O surgimento de fatos novos no curso de uma ação terá diferentes tratamentos dependendo se a ação é civil, trabalhista, eleitoral ou penal. Inicialmente, porém, é preciso entender o seu conceito. Fato novo é aquele superveniente ao ajuizamento da ação judicial capaz de produzir efeitos diretos sobre ela.
Processo Civil e Trabalhista.
Na esfera civil a regra geral é que se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão (art. 493 CPC). O parágrafo único do mesmo dispositivo pontua que se o magistrado constatar de ofício o fato novo, deverá ouvir as partes sobre o fato novo, antes de decidir.[1] Isso significa que a decisão não deve refletir necessariamente o estado de fato e de direito existente no momento da propositura da demanda, mas àquele existente no momento do seu julgamento.[2]
De qualquer forma, em qualquer situação, o magistrado só poderá considerar fatos novos relevantes, cujas provas foram produzidas nos autos, providos de efeito impactante no julgamento do feito, ou que contribuem para a sua atividade cognitiva, sempre observando o princípio do contraditório (art. 9º e 10 do CPC). A expressão “a requerimento das partes” indica que tanto o requerente quanto o requerido poderão indistintamente se valer do dispositivo na defesa dos seus direitos. Ao requerente caberá alegar os fatos constitutivos supervenientes, e ao requerido suscitar os fatos modificativos ou extintivos supervenientes do direito autoral.[3]
Ressaltem-se ainda que a aplicação deste instituto não se limita ao juízo de primeiro grau. Também nos Tribunais como nas instâncias extraordinárias (STF e STJ), a lide deve ser solucionada na forma como se apresenta no momento do julgamento. Inclusive na esfera trabalhista o enunciado da sumula 394 do TST: “Fato Superveniente... O art. 493 do CPC de 2015 (art. 462 do CPC de 1973), que admite a invocação de fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, superveniente à propositura da ação, é aplicável de ofício aos processos em curso em qualquer instância trabalhista. Cumpre ao juiz ou tribunal ouvir as partes sobre o fato novo antes de decidir”. Assim, a constatação de fato superveniente que possa influir na solução do litígio deve ser considerada pelo Tribunal competente para o julgamento, desde que, tenha o fato ou o direito superveniente surgido, quando já interposto o recurso e este seja admitido, dando ensejo à revisão do julgamento da causa. [4]
Outro detalhe importante é que o fato novo deve ser apresentado na primeira oportunidade que se tem para fazê-lo, sob o risco de preclusão do direito, como aconteceu no julgamento de um recurso na esfera trabalhista (Processo no TST: RR - 228700-64.2001.5.02.0461 - Fase Atual. Numeração antiga: RR - 2287/2001-461-02-00.3. Número no TRT de Origem: RO-228700/2001-0461-02.00. Órgão Judicante: 3ª Turma. Relator: Juiz Convocado Douglas Alencar Rodrigues) [5].
Processo na Justiça Eleitoral
No âmbito da justiça eleitoral, alguns têm invocado o artigo 23 da Lei Complementar nº 64, de 1990, que diz que o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, mesmo que não estejam presentes nos autos, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.[6] O artigo é bastante controverso, e há uma discussão na comunidade jurídica sobre seus limites para que seja constitucional e não contrarie garantias processuais básicas. A discussão girou em torno do julgamento da chapa Dilma-Temer. Os fatos novos poderiam ou não influenciar a decisão do TSE? Alguns alegavam que os fatos não poderiam ser considerados, pois atropelavam o direito de defesa e não teriam qualquer relação com ação ajuizada pelo PSDB em 2014, que pedia a cassação da chapa e fundamentava sua denúncia com a alegação de abuso de poder político e econômico na campanha presidencial daquele ano[7].
No contraponto, alguns saíram na defesa de que o artigo 23 da Lei Complementar nº 64, de 1990 é uma norma específica do processo eleitoral que afasta a regra geral do Código de Processo Civil. Ou seja, segundo alguns especialistas, no âmbito da justiça eleitoral, o julgador pode e deve considerar fatos novos públicos e notórios que ocorreram antes do julgamento e foram amplamente noticiados, ainda que não demonstrados nos autos. [8]
Analisando ambas as posições, conclui-se que apresentar provas novas durante o processo é admitido nos casos em que a prova trazida só surgiu, ou só foi possível seu acesso, naquele momento, mas que tenham relação com o objeto já delimitado da ação (não pode ampliar o objeto da ação) e sirvam de reforço para as provas dos autos.[9] De qualquer forma, é certo que a conduta do juiz não pode violar o preceito constitucional da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV, CF). Nesse caso, seria prudente o magistrado ouvir as partes quando constatar fatos novos, conforme determina o parágrafo único do artigo 493 do CPC, ainda que públicos e notórios.
