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A utilização da linguagem não-verbal como fundamentação pelo juiz na coleta de prova oral do processo penal

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Agenda 19/10/2018 às 09:03

Princípio da Inexigibilidade de Autoincriminação

Esse princípio relaciona-se diretamente ao princípio da presunção de inocência e o com o direito ao silêncio, ambos elencados no rol de garantias do art. 5º da Constituição Federal, nos incisos LVII e LXIII, respectivamente.

A inexigibilidade de autoincriminação ou nemo tenetur se detegere “assegura que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo” (TÁVORA e ALENCAR, 2016, p. 95) e assim, “não ser compelida a declarar contra si mesma nem a participar ativamente, mediante ato que equivalha a um testemunho, da produção de prova que a possa incriminar” (REBOUÇAS, 2017, p. 116).

 Implica destacar explanação do doutrinador Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 113):

Embora aludido ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (art. 5.º, inc. LVII, CF e, ainda, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8.º, § 2.º), a prova de culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação. Em decorrência disso, são incompatíveis com os referidos textos quaisquer disposições legais que possam, direta ou indiretamente, forçar o suspeito, indiciado, acusado, ou mesmo qualquer pessoa (inclusive a testemunha) a uma auto-incriminação.

À vista disso, a discussão acerca da possibilidade de incriminação, da testemunha, no crime de falso testemunho advinda de contradição de linguagem verbal e não verbal ganha razão, uma vez que a inexigibilidade de autoincriminação abrange a todos, inclusive a testemunha.

Em remate, o aludido princípio acoberta, pelo sentido e alcance, três dimensões protetivas, segundo Sérgio Rebouças (2017, p. 119):

(i) direito de não declarar, previsto na Constituição e nas normas internacionais como direito ao silêncio, que se integra, em última análise, no próprio marco da ampla defesa – aqui se resguarda o indivíduo de qualquer declaração sobre a hipótese acusatória, evitando-se o mais remoto risco de que diga algo que lhe possa incriminar; (ii) direito de não declarar contra si mesmo, que expressa uma dimensão mais aproximada e diretamente referida à não autoincriminação; (iii) direito de não se confessar culpado, em que se identifica, de forma direta, a proibição de que o silêncio do imputado seja interpretado como confissão tácita ou tenha qualquer interferência sobre o convencimento do julgador – aqui se inclui a vedação de que o acusador faça referência, sobretudo perante jurados (leigos), ao silêncio do imputado como se fosse uma assunção de culpa.

Importa destacar que o direito ao silêncio também apresenta liame com o princípio da ampla defesa anteriormente indicado, pois o seu exercício não pode configurar em prejuízo ao réu, podendo esse até interessar para a tutela do mesmo.

Confissão e Acareação

A confissão “é a admissão por parte do suposto autor da infração, de fatos que lhe são atribuídos e que lhe são desfavoráveis” (TÁVORA e ALENCAR, 2016, p. 683), devendo ainda ser “ato pessoal, voluntário, expresso e formal” (REBOUÇAS, 2017, p. 652).

Como qualquer outra prova, a confissão possui valor probatório relativo, devendo estar em conformidade as outras produzidas no processo, uma vez que a confissão não tem “aptidão para desconstituir o ônus, a recair exclusividade sobre o órgão acusador, da prova da existência material e autoria do fato” (REBOUÇAS, 2017, p. 655) e, por conseguinte, completa o autor:

Caso subsistente ao final do processo apenas a confissão, sem qualquer outro elemento de prova que a respalde, o acusado deverá ser absolvido, uma vez que, nessa hipótese, o acusador não se desincumbiu do ônus de demonstrar a autoria ou a participação do imputado no fato. (2017, p. 656)

A confissão também não pode suprir o exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, como disposto no art. 158 do CPP, exatamente pelo anteriormente apresentado, pois o ônus de comprovação do fato deve recair exclusivamente sobre a acusação.

Já no que se refere a acareação, temos, nos dizeres de Julio Fabbrini Mirabete (2006, p. 311):

Acarear (ou acoroar) é pôr em presença uma da outra, face a face, pessoas cujas declarações são divergentes. A acareação é, portanto o ato processual consistente na confrontação das declarações de dois ou mais acusados, testemunhas ou ofendidos, já ouvidos, e destinado a obter o convencimento do juiz sobre a verdade de algum fato em que as declarações dessas pessoas forem divergentes.

Disposta no art. 229, caput, do CPP, o meio de prova em questão apresenta-se com a seguinte redação:

Art. 229.  A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

Tanto a confissão como a acareação apresentam relação com a matéria de estudo desse trabalho, uma vez que sendo ambos meios de prova oral, são indissociáveis da linguagem corporal. Na primeira, temos que a oralidade é um requisito de validade, só podendo ser realizada diante do juiz para evitar possíveis violações a garantias. Já na acareação, pode haver sua produção por meio de precatória, como elencando no art. 230 do CPP, porém, resta prejudicada, pois a linguagem não-verbal possui tanto valor, ou até mais, do que a linguagem verbal, mesmo que sua utilização como fundamentação pelo juiz ainda esteja em pauta de discussão.

            Importância da Linguagem Corporal nas Provas Orais

As provas orais são de extremada importância para o processo, mesmo não havendo tarifação de valor probatório, pois, em situações excepcionais, vemos que a prova oral ganha maior destaque, como na impossibilidade de exame de corpo de delito por motivo de desaparecimento de vestígios, em que a prova testemunhal passa a supri-lo (art. 167, CPP).

É claro que o mérito das referidas provas não se encontra apenas nessas situações atípicas, mas em todos os processos, uma vez que essa prova sempre se faz presente em alguma de suas espécies, não existindo processo que não tenha ofendido, testemunha e, principalmente, acusado.

Assim, as declarações do ofendido podem não acontecer, por exemplo, no crime de homicídio. Com também pode o processo desenrolar-se apenas com provas de cunho concreto, como com a prova documental. Mas sempre, em todos os processos, teremos o acusado. Pode ser que esse não exerça sua autodefesa, renunciando aos direitos de audiência e presença, mas sempre será possível seu exercício.

Dessa forma, temos que a prova oral é inerente ao processo, o que não poderia configurar de maneira diversa, pois o direito, como já visto, é fruto das relações humanas, sendo o processo composto de atos e procedimentos realizados pelas próprias pessoas.

Com isso, vemos que a linguagem não-verbal é incessante na coleta de prova oral, apresentando influência na narrativa escolhida na sentença e devendo, portanto, pautar mais debates acerca de sua relevância e utilização no processo.


APLICAÇÃO DA LINGUAGEM NÃO-VERBAL NA COLETA DE PROVA ORAL

A linguagem não-verbal, como inseparável das provas orais coletadas no processo, deve receber devida atenção, não apenas em relação aos meios de provas, como também a existência de um juiz humano, esse que precisa motivar sua decisão, porém, antes, necessita formar sua convicção pessoal. Assim, vemos que “entre a prova e a decisão, interferem inúmeros fatores de natureza objetiva e subjetiva. Principalmente subjetiva.” (MADEIRA, 2003, p. XI).

