Por três votos a dois, a Segunda Turma determinou a libertação do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu que estava preso preventivamente desde agosto de 2015, em decorrência de investigações da Lava Jato. Para os ministros, apesar de serem graves as acusações contra Dirceu, ele não poderia continuar preso, porque foi condenado apenas pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, sem que a sentença tenha sido confirmada pelo tribunal de segunda instância. Este foi o quarto julgamento da Segunda Turma, em uma semana, contrário a decisões de Moro.
José Dirceu representa não só uma liderança entre quem praticou delitos investigados pela operação, mas também é alguém que continuou praticando crimes enquanto cumpria pena pelo mensalão - escândalo que envolveu a compra, com recursos desviados, de apoio parlamentar ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ademais, sua liberdade pode significar prejuízo às investigações.
A discussão enfoca o tema da duração alongada de prisões preventivas.
A prisão preventiva é espécie de prisão provisória, que surge no transcorrer da persecução penal. Assim, é possível que se faça o encarceramento do indiciado ou mesmo do réu, antes do marco final do final do processo.
É a prisão sem pena, a prisão cautelar, provisória ou processual, que milita no âmbito da excepcionalidade do que se lê do artigo 5º, LVII, da Constituição, observando-se que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
A prisão preventiva, que é um dos exemplos de prisão provisória, antes do trânsito em julgado da sentença, só pode ser decretada ¨quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria¨, como se lê do artigo 312 do Código Penal. Há que se comprovar a materialidade do crime, a existência do corpo de delito, que prova a ocorrência do fato criminoso, seja por laudos de exame de corpo de delito ou ainda por documentos, prova testemunhal.
A isso se soma como requisito a existência de ¨indícios suficientes de autoria¨, que deve ser apurada em via de fumaça de bom direito.
Tal despacho que decretar a prisão preventiva, a teor do artigo 315 do Código de Processo Penal, deve ser fundamentado.
O certo é que a Lei 12.403/11 manteve os requisitos da prisão preventiva: prova da existência de crime (materialidade); indícios suficientes de autoria (razoáveis indicações da prova colhida); garantia da ordem pública; garantia da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal.
O juiz, a teor do artigo 311 do Código de Processo Penal, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, poderá decretar a prisão preventiva, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Na fase da investigação policial, não cabe ao juiz decretar, de oficio, a prisão preventiva, mas, sempre a pedido do Ministério Público, da autoridade policial, do assistente da acusação, do querelante.
As alterações havidas dizem respeito à legitimidade e oportunidade da decretação: a) somente o juiz pode decretá-la, de oficio durante o processo ( não mais pode fazê-lo, como antes, durante a investigação; b) permite-se ao assistente da acusação requerê-la, o que antes não ocorria. Tal expediente praticamente esvazia a prisão preventiva durante o inquérito levando a necessidade de oportunizar a chamada prisão temporária, quando for o caso.
Daí porque a prisão preventiva está sujeita a prazo.
Para Eugênio Pacelli (Curso de Processo Penal, São Paulo, 2013), a jurisprudência construiu entendimento no sentido de que o prazo para encerramento da instrução criminal ocorreria após 81 dias, atualmente, 86 dias de prisão, em flagrante ou preventiva, após o que seria possível a impetração de habeas corpus, fundado no excesso de prazo, no âmbito da Justiça Federal, à luz da Lei 11.719/08, prazo que pode chegar a 107 dias se houver prorrogação no prazo do inquérito.
Sempre que houver ilegalidade da prisão, cabe o relaxamento. Assim, se há liberdade provisória, não estamos diante de prisão ilegal. Quero dizer que com o reconhecimento do relaxamento da prisão, com a soltura do preso, não haverá qualquer imposição a ele de restrições de direitos, pois é caso de anulação, não revogação, de ato praticado em violação à lei.
Da mesma forma, se há excesso de prazo na prisão preventivamente decretada, o tribunal, por via de habeas corpus ou mesmo de recurso nominado, deverá cassar a decisão, determinando o relaxamento da prisão, cuja continuidade seria ilegal.
Nessa linha de pensar, tem-se que as cortes europeias têm limitado o tempo a no máximo seis meses, mesmo no caso de suspeitos de terrorismo, fugindo do chamado “direito penal do inimigo”.
Certamente, não se pode manter uma prisão preventiva diante da possibilidade do acusado, investigado, colaborar com a apuração da infração penal.
Assim, manter a prisão preventiva, puramente para que se consiga uma confissão ou delação do réu ou investigado, é exorbitar dos limites que são dados pela Constituição.
Distante disso é manter a prisão preventiva para a garantia da ordem pública.
Este conceito não se limita a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. Leve-se em conta decisão do Supremo Tribunal Federal (RTJ 124/1033) no sentido de que a conveniência da medida deve ser regulada pela sensibilidade do juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa.
Argumente-se que, se é certo que a gravidade do delito por si só não basta à decretação da custódia provisória, não é menos exato que a forma de execução do crime, a conduta do investigado somada a outras circunstâncias provocam o clamor público, abalando a própria garantia da ordem pública. (RTJ 123/57; RT 535/257).
Veio a questão do HC objetivando a liberdade provisória do ex-ministro Antônio Palocci, muito bem explicitada pelo site do STF, em 13 de abril de 2018, em suas minúcias.
Todas essas questões, que tem no pano de fundo, o entendimento sobre o princípio da presunção de inocência e sua aplicação, hoje, estão dividindo o Supremo Tribunal Federal.
Por 7 votos a 4, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, na sessão desta quinta-feira, dia 12 de abril do corrente ano, a concessão de habeas corpus de ofício para o ex-ministro Antonio Palocci Filho, preso preventivamente desde setembro de 2016, em razão da Operação Lava-Jato.
