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Incompatibilidade do inquérito policial com a Constituição de 1988

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Agenda 11/07/2018 às 15:40

3. DOS PREJUÍZOS DECORRENTES DA AUSÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO INQUÉRITO POLICIAL.

3.1 INTRODUÇÃO.

Como mencionado durante todo o trabalho, a ausência do cumprimento dos preceitos fundamentais estabelecidos pela carta magna de 1988 durante o inquérito policial, traz flagrante violação de direitos fundamentais do cidadão cometidos pelo próprio Estado, que tem o dever de manter a preservação de sua lei maior. Ora, a violação Estatal das normas jurídicas não é exclusividade única da persecução penal extrajudicial, pois é sabido que o poder público é um dos maiores “clientes” do poder judiciário (se não for o maior) na atualidade. Porém, o objeto de nosso estudo no momento é apenas a deficiência do sistema inquisitivo como consequência lógica da ausência do cumprimento Estatal das normas conferidas constitucionalmente.

A incompatibilidade do atual inquérito policial com a constituição federal de 1988 e nesse caso trazemos o termo incompatibilidade e não inconstitucionalidade pelo fato da norma que regulamenta o inquérito policial (decreto lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1.941) ser anterior à promulgação da nossa lei maior, consiste na ausência do cumprimento dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa (artigo 5º, LV da constituição federal) durante a fase inquisitiva, ocasionando prejuízos ao cidadão investigado, bem como à coletividade que vislumbra diariamente a realização de procedimentos estatais que quase sempre são morosos e ineficazes, ocasionando um absurdo descumprimento da celeridade processual, e por conseguinte, tornando o poder de punir do Estado quase que ineficaz.

3.2 DOS BENEFÍCIOS DA IMPLANTAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NA FASE INQUISITIVA.

O contraditório deve ser admitido na investigação criminal, pois esse procedimento é um procedimento administrativo, composto por um conflito de interesses, que expressa a existência de litigantes, que proporciona uma carga processual, e origina a necessidade de garantias inerentes ao processo, sendo que o sistema que vigora atualmente está totalmente defasado.

Foi mencionado nos capítulos anteriores que o inquérito policial se trata de um conjunto de diligências realizados pela polícia judiciária, cujo o fim é apurar a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, tratando-se de um sistema, escrito, sigiloso, dispensável e inquisitivo, onde de modo algum admite-se o exercício do contraditório e ampla defesa, contendo caráter meramente informativo.

Tal procedimento é norteado pelas diligências necessárias ao agrupamento do conjunto probatório, para que seja caracterizada a materialidade do delito (existência de fato criminoso), bem como encontrada a autoria delitiva, sendo que junto à autoridade policial que é responsável pelo instrução do inquérito policial, está o acompanhamento do poder judiciário na pessoa do magistrado e do ministério público na pessoa do promotor de justiça, formando uma tríplice entidade Estatal responsável pela persecução penal extrajudicial.

A questão acentuada neste trabalho é a ausência do contraditório, da ampla defesa e por conseguinte do devido processo legal durante a fase inquisitiva que, como mencionado acima, trata-se das diligências realizadas pela polícia judiciária com o acompanhamento do poder judiciário e do ministério público, tornando tal procedimento extremamente desproporcional ao cidadão que terá três entes da justiça realizando diligências e colhendo provas, sendo que em contrapartida o investigado não tem sequer a possibilidade de ter ciência sobre os fatos a ele imputados ou mesmo indicar meios probatórios que poderiam indicar a verdadeira autoria delitiva.

Mais do que a mera proteção do acusado, a incorporação dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante a fase de investigação trará benefícios de magnitudes indiscutíveis à sociedade em geral, vez que a possibilidade da colheita de contraprova de autoria e materialidade delitiva durante a fase extraprocessual permitirá que as provas produzidas durante a fase de investigação sejam aproveitadas e utilizadas durante a fase processual, fazendo com que o processo seja mais célere e a ação penal promovida pelo Estado mais eficaz.

Ora, a possibilidade do investigado informar a inexistência de materialidade do crime ou a verdadeira autoria delitiva durante a investigação e ainda que não informe a verdadeira autoria do delito, apresente informações aptas a possibilitar que a polícia judiciária encontre o autor do crime, já que o investigado muitas vezes tem maior possibilidade de oferecer tais informações, fará com que a ação penal seja proposta antes do prazo prescricional, fazendo com que a justiça não continue com aquele status de impunidade, tão comum na contemporaneidade.