Desta forma, diversos questionamentos passam a circundar o direito positivado, acarretando o rompimento do ideal de conceitos há muito consagrados no Direito, como, por exemplo, a imparcialidade do juiz e a própria busca da verdade, essa já destacada anteriormente.

Impossível ao juiz, como ser humano, desenvolver uma livre convicção sem que fatores subjetivos interfiram, esses advindos tanto de sua vivência pessoal, como as externadas pelas partes em juízo e pelos colaboradores da justiça, isto é, as testemunhas.

Acontece que a subjetividade ainda atormenta aos juristas, evitando esses, ao máximo, instigar discussões acerca do assunto para não desacreditar, ainda mais, a atividade jurisdicional. Nesse sentido Natalie Ribeiro Pletsch (2007, p.12):

Os papéis dos sujeitos - o conjunto probatório e a decisão judicial - raramente têm sido confrontados com o ideal de verdade. Na prática, perdura o ideal da ciência moderna que despreza a subjetividade e confia no potencial da racionalidade humana para o conhecimento imaculado. Assim a atividade jurisdicional é considerada apta para captar "o" passado e, reunindo os esforços dos atores processuais, reconstruir o "real", ainda que imperfeitamente.

O questionamento, porém, que esse trabalho tenta iniciar, ou pelo menos faiscar, envolve a possibilidade de utilização dessa linguagem não-verbal, que influencia na convicção do magistrado, mas que se encontra intrinsecamente ligado a subjetividade, na fundamentação das decisões judiciais.

Instaura-se então indagações: como o juiz irá transferir informações visuais, característica da linguagem não-verbal, para a verbal? As técnicas atuais de leitura de linguagem corporal são confiáveis? E a segurança jurídica do processo? Como fica a discricionariedade do juiz nessas situações?

 A Busca da Verdade onde impera a Subjetividade

A verdade já foi apontada como finalidade precípua do processo penal, justificando excessos absurdos por parte do Estado, que atuando como acusador e juiz, reduzia o acusado a mero expectador de uma peça com final já conhecido pelo público.

Com isso, temos que “a verdade serviu tanto para justificar os piores excessos do poder penal (a tortura sistemática) como para construir os limites que buscam preveni-los” (BINDER, 2003, p. 46, apud PLETSCH, 2007, p. 57). Diferente da inquisição, temos que:

No modelo garantista, ao contrário, a preocupação está em assegurar a paridade de armas para que a acusação e defesa estejam em equivalentes condições de debater, ou seja, comprovar suas teses e refutar as alegações contrárias. A verdade é apenas uma meta, e, na tentativa de aproximação, devem ser respeitados os direitos e garantias individuais. (PLETSCH, 2007, p. 118)

Assim, importa recordar que a verdade real (absoluta) não encontra mais amparo frente às diversas modificações garantistas ocorridas em nosso ordenamento, sendo de maneira preferível substituída pela verdade processual (relativa), essa que se desenvolve com o decorrer do processo e que sim, tenta se aproximar da veracidade dos fatos, mas que não a utiliza como finalidade primordial.

A reflexão sobre a verdade, ou a impossibilidade de verdade, na atividade processual contribui para fortalecer os limites do Estado na persecução penal, estabelecendo o procedimento probatório, as exigências para comprovação do fato narrado na denúncia, os critérios para a solução do caso penal. (PLETSCH, 2007, p. 58)

Essa impossibilidade de alcance da verdade absoluta é intrínseca à própria atividade processual, uma vez que os fatos trazidos para discussão em juízo datam de um passado e, assim, sendo revivido pelo “tempo presente”, já se encontram vinculados a esse, alterando substancialmente suas características, isto é, a própria técnica do reescrever está pautada na subjetividade.

Dessa forma, temos que “a reconstrução mnemônica do passado, com frequência, diz mais sobre o presente “, esse em que se dá a reconstrução, do que sobre o passado em si, “o qual, a rigor, não pode ser verificado fácticamente, senão sob a ótica e o filtro da reconstrução, isto é, do presente” (SOARES e GUINDANI, 2005, p. 49, apud PLETSCH, 2007, p. 25).

A verdade, mesmo não sendo mais considerada o objetivo crucial do processo, ainda deve elencar o rol de finalidades almejadas, pois tem função essencial para a legitimação desse perante a sociedade e, sem a qual, o Estado atuaria em completa arbitrariedade, desconstruindo o lema originário do direito de “proteção aos bens jurídicos”, conforme bem elucida Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 172):

Embora a obtenção de uma verdade absolutamente correspondente à realidade dos fatos seja incompatível com a própria natureza da atividade processual, a sua procura constitui, inegavelmente, um valor a ser perseguido. No Estado democrático de direito, somente as decisões fundadas no conhecimento dos fatos podem legitimar as restrições à liberdade pessoal; mas, para ser efetivamente imparcial, na qual as preposições acusatórias não somente sejam plenamente comprovadas, mas também que os procedimentos respectivos sejam realizados com a participação e o controle da defesa e, ainda, que possa haver contraprova.

Visto que a verdade, não mais absoluta e sim relativa, decorre de uma reconstrução de fatos, esses necessários a legitimidade da atividade processual, e que são afetados por características subjetivas dos envolvidos, temos que “a apreciação da prova no processo penal está permeada pela subjetividade do julgador" (PLETSCH, 2007, p. 16). Assim, não se tem como desassociar do processo as características íntimas e próprias dos envolvidos, em especial as do magistrado.

Nesse sentido, completa Natalie Ribeiro Pletsch (2007, p. 114):

Desde a formação acadêmica do magistrado, seu contexto sociocultural, suas relações familiares, sua situação econômica, sua história pessoal repercute na atividade jurisdicional, mesmo as mais singelas e aparentemente insignificantes preferências ou preconceitos "afetam a memória ou a atenção do julgador e influem sobre a credibilidade das testemunhas ou das partes". Tais percepções ecoam no relato final do julgador ou mesmo no direcionamento que este confere à formação da prova.

O processo não pode e nem deve abster-se dessa discussão, pois “para além das tentativas de exclusão, a subjetividade estará sempre presente nos atos decisórios" (PLETSCH, 2007, p. 112), devendo o jurista, ao invés de vedar seus olhos para esse fato, reconhece-lo e buscar integra-lo da maneira mais benéfica possível a atividade jurisdicional. Adepto desse entendimento, Alexandre Morais da Rosa (2004, p. 288):

[...] ir ao encontro do um-juiz humano, portador de uma subjetividade que opera dentro da 'Instituição', para encontrar emoções, desejos, complexos, é um caminho rumo à democratização do ato decisório. Não se trata, evidentemente, de eclipsar seu lugar, nem de aceitar a decisão consensual entre as partes envolvidas sobre o 'caso penal', muito menos de adotar uma 'psicologia do eu'. Cuida-se de reconhecer a influência do inconsciente do um-julgador no momento do ato decisório, uma vez que 'não tem sentido manter uma venda nos olhos para fazer de conta que o problema não existe'.

