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Incompatibilidade do inquérito policial com a Constituição de 1988

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Agenda 11/07/2018 às 15:40

2 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES AOS PROCESSOS EM GERAL

2.1 INTRODUÇÃO.

Conforme mencionado no capítulo anterior, a ausência de alguns procedimentos adotados pela constituição federal de 1988, incompatibiliza o inquérito policial com os textos da carta magna, vez que é indispensável a introdução de alguns princípios basilares de um Estado Democrático de Direito a todos os processos, devendo abrir grande ênfase à palavra “todos”, sem fazer qualquer diferenciação sobre processo e procedimento.

Sabendo-se que o Brasil adota o constitucionalismo para reger a vida do país, tornando certa a superioridade hierárquica da norma constitucional em contrapartida a todas as outras, indiscutível a introdução dos princípios constitucionais aos processos em geral.

De acordo com o procedimento estudado no capítulo anterior, o inquérito policial, detém diversos procedimentos que violam dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. Para melhor compreender o motivo que enseja a violação de tais princípios, necessária a análise individual de cada um deles, para entender o porquê são indispensáveis, tornando qualquer norma anterior à 1988 que não respeita tais princípios incompatíveis com a carta magna vigente.

2.2 – DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.

O Princípio do contraditório detém raízes que se originam desde a idade média, sendo que no Brasil detém maiores contornos desde a constituição de 1891, onde já havia a impossibilidade de existência de processos secretos e inquisitivos. Porém, o tema ganhou maiores contornos durante a constituição de 1934 em seu artigo 113, onde trata dos direitos e garantias individuais.

Na contemporaneidade, o contraditório encontra-se positivado no artigo 5º, LV da constituição federal, sendo este um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, pois, a partir do contraditório, existe a possibilidade do exercício de defesa do cidadão. O contraditório, entendido como a ciência bilateral dos atos do processo com a possibilidade de contrariá-los, é composto por dois elementos: informação e reação, sendo esta meramente possibilitada em se tratando de direitos disponíveis. A audiência bilateral é requisito indispensável para garantir a justiça das decisões.

Assim, como o princípio do devido processo legal, o princípio do contraditório é necessário para que o indivíduo tenha conhecimento sobre os fatos a ele imputados e por conseguinte, possa se defender das alegações a ele inicialmente lançadas, sendo no processo penal quase sempre pela via popular, ou seja, pela notitia criminis, sob pena de nulidade do processo.

“A bilateralidade da ação gera a bilateralidade do processo, de modo que as partes, em relação à autoridade, não são antagônicas, mas colaboradoras necessárias. O juiz coloca-se, na atividade que lhe incumbe o Estado-Juiz, equidistante das partes, só podendo dizer que o direito preexistente foi devidamente aplicado ao caso concreto se, ouvida uma parte, for dado à outra manifestar-se em seguida. Por isso, o princípio é identificado na doutrina pelo binômio ciência e participação” (Curso de Direito Processual Penal – Capez, p. 432).

O binômio pretendido com a aplicação do contraditório nas ações penais, é necessário principalmente pelo fato do acusado ser “perseguido” pelo Estado na pessoa dos representantes de três órgãos diferentes (delegado de polícia, ministério público e juiz), necessitando da oportunidade de apresentar fatos impeditivos ou modificativos, a fim de demonstrar sua inocência (em se tratando de ação penal), inclusive, podendo colaborar com a identificação da existência de materialidade delitiva ou mesmo com a indicação da autoria, contribuindo de forma bastante importante com o Estado e contribuindo com a aplicação do princípio da verdade real.

2.2.1 DA AUSÊNCIA DO CONTRADITÓRIO NA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

Diferente do que ocorre na ação penal (persecução penal processual), o indiciado não tem a oportunidade de apresentar qualquer defesa na fase inquisitiva (inquérito policial) que é objeto do nosso estudo, vez que tal procedimento não permite ao investigado a proteção do crivo do contraditório. A fundamentação adotada para embasar o sistema inquisitivo do inquérito policial é necessidade de impedir que o indiciado atrapalhe as investigações policiais interferindo na busca do Estado por provas aptas a ensejar o encontro dos indícios de autoria e materialidade delitiva.

