lei Fundamental, homeageando-se a um só tempo os princípios da legalidade e da separação dos poderes.

Assim, a presença de normas penais em branco na Lei de Crimes ambientais se justifica pelo fato de a Lei ser estática, enquanto o Direito Ambiental é dinâmico. Portanto, há casos em que a tutela do bem jurídico requer a rapidez legislativa propiciada pela integração de outro ato normativo ao tipo penal. Além de que não é preciso frisar que a tutela de um bem coletivo se sobrepõe ao individual.

Não pairam dúvidas, portanto, da imensa necessidade da aplicação da técnica em comento, uma vez que não se estará ferindo os princípios fundamentais da legalidade e segurança jurídica. Será, pelo contrário, garantido ao cidadão os referidos princípios e, ainda, dar-se-á a devida efetividade na aplicação do direito ambiental.

Sobre o autor
Fellipe Simões Duarte

Advogado | Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Pós-graduado em Direito Ambiental (UFPR) e em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial (UNISC). Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG de Juiz de Fora. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) e da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Fellipe Simões. A tutela penal do ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5395, 9 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64421. Acesso em: 27 dez. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi publicado como Trabalho de Conclusão de curso, agora reduzido e adaptado para a publicação neste site.

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