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O jurista Godoy Neto salienta que a “processualização do inquérito policial é necessária, ante ao poder que será atribuída às provas produzidas durante o procedimento investigatório, senão vejamos:

“Atualmente, se discute, e muito, a necessidade deste procedimento investigatório, pois alguns doutrinadores sustentam veementemente que tal procedimento é absolutamente desnecessário, destituído de qualquer utilidade tendo em vista a exigência da confirmação do resultado das investigações em juízo. Contudo. Tal posição não merece respaldo, vez que não só há os que defendem a ideia de que é o inquérito policial de extrema importância, pois respalda a maioria das condenações criminais, como à referida fase da persecução penal foi conferido caráter constitucional, consoante artigo 144 e parágrafos da Constituição Federal. Um posicionamento muito importante e que vem adquirindo adeptos, defende a ‘processualização’ do inquérito policial, que consiste no afastamento do mecanismo inquisitorial da investigação preliminar, admitindo-se assim o contraditório e a ampla defesa. A ‘processualização’ seria uma saída rumo ao fortalecimento do procedimento e ensejaria a não repetição em Juízo, das provas obtidas no procedimento investigatório, mas sua integração ao conjunto probatório processual, contribuindo na economia estatal durante o exercício do jus puniendi” (Neto, Godoy. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 14 – jul./dez. 2009. p. 174/175).

A medida referenciada acima, atribui de fato maior eficiência ao rápido exercício da aplicação da justiça por parte do Estado, que ao reformar o nosso defasado sistema de investigação, acabando com sua inquisitoriedade, fará com que a ação penal tramite de modo mais célere e como decorrência, teremos o exercício de um sistema que propicia muito mais eficácia probatória ao invés de ser mero informe judicial.

3.3 DOS PREJUÍZOS EM MANTER UM SISTEMA MERAMENTE INFORMATIVO.

A ausência da aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante o inquérito policial, traz severos prejuízos à ação penal, pois há necessidade de que as provas produzidas durante a fase inquisitorial sejam repetidas durante a ação penal, tendo em vista o caráter meramente informativo atribuído ao inquérito policial.

A solução para acabar com tal prejuízo, e de fato tornar o sistema investigativo mais eficaz, é a “processualização” do inquérito policial, pois desse modo, a investigação se subordinaria ao crivo do contraditório e ampla defesa, sendo as provas colhidas durante a fase preliminar, plenamente aceitas durante a instrução processual, impedindo a repetição de atos processuais, tornando o jus puniendi mais célere e eficaz.

Mesmo porque, falar em celeridade no ordenamento jurídico atual não é só uma questão de mera melhoria, mas sim, de necessidade, pois celeridade e eficácia nas decisões judiciais é o que se busca no avanço dos estudos das ciências jurídicas.

Obviamente, a aplicação do princípio do contraditório durante a fase de investigação preliminar, não conspira contra o sucesso do inquérito policial, mas sim, garantirá legitimidade das conclusões das investigações, vez que este consiste em agilizar os atos processuais visando coibir os atos protelatórios, aumentando assim, a eficácia da lei e do direito de punir do Estado, visando desafogar os ofícios criminais e gabinetes dos magistrados, ante ao elevado índice de processos que praticamente se eternizam. Deve-se valorar o inquérito policial com a finalidade de torná-lo mais célere recuperando o seu valor processual e jurídico, elevando a qualidade do trabalho investigatório, valorizando o próprio Delegado de Polícia e seus agentes (Neto, Godoy. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 14 – jul./dez. 2009. p. 190).

Desse modo, a adoção dos princípios do contraditório dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça meramente informativa, que é o que se busca neste trabalho, mas a de valor de prova na instrução e consequentemente, atribuir maior eficácia e celeridade à prestação jurisdicional.

Assim, ante ao prejuízo Estatal pela deficiência de caráter constitucional do inquérito policial, indispensável é a reforma do código de processo penal (decreto lei nº 3.689 de 03 de outubro de 1.941), no tocante aos procedimentos do inquérito policial e principalmente, necessitamos de uma reforma no posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do caráter inquisitivo e sigiloso do procedimento investigativo, pois a inclusão dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa durante a persecução penal extrajudicial evitará que o judiciário seja acometido por ações penais que devido à realização de diligências repetitivas e desgastantes por serem realizadas em demasia, torne o processo penal ineficaz ou na melhor das hipóteses, menos ineficaz.

3.4 DA NECESSÁRIA MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO QUE DISCIPLINA O INQUÉRITO POLICIAL.

A mudança da legislação deve se iniciar pelos profissionais das ciências jurídicas, nesse caso, não falo do caráter meramente legislativo da matéria, mas também da mudança do entendimento quanto ao tema e da cobrança dos parlamentares por aqueles que não só entendem da matéria, mas também convivem com o exercício prático da atividade policial e jurisdicional do processo penal.