Todavia, na prática não é bem assim que ocorre, pois a resistência do autor de um crime em facilitar a busca da verdade real é presumida, fato que não deve impedi-lo de se defender na fase pré-processual, já que há anos a polícia judiciária instaura inquéritos policiais em que o investigado tem total conhecimento dos atos investigativos, podendo atrapalhar as diligências policiais no momento que quiser, demonstrando que a ausência de defesa técnica não impede tal ato.

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Um exemplo muito comum de publicidade dos atos do inquérito policial hoje, é a divulgação de interceptações telefônicas por meio de programas jornalísticos, interceptações estas que ainda estão ocorrendo, deixando claro que o caráter sigiloso do procedimento investigativo ocorre apenas no tocante à impossibilidade do agente em realizar a defesa técnica.

Há poucos doutrinadores que entendem que a existência do contraditório na investigação preliminar deve ser potencializada por exigência constitucional, pois o artigo 5º LV da Constituição federal, não pode ter interpretação restritiva ou limitada, atendendo a todos os processos e procedimentos opostos pelo poder público no território nacional. Assim, nas palavras do Doutrinador Aury Lopes Junior, “qualquer forma de imputação determinada representa uma acusação em sentido amplo. Por isso o legislador empregou acusados em geral, para abranger um leque de situações, com um sentido muito mais amplo que a mera acusação formal (vinculada ao exercício da ação penal) e com um claro intuito de proteger o sujeito passivo” (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 254 à 257).

No mais, é sabido que mesmo o investigado não tendo acesso aos autos do inquérito, é permitido ao advogado livre acesso por força do artigo 7º da lei 8.906/94 (estatuto da advocacia). No entanto, basta leiga análise dos preceitos fundamentais na nossa carta magna para constatar a inconstitucionalidade do sistema inquisitivo do inquérito policial, vez que a ausência do contraditório nessa fase, permite apenas que o ministério público e o juiz colham provas de acusação, sendo que ao iniciar o processo penal, o acusado deve apresentar contraprovas sobre um sistema acusatório já constituído.

Destaca-se que a ausência dos princípios constitucionais no inquérito policial, apenas atrasa a persecução penal e por conseguinte, a eficácia da justiça, vez que todo o trabalho realizada pela polícia judiciária se torna “inaplicável” pela ausência das garantias constitucionais, importando apenas pela repetição exaustiva de provas que poderiam já terem sido colhidas e constituídas, apoiando a razoável tramitação do processo, economia processual e consequentemente a eficácia da justiça, tema que será abordado com mais força nos capítulos posteriores.

Em todo caso, a decorrência lógica da ausência do contraditório na fase inquisitiva impede a condenação do acusado com base nas provas produzidas durante a investigação, por constituir afronta incontroversa à constituição federal. Esse é o entendimento firmado pela jurisprudência, pois, as provas produzidas em fase inquisitorial devem ser ratificadas durante a fase processual, sob o crivo do contraditório, sob pena nulidade, vejamos:

