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Prisão após 2º grau: da anomia à anarquia

Agenda 30/07/2018 às 15:00

Análise relacionada à decisão do STJ sobre a pena restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, por exemplo) não poder ser executada após decisão de 2º grau.

1. O Supremo Tribunal Federal, em 2016, violando letra expressa da Constituição, deliberou autorizar, conforme cada caso concreto, a prisão imediata do condenado após decisão de 2º grau. A decisão, além de “ativista” (porque criou regra nova no País), não foi unânime (6 votos a 5).

2. Os ministros “perdedores” não seguem a orientação de Rosa Weber, pró colegialidade. Para combater essa desordem nefasta é preciso uma Emenda Constitucional, que o Parlamento se recusa a aprovar, por razões óbvias (mais da metade dos parlamentares são investigados ou réus em processos criminais).

3. O mundo todo prende após decisão de 2º grau, daí a pertinência de se ajustar nossa Constituição, sem violar a cláusula pétrea da coisa julgada. Uma cláusula pétrea jamais pode ser extinta, mas pode ser modulada. Temos que definir na Constituição o que se entende por coisa julgada.

4. Quando o tema da prisão após 2º grau chega ao Plenário do STF via habeas corpus, a privação da liberdade é confirmada (o caso Lula é emblemático). Se o réu, lotericamente, cai na 2ª Turma, é prontamente liberado (caso Dirceu, para citar um exemplo).

5. A falta de regra firme para se respeitar, na Corte, a colegialidade gera anomia (ausência de norma certa ou ineficácia da norma existente). Isso é tudo que os donos corruptos do poder cleptocrata querem. Quanto mais desarmonia entre os juízes melhor para eles (melhor para a impunidade deles).

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6. A distância que separa a anomia da anarquia (ausência de autoridade, de credibilidade, de governo, de comando) é muito pequena. A disfuncionalidade da jurisprudência brasileira (entendimento dos tribunais sobre um assunto) tornou-se pública e notória.

7. No STF, como temos visto, não é incomum cada ministro decidir à sua maneira. A bagunça está instalada. Às vezes, a vontade soberana de um ministro se sobrepõe à decisão da maioria (isso é feito pela via do pedido de vista, ou seja, retira-se o processo da pauta de julgamento, por tempo indeterminado).

8. O direito requer, para ser observado e respeitado pela população, estabilidade e previsibilidade. Nosso direito (Constituição, leis e entendimento dos juízes) tornou-se instável e imprevisível. A insegurança jurídica no Brasil atingiu níveis estratosféricos.

9. Isso constitui um dos motivos do nosso crescimento econômico ridículo nas últimas três décadas (menos de 1,5%, ao ano). A receita fatal para a destruição ou fracasso dos países é composta de instabilidade econômica, política e jurídica.

10. A anarquia jurisprudencial agrava-se a cada dia. O STJ (decisão de Laurita Vaz) acaba de decidir que pena restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade, por exemplo) não pode ser executada após o 2º grau. Prisão, que é o mais, mesmo sem Emenda Constitucional, pode; restritiva de direitos, que é o menos, não. Perdeu-se por completo o senso de equilíbrio.

11. Réus na mesma situação recebem tratamentos completamente distintos. A execução da pena maior não autoriza a mesma regra para a pena menor. O Judiciário está de ponta cabeça e isso se deve, muito, à indicação política para os tribunais. Temos que eliminar esse absurdo no Brasil. Num país cleptocrata a indicação política dos juízes é um desastre certo (como temos visto).    

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Prisão após 2º grau: da anomia à anarquia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5507, 30 jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67918. Acesso em: 22 dez. 2024.

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