A subjetividade não deve ser rechaçada, uma vez que, “para julgar um ser humano, o juiz precisa ser cada vez mais humano” e, talvez, “o excesso de técnica” exigido dele acaba por “distanciá-lo desse ideal” (Prado, 2013. p. 20).

Reconhecendo a falibilidade da reconstrução dos fatos e, principalmente, a interferência inerente da subjetividade do juiz na prolação das decisões, confirmamos a ideia de que a sentença seleciona apenas uma narrativa dentre várias possíveis.

Assim, vemos o magistrado como um participante da produção de provas, mesmo que indiretamente, uma vez que ao estabelecer sua convicção, acabar por buscar os pontos convergentes e possíveis de fundamentação da sentença. Desse modo, o juiz movimenta-se através das possíveis narrativas e, certamente, “não há movimentação neutra: sempre há de se escolher em que caminho seguir” (PLETSCH, 2007, p. 67).

Essa movimentação tendenciosa do magistrado é mais evidente quando esse realiza, de oficio, diligencias para dirimir dúvida sobre ponto relevante, conforme possibilidade disposta no inciso II, do art. 156 do CPP. Nesse caso, essa quebra da isenção judicial é mais patente, pois, em regra, essa ruptura aconteceria de forma velada.

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Temos, então, que “o juiz vai à audiência sem um conhecimento prévio dos fatos e essa desinformação é propositadamente disposta como instrumento de garantia da imparcialidade” (GOMES FILHO, 1997, p. 70). Porém, em regra, a partir de um certo momento, o juiz já se encontra convencido de algum posicionamento, buscando apenas uma forma de explicar, através da linguagem verbal escrita, as suas motivações.

Sabemos que a linguagem não-verbal influi diretamente nessa tomada de posição do magistrado, afetando a subjetividade desse. Acontece que a comunicação corporal é essencialmente visual, tornando sua reprodução escrita, talvez, uma incompatibilidade inata.

 Subjetivismo Necessário

Com o advento da Lei nº 11.719/08 incluiu-se ao direito processual penal o princípio da identidade física do juiz, esse já aplicável na sessão de julgamento do Tribunal do Júri e no âmbito dos Juizados Especiais Criminais.

Porém, com sua normatização no parágrafo 2º, do art. 399 do CPP, proporcionou o “indispensável contato entre o acusado e o juiz, assim como a colheita imediata da prova por aquele que, efetivamente, irá proferir a decisão” em todos os procedimentos penais comuns, ipsis litteris:

Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente.

§ 1º O acusado preso será requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder público providenciar sua apresentação.

§ 2º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença. (grifo nosso)

Certamente, tal inclusão apresentou-se benéfica ao processo, sendo então enaltecida por Renato Brasileiro de Lima (2018, p. 656):

Louvável a introdução desse princípio no processo penal, já que, antes da reforma processual de 2008, era exatamente comum que um juiz interrogasse o acusado, outro ouvisse as testemunhas de acusação, outro as de defesa, com um quarto magistrado proferindo a sentença. Esse distanciamento entre prova e o magistrado prejudicava a formação de um quadro probatório coeso e harmônico, prejudicando um dos escopos do processo penal, que é a busca da verdade.

A introdução desse princípio ao processo penal não apenas contribui para a busca da verdade processual, como também contempla a ideia de que, o contato direto com as provas, em especial as orais, afeta a subjetividade do juiz, uma vez que se contrário fosse, não teria o porquê de se ter vinculada a figura do magistrado. Claro que essa vinculação não se dá de maneira absoluta, havendo exceções advindas de excepcionalidades, como no caso de promoção do juiz.

Dessa forma, a regra é a vinculação, essa que destaca os aspectos subjetivos da motivação e desencadeia pertinentes reflexões, por exemplo, se a discrepância entre julgamentos na 1ª instância e o grau recursal deriva da ausência de contato direto com as provas. Porém, em vista da complexidade necessária para esse estudo, tal analise não encontra espaço nesse trabalho, tentando esse apenas propor importantes discussões basilares da temática.

Dando prosseguimento, temos então que a necessária identidade física do juiz traz à tona a atinente subjetividade do magistrado na valoração das provas, reconhecendo que essa característica intima do magistrado possui relevância e atinge diretamente a motivação judicial.

 A Inserção de outros Saberes no Direito

A partir de tudo que foi discorrido, entendemos com maior nitidez a interferência causada no processo pela linguagem não-verbal, não apenas se encontrando presente, como também sendo indispensável na formação da sentença.

Seguindo esse entendimento, temos um caso em especial, no qual o Juiz Max Carrion Brueckner, da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, dispensou uma testemunha alegando incompatibilidades entre sua comunicação verbalizada e a corporal. Temos então, em resumo, o disposto na Revista Eletrônica nº 186/2015 do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em sua página 46:

Prova testemunhal. Imprestabilidade. Relevância da análise do juiz que colheu os depoimentos. Importância da linguagem não-verbal, cujo registro em ata não é possível. Atitude corporal que muitas vezes não corresponde à informação verbalizada. Emprego de técnicas atuais na coleta de prova oral. Jurisprudência quanto à consideração das observações do juiz de primeiro grau. Testemunha que revela ausência de comprometimento com a verdade. Intenção demonstrada de defender os interesses da autora. Cometimento de exageros e menção a aspectos sequer citados pela reclamante. Retificação de depoimento após questionamentos do advogado, em visível indução.

O fato de essa decisão originar-se no âmbito trabalhista não afasta a reflexão necessária no âmbito penal, uma vez que a atitude do magistrado na seara do trabalho possui reflexo em outras áreas do direito e, com destaque no referido caso, no direito penal.

A prova testemunhal, ao ser afastada por se encontrar contraditória, pode acarretar na incriminação por falso testemunho, disposto no art. 342 do CP e já abordado anteriormente. Cabe, entretanto, analisar se essa tipificação é possível com o amparo da linguagem não-verbal, devendo ser discutida de maneira mais complexa, mas que em simples verificação formal do tipo penal, pode sim se encaixar, opinião explanada com mais apreço em momento ulterior.

O que importa aqui destacar em relação a decisão do juiz é a sua justificação, na qual o magistrado relata que recebeu treinamento acerca de “técnicas atuais de coleta de prova oral” (Revista Eletrônica nº 186 do TRT da 4ª Região, 2015, p. 46), o que demonstra a inserção, no direito, de outros ramos das ciências sociais, em especial o da psicologia.

Assim, o reconhecimento da necessidade dessa interpretação e da influência que essa acarreta sobre o julgador, demonstra que “a formação da prova e a sentença judicial são atividades criativas”, como explicando por Natalie Pletsch (2007, p. 28):

Assumir que a formação da prova e a sentença judicial são atividades criativas não é negar a instrumentalidade garantista do processo penal, transformando-o na construção de uma narrativa qualquer, mas, ao contrário, é assumir o ato decisório como o sentire do julgador e reafirmar o papel de garantidor daquele que soluciona o caso penal, função abandonada quando o juiz se torna gestor da prova, protegido pelo argumento da busca da verdade.