PENAL. RECURSO DA ACUSAÇAO. PLEITO CONDENATÓRIO. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇAO APENAS COM FUNDAMENTO NAS PROVAS DO INQUÉRITO POLICIAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. NAO INCORRE NO CRIME DE FALSIDADE O ACUSADO QUE, AO SER OUVIDO PERANTE A AUTORIDADE POLICIAL OU JUDICIAL, ATRIBUISE IDENTIDADE FALSA, POIS, O FAZ VALENDO-SE DO SEU DIREITO DE AUTO DEFESA. 1. Impõe-se a absolvição do Réu quando as provas a ele adversas forem produzidas somente no inquérito policial e não forem ratificadas pelos elementos de convicção colhidos na fase processual sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. A ausência das garantias constitucionais no processo inquisitivo faz com que as provas nele produzidas mostrem-se de caráter meramente subsidiário, não bastando, por si sós, para firmar sentença de conteúdo condenatório. 2. Não caracteriza o delito de falsa identidade o comportamento de quem, no momento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante ou no Auto de Interrogatório em juízo, sem apresentar qualquer documento, limita-se verbalmente a falsear o nome próprio, porque a ação se enquadra dentre prerrogativas de autodefesa do acusado, amparadas pelo direito constitucional de permanecer em silêncio, consagrado no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.I

(TJ-ES - APR: 11060074702 ES 11060074702, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Data de Julgamento: 10/10/2007, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 21/11/2007).

O caráter meramente subsidiário das provas produzidas durante a fase inquisitiva, demonstram a necessidade urgente da reforma do instituto do inquérito policial, vez que a oportunidade de se manifestar e ser cientificado sobre qualquer ato do processo, sendo ele judicial ou extrajudicial, é garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, sendo sua aplicação necessária ao esclarecimento dos processos em geral, constituindo a violação do princípio do contraditório, afronta à constituição federal, tornando qualquer norma em contrário incompatível com a carta magna.

2.3 DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA.

Decorrente do princípio narrado no subcapítulo anterior, que permite a ciência e a oportunidade do agente em se defender de qualquer acusação a ele imputada, o princípio da ampla defesa possibilita ao cidadão embasar sua defesa de forma ampla, utilizando-se de todos os meios de provas permitidos em lei.  “A ampla defesa é uma decorrência do contraditório (‘reação’). É assegurada ao indivíduo a utilização, para a defesa de seus direitos, de todos os meios legais e moralmente admitidos”. (Manual de Direito Constitucional, – Novelino, p. 539). Tal princípio também encontra-se positivado no artigo 5º, LV da constituição federal.

Nas palavras do professor Norberto Avena, “a ampla defesa traduz o dever que assiste ao Estado de facultar ao acusado toda a defesa possível quanto à imputação que lhe foi realizada. Este princípio, como vimos no tópico anterior, guarda intrínseca relação com o direito ao contraditório.

 “A concepção moderna da garantia da ampla defesa reclama, para a sua verificação, seja qual for o objeto do processo, a conjugação de três realidades procedimentais, genericamente consideradas, a saber: a) o direito à informação (nemo inauditus damnari potest); b) a bilateralidade da audiência (contraditoriedade); c) o direito à prova legalmente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade)” (Processo Penal Esquematizado, – Avena, p. 75)

A ampla defesa é direito concedido à todos os cidadãos, sendo garantida sua aplicação desde a constituição de 1934, independente de raça, cor, sexo e classe social, por tais razões, é concedido pelo Estado ao acusado que não pode constituir defensor particular, a assistência jurídica integral e gratuita, nos termos do artigo 5º, LXXIV da constituição federal.

Em se tratando de ampla defesa, destaca-se que a posição consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, utiliza o adjetivo ampla defesa, enfatizando o alcance da proteção, de modo que deve ser exercida com todos os meios e recursos a ela inerentes.

Ora, vislumbrando os temas já abordados acima, claramente resta incontroverso que durante a persecução penal extrajudicial existe uma atuação de caráter coercitivo contra o investigado, sendo absolutamente aceitável que é ofensa à presunção de inocência a diligência estatal que investiga o cidadão sem possibilitar a mínima contrapartida no tocante à sua defesa.