A maioria dos ministros seguiu o entendimento do relator do caso, ministro Edson Fachin, que se baseou, entre outros pontos, no fundado receio de reiteração das práticas delitivas, tendo em vista que parte dos recursos objeto de lavagem de dinheiro pela qual Palocci foi condenado não foi recuperada, o que aponta para a existência de crime permanente.
Ex-ministro dos governos Lula e Dilma Rousseff, Antonio Palocci Filho foi preso preventivamente em setembro de 2016 no curso da Operação Lava-Jato, sob a acusação de ter solicitado vantagens indevidas para favorecer a empresa Odebrecht em licitações da Petrobras. De acordo com as investigações, o ex-ministro, chamado de “italiano” nas planilhas da empresa, seria o interlocutor do Partido dos Trabalhadores junto à empresa.
Contra a custódia cautelar, a defesa de Palocci impetrou, sucessivamente, habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem êxito nas duas instâncias. Diante da negativa no STJ, impetrou o HC 143333 no Supremo. Durante a tramitação no Supremo, o juiz da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba condenou o réu a uma pena de 12 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O julgamento teve início na sessão de quarta-feira, dia 11 de abril de 2018, com a análise de duas questões preliminares. Os ministros decidiram, por maioria, que o relator de um habeas corpus pode encaminhar seu julgamento ao Plenário da Corte sem necessidade de fundamentar essa decisão, como ocorreu neste caso, e reconheceram, também por maioria, que o fato de ter sido proferida sentença contra o réu após a apresentação do habeas corpus no Supremo causa prejuízo à impetração e, com este fundamento, não conheceram do HC.
Na sequência, diante da decisão majoritária no sentido de negar trâmite ao habeas corpus, o ministro Edson Fachin passou a analisar a possibilidade de concessão da ordem de ofício (sem requerimento da parte). Ao explicitar as razões para não conceder o HC de ofício, o ministro Edson Fachin observou que a prisão foi devidamente fundamentada e enfatizou os fundamentos relacionados à garantia da ordem pública.
Na sua avaliação, o cenário revela, para efeitos da prisão preventiva, a periculosidade concreta do agente e o fundado receio de reiteração das práticas delitivas. Entre outros pontos, o ministro lembrou que parte dos recursos objeto de lavagem de dinheiro não foi recuperada, o que aponta para a existência de crime permanente.
Fachin também afastou a alegação de excesso de prazo da prisão preventiva, assinalando a complexidade do caso, que envolve 15 acusados, mais de 120 testemunhas e colaborações que abrangem diversos juízos. “Não há elementos que levem a compreender pela ausência de higidez do decreto sentencial que renovou a preventiva”, concluiu. Seu voto foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
Decisivo foi o voto do ministro Celso de Mello, decano da Corte:
No retorno do julgamento, na sessão desta quinta-feira, dia 12.4, ao acompanhar o relator, o decano do STF, ministro Celso de Mello, disse que a prisão cautelar não fere o princípio da presunção da inocência se não for usada para infligir punição, sendo permitida apenas para atuar em benefício da persecução e do processo penal. No caso concreto, salientou o ministro, o decreto de prisão preventiva assinado pelo juiz Sérgio Moro não incidiu em vícios, tendo se baseado em razões de necessidade e na existência de base empírica idônea.
De acordo com o decano, as ações de sequestro de bens não obtiveram êxito na recuperação do total das vantagens ilícitas apontadas na planilha da empresa Odebrecht, o que faz remanescer o perigo da prática de atos de lavagem de dinheiro, trazendo risco efetivo à ordem pública por conta de possibilidade de reiteração delitiva.
O decano lembrou que, mesmo após a decretação da prisão preventiva e o bloqueio dos bens de Antonio Palocci até o total de R$ 128 milhões, em setembro de 2016, ainda existe a possiblidade de dilapidação de seu patrimônio ou o repasse a terceiros. De acordo com informações prestadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), mesmo preso, Palocci movimentou altas somas de dinheiro.
De acordo com essas informações, prosseguiu o ministro, entre janeiro de 2016 e maio de 2017, Palocci aplicou a quantia de R$ 1,5 milhão na empresa Projeto Consultoria, tendo resgatado, na sequência, o valor de R$ 626 mil. Entre janeiro de 2013 e maio de 2017, Palocci teria aplicado R$ 7 milhões em fundos de investimento, tendo resgatado R$ 7 milhões. E de janeiro a junho de 2017, Palocci transferiu R$ 415 mil de planos de previdência para a conta de sua esposa. Ao que se percebe das informações do COAF, ressaltou o ministro, mesmo após a prisão preventiva e o bloqueio de seus bens, o réu continua adotando medidas para frustrar a total recuperação dos valores auferidos com o cometimento dos crimes. Assim, para o decano, a prisão preventiva, no caso, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, atende aos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Quanto ao argumento do excesso de prazo, o ministro Celso de Mello destacou que a ação penal contra Palocci conta com expressivo número de 1.209 eventos processuais praticados. A sentença condenatória possui 276 laudas. Diversas infrações penais imputadas a 15 acusados, com mais de 120 testemunhas. Nesse ponto, a jurisprudência do STF conclui pela ausência de constrangimento quando o excesso deriva da complexidade do processo, e não é causado por culpa do Poder Judiciário.
O voto do ministro Celso de Mello funcionou como um verdadeiro freio de arrumação na condução desses feitos, de forma a melhor entender a preponderância, em certos casos, dos valores da prisão provisória em face da liberdade provisória.
A soltura do ex-ministro José Dirceu foi um erro. Aguarda-se a preclusão dos recursos na segunda instância, para fazer cumprir jurisprudência já existente e que vem se consolidando, por maioria, no Plenário do STF, de decretação de prisão para cumprimento da pena.