Coadunando e reforçando essa característica do sentire do julgador, temos a citação da seguinte ementa na sentença proferida no caso anteriormente mencionado:

Prova testemunhal. Valoração. Ninguém melhor que o Juiz que colheu a prova testemunhal para aferir seu valor. Afinal, ele é que manteve o contato vivo, direto e pessoal com o depoente, mediu-lhe as reações, a (in)segurança, a (in)sinceridade, a postura. Aspectos, aliás, que não se exprimem, que a comunicação escrita, dados os seus acanhados limites, nem sempre permite traduzir. O Juiz que colhe o depoimento é, por assim dizer, a testemunha da prova. Por isso, o convencimento extraído pelo Juiz que colheu a prova deve sempre ser prestigiado, salvo quando houver elementos muito contundentes a revelar desvio de valoração. (TRT 2ª Região, Processo 00379-2006-492-02-00-1, Relator Desembargador Eduardo de Azevedo Silva, Data: 24/04/2007)

Vemos aqui a obtenção de credibilidade do juiz de primeiro grau perante a instância superior por possuir contato direto com as provas. Assim, mesmo não havendo o acolhimento do princípio da identidade física do juiz pelo direito do trabalho, resta nítida a influência da linguagem não-verbal no convencimento judicial e que esse deve ser considerado.

Acerca da ausência do referido princípio no direito processual do trabalho, segue trecho retirado de ementa no julgado da 3ª turma do TST, tendo como relator renomado ministro e doutrinador na esfera trabalhista:

Ainda que se possa, por absoluta exceção, considerar válido o princípio no processo penal, ele é dispensável e inadequado no processo do trabalho, em vista da pletora de desvantagens e prejuízos que acarreta, em contraponto com a isolada e suposta vantagem que, em tese, propicia. (TST – Ag – AIRR: 3228120115060021, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data do Julgamento: 18/12/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/01/2014)

Desta maneira, com a adoção do princípio da identidade física do juiz pelo processo penal, torna evidente o resguardo a subjetividade do juiz na elaboração de sua decisão e, consequentemente, também abre espaço para interpretações acerca da linguagem não-verbal na esfera criminal, como a que foi realizada pelo juiz trabalhista.

Assim, retornamos o desenvolvimento proposto por Natalie Pletsch (2007, p. 32) de formação da prova e da sentença judicial como atividades criativas, completando a autora:

A rejeição a qualquer de subjetividade, neste caso específico, da criatividade denota o transparente descompasso da área jurídica diante dos demais ramos do saber e fechamento para seu entorno. Por insistir em não dialogar com os demais saberes acabou por perder os sentidos: não ouve, não vê, não sentes sequer as investigações das outras disciplinas.

Nesse mesmo sentido, tece Salo de Carvalho crítica ao afastamento do direito, em especial o penal, da interdisciplinaridade, retratando que o encantamento:

dos cientistas (do direito penal) com sua imagem refletida nos espelhos teóricos encena o triste quadro de serem eles os únicos satisfeitos com a técnica desenvolvida. A vontade de verdade (vontade de sistema), eleita como fim último da própria atividade, revela a incapacidade de diálogo; e a incapacidade de escuta das angústias das partes envolvidas nos conflitos. (CARVALHO, 2006, p. 85)

O processo penal, então, deve buscar integra-se com outras ciências, não apenas para se manter atualizado, mas sim para atender da melhor forma possível sua finalidade principal: a justiça das decisões.

A Prova Oral analisada por outra Perspectiva

A linguagem não-verbal, por estar presente em todas as ciências sociais e humanas e, consequentemente, no Direito, guarda conexão intrínseca com os processos judiciais, como já exaustivamente apresentado. Acontece que esse liame não é explorado com afinco, uma vez que o assunto ainda é considerado um tabu no meio jurídico.

Essa multidisciplinariedade, que relaciona direito processual com a psicologia, não deve ser afastada pelos juristas, e sim, que seu impacto sobre a formação das decisões judiciais seja estudado para melhorar sua aplicação.

Assim, vimos no primeiro capítulo como funciona a linguagem não-verbal, essa caracterizada por um conjunto de movimentos corporais e que, em regra, se coaduna ao discurso verbal. Apontamos também que essa forma de comunicação revela a personalidade e as emoções individuais, apresentando-se de maneira involuntária e de possível percepção pelo receptor da mensagem. Nesse sentido, Jo-EllanDimitrius e Mark Mazzarella (2000, p. 49):

Por outro lado, a linguagem corporal nos dá uma informação mais básica. Poucas pessoas têm consciência de suas reações físicas ao mundo que as rodeia, e ainda menos pessoas podem controlar sempre essas ações, mesmo que desejem. Boas maneiras podem ser aprendidas conscientemente, mas expressões faciais, piscar de olhos, cruzar de pernas e tamborilar nervoso de dedos são difíceis de reprimir. Já observei um número suficiente de pessoas no banco das testemunhas para saber que é quase impossível controlar a linguagem corporal, mesmo quando o seu destino depende disso.

Constatamos que, às vezes, as expressões corporais acabam por divergir do discurso verbalmente proferido pelo indivíduo. Essa falta de harmonização entre as linguagens acaba por resultar em uma contradição, importando para esse trabalho aquela realizada, em juízo, pelo ofendido, pela testemunha ou pelo acusado na coleta de provas orais.

Porém, a detecção dessas contrariedades ou distorções são possíveis de analise a todo momento, uma vez que, como afirma Dimitrius e Mazzarella (2000, p. XIV), “pessoas são pessoas, onde quer que estejam” e “um jurado ou testemunha tentará evitar uma pergunta delicada no tribunal, do mesmo modo que faria em casa ou no trabalho”.

Analisamos também que os gatilhos, tanto os universais como os individuais, originam emoções e essas, por consequência, resultam em movimentos corporais involuntários.

Acontece que essas expressões podem ser controladas, mesmo que com grande dificuldade, o que caracteriza uma forma de manipulação dessa forma de comunicação. Porém, de acordo com Paul Ekman, mesmo quando uma emoção está sendo contida, as microexpressões – movimentos faciais extremamente ligeiros e que são fontes de escapamento - acabam por entrega-la.

Ele então desenvolveu o sistema FACS, esse que consegue capturar essas microexpressões e, consequentemente, detectar quando uma emoção é suprimida ou reprimida. O programa utiliza algumas táticas para identificação, como por exemplo, a de desigualdade das expressões faciais, pois, segundo Ekman, expressões tidas como falsas são mais assimétricas que expressões espontâneas.

Outra forma de verificação de ocultação seria a ausência de certos movimentos musculares involuntários, sugerindo então que a expressão externada seja falsificada. Nas palavras de Pierre Weil e Roland Tompakow (1986, p. 258):

Esta linguagem silenciosa do corpo que muitas vezes contradiz a palavra falada mais diz a verdade nua e crua é, como você já deve ter percebido, completamente inconsciente.

Sucede-se que, mesmo sendo detectada com maestria essa ocultação de emoções, essa não necessariamente contraria o que está sendo discursado verbalmente, podendo apenas caracterizar pensamentos privados e longínquos do indivíduo.