O professor Aury Lopes Junior, salienta de forma sábia a intensão do constituinte:

“o constituinte ao assegurar a ampla defesa aos litigante em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral a possibilidade de defesa por todos os meios legais, não sendo possível afastar o sujeito passivo da investigação preliminar da abrangência da proteção, pois é inegável que ele encaixa na situação de “acusados em geral”, tratando-se de um dilema sério e uma vez mais devemos encontrar meios de aplicar as garantias asseguradas pelo constituinte” (Junior, Aury Lopes. Direito Processual Penal. Saraiva, 2014, p. 263).

A natureza sigilosa da investigação preliminar impede eficácia da aplicação da ampla defesa durante essa fase pré-processual, vez que defensor deve atuar rodeado de uma série de garantias que lhe permita uma completa independência e autonomia em relação ao juiz, promotor e à autoridade policial. Nesse sentido, a Constituição brasileira dispõe, no art. 133, que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. A regulamentação do dispositivo constitucional encontramos na Lei n. 8.906/94, que disciplina a atuação do advogado e defensor do acusado.

Porém, como atribuir liberdade profissional na defesa dos direitos da população, quando o advogado fica adstrito apenas à vista dos autos do inquérito policial por força do que estabelece o artigo7º da lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), havendo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (súmula vinculante nº 14 do STF) favorável nesse sentido, possibilitando o acompanhamento e fiscalização da autoridade policial para evitar abuso de poder e autoridade, mas, sem qualquer possibilidade de oferecer defesa ou indicar meios eficazes de busca de provas dos indícios de autoria e materialidade delitiva.

No mais, a violação dos dispositivos constitucionais em comento, torna o inquérito policial meio meramente informativo, obrigando o acusador no curso da ação penal a apresentar novo conjunto probatório, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, o que torna a ação penal mais morosa e ineficaz.

2.4 DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.

Conhecido, igualmente, como princípio do estado de inocência (ou da não culpabilidade), significa que todo acusado é presumido inocente, até que seja declarado culpado por sentença ondenatória, com trânsito em julgado.

“Encontra-se previsto no art. 5.°, LVII, da Constituição. Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao Estado/juiz, a culpa do réu” (Nucci, Guilherme Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. Saraiva, 2014, p. 67).

A doutrina ainda conceitua o princípio de não culpabilidade como “o fato de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Assim, nada mais natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao MP ou à parte acusadora (na hipótese de ação penal privada) provar a culpa. Caso não o faça, a ação penal deverá ser julgada improcedente” (Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Saraiva, 2014, p. 915)

Tal princípio visa garantir ao ser humano uma condição de inocência até que todas as provas colhidas sejam apreciadas pelo magistrado, sob o crivo dos princípios constitucionais assim, possa ocorrer alguma manifestação contrária ao estado natural do ser humano.

É fato que o homem nasce com o estado natural de inocência, dessa forma, devendo prevalecer tal Estado até que seja considerado culpado nos termos da constituição da república. Assim, o ato de ceifar do investigado as garantias constitucionais citadas nos capítulos acima, demonstra flagrante violação do princípio da presunção de inocência, vez que impossibilita a garantia de direitos inerentes a todos os homens em seu estado natural.

2.4 DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Ante ao narrado anteriormente, fica claro que o procedimento arcaico do inquérito policial hoje traz severos prejuízos ao investigado, quando lhe impossibilita o acesso aos princípios do contraditório e ampla defesa, contudo, tal ato traz maiores prejuízos ao Estado, que se obriga, durante à fase inquisitiva, a proceder um conjunto de diligências informativas, a fim de apurar indícios de autoria e materialidade e, devido ao fato da inaplicabilidade das garantias fundamentais, o Estado se obriga a reproduzir os conjuntos de diligências durante a fase processual, tornando os processos judiciais longos e ineficazes, causando severo prejuízo ao princípio da supremacia do interesse público. Assim, ante ao narrado, a necessidade de implantação das garantias constitucionais aos procedimentos defasados do inquérito policial é necessária e urgente, haja vista que o procedimento adotado atualmente causa prejuízo tanto ao Estado, quanto ao particular.

Sobre o autor
Denis Lopes

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