Processo Penal
No processo penal a questão dos fatos novos deve ser analisada à luz do instituto mutatio libelli previsto no artigo 384 do CPP. Cabe ressaltar que o réu se defende dos fatos que se fez prova nos autos e não da sua capitulação legal. Assim, se no curso da instrução processual surgir um novo delineamento fático não contido na inicial acusatória, ou seja, se o juiz apurar que o fato que se fez prova nos autos é diverso daquele narrado pela acusação, deverá pedir ao Ministério Público que faça o aditamento da denuncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública. Caso o juiz não obedeça ao procedimento, será caso de nulidade por cerceamento de defesa (art. 564, IV c/c art. 5º, LV da CF). O aditamento poderá ser próprio ou improprio. Será próprio caso sejam acrescentados fatos ou acusados desconhecidos por ocasião da denuncia. Será impróprio quando apenas tiver a finalidade de corrigir alguma falha na denúncia, retificando dados relativos ao fato. Se o aditamento for feito oralmente deverá ser reduzido a termo. O momento processual adequado é ao final da instrução processual, ou seja, antes da sentença.[10]
Ressaltem-se ainda três importantes observações sobre este instituto: a) Artigo 384, §1º do CPP - Caso haja recusa do membro do Ministério Público, aplica-se o artigo 28 do Código de Processo Penal, ou seja, o juiz fará remessa dos autos ao procurador-geral, ou a órgão competente do MP, e este promoverá o aditamento, designará outro órgão do MP para fazê-lo ou insistirá na recusa, a qual só então estará o juiz obrigado a atender; b) Sumula 453 STF - Em grau de recurso não é cabível dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa; c) Apelação Criminal: APR 1.0486.14.000642-1/001 TJ-MG – “Se a denúncia descreve um fato delituoso, não poderá o juiz, na sentença condenatória, alterar a sua classificação, sem antes determinar as providências a que se refere o art. 384 do CPP. Assim não procedendo e restando impossível a aplicação das disposições relativas à mutatio libelli em Segunda Instância, nos termos da Súmula 453 do STF, a solução forçosa é absolver tecnicamente o réu” [11].
Referências:
[1] DIREITONET. Alegação de fato novo no curso da ação deve obedecer requisitos. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/noticias/exibir/11514/Alegacao-de-fato-novo-no-curso-da-acao-deve-obedecer-requisitos. Acesso em: 29 mar. 2018.
[2] DIDIER JR., Fredie, OLIVEIRA, Fredie Alexandria de, BRAGA, Paula Sarna. (comentários ao art. 493). In: coord. CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 735.
[3] FANAZARO,Renato Vaquelli, Gustavo Fávero VaughnO. “Fato Novo” e as normas fundamentais do processo civil. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-fato-novo-e-normas-fundamentais-processo-civil-03122016. Acesso em: 29 mar. 2018.
[4] FANAZARO,Renato Vaquelli, Gustavo Fávero Vaughn. “Fato Novo” e as normas fundamentais do processo civil. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-fato-novo-e-normas-fundamentais-processo-civil-03122016. Acesso em: 29 mar. 2018.
[5] TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Alegação de fato novo no curso da ação deve obedecer requisitos. Disponível em: https://tst.jusbrasil.com.br/noticias/1351318/alegacao-de-fato-novo-no-curso-da-acao-deve-obedecer-requisitos. Acesso em: 30 mar. 2018.
[6] BRASIL. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm. Acesso em: 29 mar. 2018.
[7] PINTO, Leonardo. Fatos novos não devem ser considerados no julgamento da chapa, dizem especialistas. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fatos-novos-nao-devem-ser-considerados-no-julgamento-da-chapa-dilma-temer-dizem-especialistas,70001827920. Acesso em: 29 mar. 2018.
[8] BASILIO, Ana. Julgador pode considerar fatos novos que ocorreram antes do julgamento. Disponível em: http://g1.globo.com/globo-news/jornal-globo-news/videos/v/julgador-pode-considerar-fatos-novos-que-ocorreram-antes-do-julgamento-diz-ana-basilio/5920834/. Acesso em: 29 mar. 2018.
[9] BRENO, Tardeli, Fernanda Valente. Advogada eleitoralista explica o que você precisa saber sobre julgamento da chapa Dilma-Temer. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/07/advogadaeleitoralista-precisa-saber-julgamento-chapa-dilma-temer-tse/. Acesso em: 29 mar. 2018.
[10] ORTEGA, Flavia Teixeira, Diferença entre "emendatio libelli" e "mutatio libelli". Disponível em:https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/337564586/diferenca-entre-emendatio-libelli-e-mutatio-libelli. Acesso em: 30 mar. 2018.
[11] TJ-MG - APR: 10486140006421001 MG, Relator: Eduardo Brum, Data de Julgamento: 10/03/2015, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 18/03/2015