Contextualizando as Emoções

Temos então que a linguagem não-verbal quando contraria a verbal, pode sim ser detectada, tanto pelo FACS, como também por um observador experiente. Porém, essa discrepância pode resultar de fatores internos alheios a situação em que acontece, isto é, “as expressões não dizem sua causa” (EKMAN, 2011, p. 180). Assim, temos que:

A linguagem corporal de uma pessoa pode mudar de um momento para outro, de um ambiente para outro, e, assim, se você só encontrou uma pessoa uma vez, é arriscado julgar sua personalidade com base na linguagem corporal. (DIMITRIUS e MAZZARELLA, 2000, p. 63)

Aqui surge um desafio ao processo judicial, uma vez que o contato com as partes envolvidas e os colaboradores da justiça se dá de maneira breve e, em maioria, uma única vez. Com isso, o juiz não consegue e nem deve estabelecer um prejulgamento acerca da personalidade e, consequentemente, da índole de seus discursos, pois pode cometer sério equívoco. Exemplifica Jo-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarella (2000, p. 69):

Há vários anos, eu trabalhava num caso no qual o proprietário de uma empresa de incorporação imobiliária estava sendo processado por fraude por seu sócio. Uma das testemunhas-chave era uma empregada que tinha trabalhado com os dois homens. Ele era uma mulher muito nervosa mesmo na melhor das circunstâncias, e tremia como uma vara verde desde o momento em que foi chamada até o momento em que saiu do banco das testemunhas. Ela demonstrava todos os sinais clássicos de desonestidade: ausência de contato ocular, tremor, inquietação, e mexia com os copinhos de papel no banco das testemunhas. Mas eu não podia concluir que ela estava mentindo, porque se estivesse sendo desonesta, provavelmente teria se sentido mais confortável durante alguma parte de seu depoimento – quando descrevia sua história profissional, por exemplo. O fato de o desconforto dessa mulher ter sido constante revelava que ela era nervosa, não necessariamente desonesta.

Em vista disso, toda expressão corporal deve ser interpretada dentro do seu contexto, pois diversos fatores influem em sua manifestação, desde do tipo de vínculo estabelecido entre os interlocutores, emissor e receptor, até o ambiente em que se dá a mensagem.

Se eu notar que alguém parece nervoso no banco de testemunhas, levarei em consideração que o tribunal é um ambiente muito estressante. É claro, qualquer ambiente tem algum impacto sobre o modo como uma pessoa se expressa. (DIMITRIUS e MAZZARELLA, 2000, p. 121)

Desse modo, o próprio Ekman afirma que, “a mesma microexpressão pode ter significados muito diferentes em diversos contextos” e que “esse contexto é entendido pela natureza da interação conversacional, história do relacionamento, turno do falante e congruência” (EKMAN, 2011, p. 225).

Consequentemente, mesmo sendo descoberta a supressão de emoções por parte do indivíduo, não significa imperativamente que esse pretende ludibriar a justiça. Nesse sentido, Paul Ekman (2011, p. 225) destaca:

É importante ressaltar que a microexpressão parece a mesma quer seja o resultado de emoção suprimida ou reprimida. A microexpressão em si não diz o que é; isso deve ser determinado pelo contexto, e, muitas vezes, exige questionamento adicional.

Importa apresentar a diferenciação entre emoção suprimida e reprimida para melhor compreender o trecho citado. A primeira é fruto de um ocultamento deliberado, enquanto a segunda deriva de uma confusão íntima, na qual o indivíduo não sabe como se sente.

Assim, temos que o contexto é importante para qualquer tipo de interpretação. Exatamente por isso, que as leis devem sempre ser interpretadas conforme o seu contexto, a chamada interpretação histórica, para que os juristas possam compreender o que o legislador visava atingir à época de criação da lei, assim como adequá-la as mudanças sociais.

Interessante ilustração nos oferece Pierre Weil e Roland Tompakow (1986, p. 107), no qual alguém, por “despir-se em público”, pode ver sua conduta condenada e repelida pela socialidade, como pode a mesma situação, em contexto distinto, ser passível de demasiados elogios, quando a pessoa o faz, por exemplo, atirando-se de um cais, para salvar alguém de um afogamento.

Apresentada essa necessidade de compreensão do contexto em que se dá a comunicação, conclui-se que devemos nos atentar a essa característica com especial atenção para não cometermos o conhecido “erro de Otelo”.

O Erro de Otelo

Na obra Otelo, o mouro de Veneza de William Shakespeare, datada de 1603, temos que Otelo acusa sua mulher, Desdêmona, de estar apaixonada por Cássio e exige dela a confissão, esclarecendo que essa, consequentemente, irá acarretar em sua morte. Em seguida, Desdêmona pede para que Cássio seja chamado para que ateste sua inocência. Porém, Otelo assume que já matou Cássio e Desdêmona, ao perceber que não poderia provar a injusta acusação contra ela imputada, seria condenada à morte, colocando-se então em prantos.

DESDÊMONA — Então, é que ele o achou. Nunca lho dei. Mandai chama-lo, para vir confessar o que há.

OTELO — Já confessou.

DESDÊMONA — Confessou quê, senhor?

OTELO — Que te possuiu.

DESDÊMONA — Como? Ilicitamente?

OTELO — Sim.

DESDÊMONA — Absurdo! Não dirá isso.

OTELO — Não, porque tapada já tem a boca, pois o honesto Iago tomou suas providências.

DESDÊMONA — Oh! Meu medo tinha razão de ser! Então, morreu?

OTELO — Se seus cabelos todos vivos fossem, minha grande vingança os devorara.

DESDÊMONA — Ai de mim! Foi traído e estou perdida!

OTELO — Sai, prostituta infame! Vais chorá-lo na minha frente?

DESDÊMONA — Ó meu senhor! Bani-me de vossa vista, mas deixai-me viva.

OTELO — Para trás, prostituta!

(ATO V, CENA II, 168 – 169)

Explica Paul Ekman (2011, p. 74) o erro cometido por Otelo, nessas palavras:

O erro de Otelo não foi a incapacidade de reconhecer os sentimentos de Desdêmona. Ele sabia que ela estava angustiada e amedrontada. Seu erro foi acreditar que as emoções possuem uma única fonte, foi interpretar a angústia dela como resultado da notícia da morte de seu suposto amante, e o medo como o de uma mulher infiel, pega em sua traição. Otelo mata Desdêmona sem considerar que sua angústia e medo podiam ter fontes diferentes. Que eram as reações de uma mulher inocente, que sabia que seu marido extremamente ciumento estava prestes a matá-la, e que não havia maneira de provar sua inocência.