Segundo informações da internet, o Brasil hoje, possui mais de um milhão de advogados, sendo trezentos mil profissionais só no Estado de São Paulo¹, fato que demonstra a potencialidade dos juristas em cobrar nossos legisladores de forma técnica a darem mais atenção ao fato de executarmos um inquérito policial com procedimentos incompatíveis com a Constituição Federal há mais de vinte e nove anos.

A Ordem dos Advogados do Brasil detém uma estrutura e um poder histórico capaz de contribuir de modo rigoroso na reforma do código de processo penal no tocante ao inquérito policial, pois trata-se de uma entidade sui generis, já que representa profissionais que exercem atividade de caráter privado que o poder constituinte originário considerou indispensável à administração da justiça². Devemos ainda considerar o fator histórico que norteia a relevância da reinvindicação do profissional advogado que já exerceu no Brasil, papel relevante ao retorno da democracia em diversas oportunidades, sendo seu papel na reforma do inquérito policial indispensável e de grande peso, pois o assunto em questão se refere ao cumprimento dos requisitos inerente ao Estado Democrático de Direito que a advocacia lutou por anos para preservar.

A magistratura por sua vez, ainda que não detenha o número de profissionais tão volumoso como é o caso da advocacia, detém relevante papel na reforma do inquérito policial, já que ao poder judiciário compete o exercício do controle e aplicação normativa.

No mais, os magistrados são os principais afetados pela ineficácia resultante do sistema investigatório no Brasil, posto que ao judiciário incumbe o dever de não aceitar as provas produzidas durante uma fase que carece de cumprimento de preceitos fundamentais, sofrendo com o vasto número de ações penais que quase se eternizam.

Por sua vez, a sociedade não se escusa do dever de participar das lutas pela melhoria da justiça, posto que são as principais afetadas pela ausência da eficácia do Estado durante a aplicação da justiça, por possuírem o papel de vítima. Ora, a população deve ter papel significativo na reforma e prevenção das deficiências do poder público, não devendo participar de importantes reformas legais como meros telespectadores, pois a sociedade é a vítima dessa ineficiência do poder Estatal. O inquérito policial é um procedimento realizado pelo poder público a fim de garantir a paz social, sendo custeado pelo erário público que consiste na contribuição financeira da população a fim de satisfazer as necessidades da coletividade, assim, a eficácia e eficiência do poder público como contrapartida não é um favor, é obrigação.

A ineficiência do poder público naquilo que concerne ao inquérito policial é derivada da inobservância dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa durante esta fase inquisitiva, tornando os conjuntos de diligências já realizados inúteis, forçando a repetição de atos concluídos durante a fase processual, abaloando o judiciário com demandas que quase se eternizam, tornando o poder de punir do Estado frágil e absolutamente ineficaz, sendo a reforma do direito processual penal no tocante ao inquérito policial necessária e urgente, competindo a iniciativa à todos os interessados que vai de profissionais do Direito à sociedade em geral.

3.5 DO INQUÉRITO POILICAL CONSTITUCIONAL.

Havendo reforma na norma que disciplina o inquérito policial, introduzindo o exercício do contraditório e ampla defesa pelo indiciado, falaremos de um inquérito policial novo, em que possamos visualizar uma aplicação completa daquilo que visualizamos num Estado Democrático de Direito, pois haverá um procedimento compatível com as regras constitucionalmente previstas.

Visualizemos um Estado em que de fato todos sejam iguais perante a lei, onde ocorrerá não só a observância das normas, mas sua fática aplicação isonômica, sendo o indiciado tratado como inocente e não mais como mero “criminoso”, podendo se socorrer das garantias constitucionais, a fim de proporcionar-lhe maiores garantias para sua defesa, pois desse modo, terá conhecimento prévio dos atos que lhe são imputados.

No mais, ainda como decorrência lógica da observância dos princípios constitucionais, haverá colheita de provas durante a investigação preliminar e não só de informações, como ocorre em nosso atual sistema jurídico, podendo ser integrada durante a ação penal, tornando o processo penal mais célere e eficaz, fato que se busca no ordenamento jurídico atual.

Não obstante, verifica-se que a existência de um inquérito policial com natureza constitucional, não traz sequer um prejuízo à sociedade, mas apenas melhorias, pois teremos maiores meios de buscar a verdade real, proporcionando maior eficiência no uso do conjunto probatório e deixando a ação penal mais célere.

Dessa forma, o inquérito policial constitucional, é aquele em que podemos visualizar total aplicação das regras estabelecidas pela lei maior, onde opera com prevalência os direitos de primeira dimensão, proporcionando ao sistema investigativo uma forma probatória e por conseguinte, tornando a ação penal mais eficaz, cumprindo com grande parte dos objetivos buscados por um Estado Democrático de Direito.

Sobre o autor
Denis Lopes

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