Concluímos então que apenas detectar a existência de uma emoção suprimida ou reprimida não nos oferece parâmetro suficiente para afirmar que o indivíduo age com má-fé, pois aquela pode possuir diversas origens. Desse modo, não devemos saltar para conclusões e sim considerar motivos alternativos. Ilustra Jo-Ellan Dimitrius e Mark Mazzarella (2000, p. 108) tal erro ante a coleta de prova testemunhal:

Existem poucos ambientes em que as pessoas se sintam menos à vontade que num tribunal. Vi centenas de pessoas testemunhando, desde especialistas profissionais até aqueles que estão no banco de testemunhas pela primeira vez. Muitas vezes, alguém que eu sei que está falando apenas a verdade, mostra sinais de nervosismo e desonestidade. A voz treme; seus olhos podem estar baixos ou ir de um lado para o outro; ele pode passar a língua sobre os lábios, brincar com os objetos a sua frente, gaguejar e até não se lembrar de acontecimentos recentes. Seria um grave erro concluir que deve estar mentindo. Pela mesma razão, muitos especialistas testemunharam literalmente centenas de vezes no tribunal e estão totalmente à vontade. Sabem o que estão fazendo e se comportam de modo confiante e sem esforço. Muitos são essencialmente ótimos atores e conseguiriam parecer completamente inocentes mesmo se estivessem esticando a verdade até o limite.

Essa necessidade de contextualização já nos restava apresentada, de maneira tímida, quando explicado os gatilhos das emoções. Assim, para compreender a expressão de uma emoção no indivíduo, deve-se cogitar a existência de gatilhos específicos para tal e não constatar, prematurante, a existência de um gatilho universal.

Em elucidação, deve-se relembrar o medo de animais venenosos, exemplo utilizado na explicação dos temas centrais universais. Assim, v.g., temos um empregado de comportamento sempre exemplar. Acontece que, por um mal-entendido, acaba ele sendo convocado ao escritório de seu chefe para prestar esclarecimentos acerca de uma conduta vista como inadequada pelos seus colegas.

Porém, ao se encontrar perante seu superior hierárquico, demonstra grande medo. Não da acusação injustamente imputada a ele e que, evidentemente, não cometeu. Mas sim de um inofensivo escorpião presente dentro de um aquário sobre a mesa. Assim, o funcionário começa a transpirar excessivamente, a gaguejar e, até mesmo, declarar informações desconexas.

Na situação narrada, caso o patrão não tenha conhecimento desse gatilho emocional especifico do empregado ou pior, nem cogite, ao menos, a existência de outras possibilidades justificantes dessa conduta, poderá a autoridade inferir, equivocadamente, que o operário está mentindo. Esse erro, também cometido por Otelo, pode ocorrer exatamente pela existência de gatilhos diversos para uma mesma emoção. Nesse mesmo sentido, Paul Ekman aborda (2011, p. 74):

O medo possui diversas fontes. O medo de uma pessoa culpada ser capturada parece exatamente o medo de um inocente não ser levado em consideração. Os sinais emocionais fornecem informações importantes a respeito do que uma pessoa está sentindo e o que ela pode fazer depois, mas quase sempre há mais de uma possibilidade. Uma pessoa cheia de medo pode lutar em vez de fugir ou se esconder.

Essa é a principal, e a mais comum, falha do “detector de mentiras”, esse que não consegue distinguir entre a discrepância deliberada pelo indivíduo e aquela oriunda de outras razões. Assim, tantos os efeitos corporais de uma emoção podem variar, como também os motivos que a originam.

O Detector de Mentiras

O polígrafo, popularmente conhecido como detector de mentiras, é um aparelho que se dispõe a medir e gravar as variáveis fisiológicas visando identificar incoerência em um relato verbal. Esse trabalho não se dispõe a abordar sua parte técnica, mas apenas apontar sua falibilidade vista a necessidade de contextualização das emoções e suas expressões. Nesse sentindo, Paul Ekman (2011, p. 74):

Há um problema sério quando nos submetemos a um detector de mentiras. O responsável pelo detector tentar diminuir o medo de uma pessoa inocente de ser julgada injustamente garantindo a exatidão do aparelho, mas como não é muito exata e as pessoas sabem disso cada vez mais, tanto a pessoa inocente como a culpada podem manifestar o mesmo medo.

Vemos então que o medo do inocente em muito se assemelha ao do culpado e, infelizmente, essa tecnologia não consegue fazer essa diferenciação. Na verdade, nenhum meio ou aparelho existente pode constatar, com exatidão, uma mentira. As discrepâncias entre linguagem verbal e não-verbal podem decorrer desde pensamentos dissonantes ao momento da comunicação, por falhas de memória e até por condições físicas preexistentes do indivíduo.

Outra relevante objeção ao uso dessa tecnologia é a invasão da esfera individual, uma vez que seu uso acaba por “detectar” algo que se pretendia omitir, isto é, afeta a intimidade do individuo e a liberdade de suas escolhas. Observa, então, Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 116):

Não menos repugnantes são os meios de caráter técnico, químico ou psiquiátrico - o detector de mentiras, o soro da verdade, a hipnose, a narcoanálise, etc. -, que afetam a liberdade de declaração, a intimidade e a dignidade pessoal do interrogado, caracterizando violação até mais séria que a própria tortura, pois nesta, como lembrou José Frederico Marques, ainda existe uma possibilidade de resistência, ao passo que tais métodos levam a uma subjugação total da vontade, com uma despersonalização da criatura humana.

Essa “intromissão” na individualidade afeta garantias constitucionais, como por exemplo a disposta no inciso X do art. 5º da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Assim, complementa:

Mas, o que se deve contestar em relação a essas intervenções, ainda que mínimas, é a violação do direito à não auto-incriminação e à liberdade pessoal, pois se ninguém pode ser obrigado a declarar-se culpado, também deve ser assegurado o seu direito a não fornecer provas incriminadores contra si mesmo. O direito à prova não vai ao ponto de conferir a uma das partes no processo prerrogativas sobre o próprio corpo e a liberdade de escolha da outra. (GOMES FILHO, 1997, p. 119)

Importa aqui destacar que a garantia constitucional em relação a intimidade e a privacidade não abarca apenas o acusado, como todas as pessoas que se encontram em território nacional e, por óbvio, resguarda também as testemunhas.

Violação da Esfera Individual

Como anteriormente apresentado em relação ao detector de mentiras, um dos principais obstáculos em sua utilização é o da violação à intimidade. Essa que também é desrespeitada quando o juiz decide basear seu julgamento em movimentos involuntários corporais, trazendo à tona questões que o indivíduo não escolheu externar.

Assim, as emoções nos causam reações públicas, dizendo aos outros como nos sentimos. Porém seus gatilhos, isto é, suas causas, são privados e desconhecidos pelo receptor. Temos então que “a maioria de nossas emoções possui sinal inconfundível, que diz aos outros como nos sentimos”, mas já “os pensamentos, por outro lado, são totalmente privados” (EKMAN, 2011, p. 71).

Temos então duas situações distintas e possíveis ao juiz ao constatar discrepância entre os tipos de comunicação: a) concluir a má-fé por parte do individuo e, consequentemente, sua mentira; ou b) buscar descobrir o porquê dessa incompatibilidade de linguagens.

Na primeira situação, como já explorado, concluiria inadequadamente o juiz, uma vez que a incongruência pode derivar de estímulos diversos. Já na segunda hipótese, exige do juiz uma percepção bastante perspicaz, pois a intervenção direta, isto é, atestar a divergência e exigir explicações, acarretaria em uma violação ao direito a intimidade individual.

Assim, precisa o juiz vislumbrar outros motivos alternativos capazes de interferir na prova oral, porém procurar constata-los sem se valer de atitudes ríspidas ou abruptas, como também tentar evitar que as partes assim ajam. Desse modo, acrescenta Gomes Filho (1997, p. 99):

Cuida-se, em síntese, de preservar a esfera individual contra intromissões que, embora ditadas pelo interesse de eficiência do processo, poderiam ter um custo desproporcional, na ótica de uma organização social secularmente assentada na primazia do indivíduo.

Destaca-se que violações constitucionais acarretam a nulidade do processo, porém essas se restringem em relação as partes processuais, não havendo resguardo quanto a testemunha, uma vez que essa não integra o processo, sendo vista com “imparcialidade”.

Assim, caso “técnicas” de análise de linguagem não-verbal sejam utilizadas de forma a desfavorecer o réu, por exemplo, configura a nulidade da sentença, assunto que será melhor abordado adiante. Porém, quanto a testemunha, por ora, tal intromissão é tida como possível.

Vulnerabilidade Jurídica

O devido processo legal é um dos princípios constitucionais com maior destaque, sendo considerado, como observou Ferrajoli, “de uma garantia das garantias, cuja observância é a nota diferenciadora entre as culturas jurídicas democráticas e autoritárias” (1990, p. 632-4, apud GOMES FILHO, 1997, p. 57).

A Constituição Federal estabelece em seu art. 5º, inciso LIV, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, proporcionando aos indivíduos a segurança jurídica necessária e exigida em um Estado Democrático de Direito, pois esse tem sua atividade punitiva condicionada e limita aos ditames legais.

Com José Herval Sampaio Junior, “vê-se que esse princípio assume dentro do processo penal uma importância transcendental e que delineia todo o seu agir, limitando inclusive a atividade do legislador”, porquanto “deve a lei se conformar com os direitos e garantias fundamentais do cidadão”, não havendo lugar para a interferência no núcleo protetivo da liberdade do agente, sem que sejam observados os condicionamentos e limites que decorrem da cláusula due process of law. (2008, p. 137, apud TÁVORA e ALENCAR, 2016, p. 87)

Eis então outro obstáculo a utilização das técnicas de análise da linguagem não-verbal. A interpretação da linguagem não-verbal, como já vimos, exige que o receptor tenha compreensão de uma diversidade de elementos e considerações possíveis dentro do contexto da comunicação e até externo a esse.

A relação entre os interlocutores, o ambiente, questões intimas de caráter psicológico e/ou biológico, a influência do lapso temporal dos acontecimentos. Essas e outras tantas razões devem ser consideradas quando se tenta interpretar a linguagem corporal de um indivíduo. Assim, como pode o juiz, em um contato sucinto, examinar e considerar todas essas possibilidades? Realmente é um desafio e tanto ao magistrado.

Além do mais, essa enormidade de situações admissíveis acarreta, inevitavelmente, uma insegurança jurídica. A partir do momento no qual o juiz possui, em seu favor, artifícios completamente discricionários, compromete-se a necessária imparcialidade. Dessa forma, poderia o juiz formar sua convicção inicial e buscar, posteriormente, pontos que justifiquem sua decisão, examinando a prova oral com uma visão previamente condicionada.

Assim, condensa o raciocínio exposto, Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 92):

Daí resulta a indeclinável exigência lógica de submissão dos procedimentos probatórios a certas regras - lógicas, psicológicas, éticas, jurídicas, etc. -, cuja inobservância acarretaria uma inevitável fratura ente o julgamento e a sociedade no seio da qual o mesmo é realizado. Assim como o saber científico, que só adquire esse status na comunidade acadêmica após uma rigorosa verificação sobre a validade dos métodos de pesquisa utilizados, também a verdade judicial requer obediência a parâmetros bem delimitados no seu processo de construção, sem os quais confundir-se-ia com um intolerável arbítrio do juiz.

A segurança jurídica exige, então, que toda decisão judicial seja explicada de maneira pormenorizada, possibilitando que os indivíduos compreendam os motivos que conduziram o magistrado a conclusão e que possam, assim, contestar sua imprecisão caso essa subsista.

Grafando a Linguagem Não-verbal

A linguagem não-verbal é, não apenas, mas em grande parte, visual, refletindo uma característica essencial de sua existência. Diferentemente, a sentença judicial deve ser escrita, pormenorizada, expressa de maneira minuciosa.

Nitidamente observa-se o embate entre os atributos de ambas e nos sugere mais um questionamento: como transformar um tipo de linguagem marcadamente sensorial para palavras, transformando um código em outro? Essa possibilidade, por óbvio, é possível e encontramos, constantemente, nas obras literárias.

Acontece que essa é uma prática que exige tempo e um cuidado descomunal para com os detalhes, na qual adjetiva, e com razão, seus produtores como artistas. Assim, o juiz para desenvolver tal habilidade, prejudicaria a eficiência processual, dificuldade apresentada pelo próprio Juiz Max Carrion Brueckner, do caso de dispensa testemunhal já citado, em sua decisão:

É importante deixar claro, na sentença, aspectos relevantes na tomada dos depoimentos, cujo registro seria impossível na ata de audiência. Com efeito, para consignar todas as impressões do magistrado durante a audiência, seria necessário estender a solenidade por tempo indefinido, o que prejudicaria demasiadamente a produção da prova, em face das diversas interrupções que seriam necessárias. (Revista Eletrônica nº 186 do TRT da 4ª Região, 2015, p. 46)

Aqui retomamos a discussão acerca da segurança jurídica, em especial quando se encontra ameaçada a liberdade individual, pois essa impossibilidade de pormenorização do juiz dos aspectos visuais da audiência causa incerteza e dificulta a oposição e, consequentemente, viola a ampla defesa e o contraditório.

Caso um juiz, na esfera penal, vier a dispensar a validade de uma testemunha por entender que seus discursos, verbal e não-verbal, são contrários, como irá contestar a parte que arrolou aquela prova oral? Resta patente que esse tipo de juízo coloca o processo penal em total antagonismo com seus princípios. Nesse sentido, interessa destacar os dizeres de Antonio Magalhães Gomes Filho (1997, p. 166):

Assim, ao direito que tem as partes à introdução de provas corresponde não somente um direito à valoração das mesmas, mas sobretudo um direito à motivação que exprima e justifique, de maneira expressa e completa, a avaliação realizada; nessa matéria, não será possível admitir-se uma motivação implícita, decorrente, v.g., da aceitação de outra prova em sentido contrário, pois nesse caso não será possível deduzir-se, facilmente e com certeza, as verdadeiras razões da não consideração da prova rejeitada.

Importa também destacar que a imposição de estrita legalidade relacionada diretamente com a necessária documentação, em especial na área jurídica, afasta aspectos importantes do momento fático, isto é, prejudica a complexidade dos elementos que compõe a realidade.

Assim, a capacidade do homem de discernir resta prejudicada quando “o hábito de atentar para as ferramentas-símbolos, chamadas palavras” afasta-o da percepção do “aqui e agora” (WEIL e TOMPAKOW, 1986, p. 79), o que pode afastar o juiz da eficiência processual em prol da legalidade estrita.

 Impraticabilidade no Interrogatório

Em vista de todas as garantias constitucionais e processuais, resta indubitável a impossibilidade de análise da comunicação não-verbal do acusado. Não que esse tipo de linguagem não possa ser interpretado pelo magistrado, mas sim sua inviabilidade na motivação da sentença.

Sendo o silêncio direito do indiciado, tendo em vista que ele não pode e a lei não autoriza que o mesmo faça prova contra si mesmo, sofrer qualquer represália ou prejuízo em função do exercício de seu direito constitucional. (MADEIRA, 2003, p. 38)

O silêncio do réu não pode ser utilizando em seu desfavor, posto que é um direito constitucional do acusado. Mas não apenas o “não dizer” encontra-se resguardado, como pode também apresentar sua versão dos fatos, essa sem o compromisso com a verdade e, consequentemente, a que melhor lhe convier.

Assim, a linguagem não-verbal se constitui como um “dizer”, mas um dizer, em regra, involuntário; ou se voluntário, de causa íntima e privada. Em ambas as situações, o acusado tem seu direito resguardado, uma vez que sua omissão ou sua “versão dos fatos” não lhe pode prejudicar, encontrando-se no exercício de sua autodefesa.

Conclui-se que o juiz, ao fundamentar sua decisão, não poderá valer-se da linguagem corporal do acusado para motivar sua decisão, pois caso contrário, incorrerá em expressivas violações constitucionais.

 A Utilização Tática do Ofendido

As provas, como já apresentado, são todas tidas com valor relativo, tendo o juiz a atribuição de livremente valora-las, desde que a faça de maneira motivada. Desse modo, as declarações do ofendido estão, de início, em equivalência com todas as outras provas, podendo o juiz concedê-las o valor que melhor entender.

Assim, vemos que a vítima possui em sua alçada um artifício de inigualável relevância, uma vez que pode se valer da linguagem não-verbal para convencer o magistrado de que suas alegações são legítimas.

Enquanto o acusado não pode ser prejudicado quanto a sua linguagem corporal, o ofendido pode utiliza-la em seu favor, tentando convencer o juiz a lhe dar uma credibilidade superior por harmonizar os dois tipos de comunicação. Ao ofendido importa, então, “conhecer as possibilidades que acompanha as expressões, e assim saber lidar melhor com as situações” (EKMAN, 2011, p. 181).

 A Polêmica Prova Testemunhal

A testemunha é a prova oral que dispensa mais controvérsia. Ela é tida como imparcial, uma vez que não está envolvida diretamente com o “caso penal” em análise, como, por exemplo, estão a vítima e o acusado. Desta maneira, ela não possui interesse no conflito, prestando o dever apenas de colaborar com a justiça relatando as informações de que teve conhecimento e que possam auxiliar na resolução da contenda.

Por esse motivo, presta compromisso com a verdade, essa que, caso seja infringida, responderá pelo crime de falso testemunho tipificado no art. 342 do CP. Nesse sentido, Ronaldo Tanus Madeira (2003, p. 95):

Tanto o acusado como a vítima podem mentir, pois estão psicologicamente envolvidos no interesse que está implícito no desenrolar da causa. Ambos não podem ser processados por falso testemunho. Já a testemunha, ao depor perante o juiz, compromete-se a dizer a verdade, razão porque, se omitir ou falsear verdade, poderia ser processada.

Acontece que, como já abordado, muitos são os elementos que recaem sobre as provas orais, podendo essas restarem prejudicadas tanto em seu discurso verbal, por exemplo pelo transcorrer do tempo, como também suas declarações não-verbais. A memória é diretamente afetada pelo lapso temporal, esse que atravanca o relato verossímil. Nesse ponto de vista, Ronaldo Tanus Madeira (2003, p. 97):

Embora Mittermayer considere a testemunhal “a prostituta das provas”, a tendência de qualquer testemunha, ao comparecer diante do juiz, é a de dizer a verdade. Diante de um juiz experiente, qualquer esforço da testemunha em omitir ou faltar com a verdade é de imediato percebido. Entretanto, a falibilidade do testemunho humano deve ser uma condição considerada pelo julgador, pois alguns fatos relacionados com a percepção, memória, influem na capacidade da testemunha no momento da retrospectividade.

Não apenas contradições no discurso verbal são captadas pelo juiz. A testemunha pode apresentar sinais não-verbais de inquietação e nervosismo, induzindo o juiz a conclusão de falsidade de suas declarações verbais. Segundo Magalhães Gomes Filho (1997, p. 151), todos esses fatores devem ser considerados na coleta da prova oral:

A observâncias ao contraditório na introdução da prova no processo assume seus contornos mais característicos em relação à inquirição das testemunhas, pois se trata de prova de estrutura complexa, em que se ressaltam dois componentes essenciais: a narração do fato e o comportamento do depoente; disso decore a constatação de que a aquisição da prova não se limita à documentação de uma informação, mas exige uma participação ativa de quem realiza a inquirição, com o objetivo de se proceder, concomitantemente, a uma valoração sobre a idoneidade do testemunho.

Desse modo, o juiz analisa a compatibilidade entre os discursos para auferir sua credibilidade, devendo atentar-se para as incongruências, mas verificado cautelosamente o porquê delas.

O Juiz há de possuir a psicologia suficiente para perceber que a testemunha, com o passar do tempo, não se recorda mais de algumas circunstâncias em relação ao fato, objeto da prova e do processo. E, assim sendo, deve o Magistrado munir-se de todo um instrumental inquisitivo, no sentido de não forçar a testemunha a suprir certas lacunas na sua memória, com afirmações de fatos e circunstâncias não verdadeiras. (MADEIRA, 2003, p. 110)

Em complemento, Natalie Ribeiro Pletsch (2007, p. 25):

Tem-se, então, no processo penal a construção de uma narrativa, que é redigida a partir de variadas lembranças, em que pesem as contribuições da vítima e do réu, a prova testemunhal é de fundamental importância, ainda que não haja "neutralidade possível no resgate mnemônico, nem objetividade, por mais sincera que seja a testemunha".

Retornemos então a discussão acerca do crime de falso testemunho e a sua possibilidade de aplicação baseada na linguagem corporal. No caso em que o juiz valorou a prova testemunhal com base na linguagem não-verbal, pode a testemunha responder pela tipificação do art. 342 do CPP?

Segundo o Exmo. Juiz Max Carrion Brueckner, “a impressão do Juiz a respeito do comportamento das testemunhas e a análise da linguagem não-verbal dizem respeito à valoração da prova e devem ser consideradas no julgamento”, assim como também compara a dissonância das mensagens transmitidas pela testemunha com à situação de verbalização da palavra "sim", concomitantemente, ao gesticular do "não" (Revista Eletrônica nº 186 do TRT da 4ª Região, 2015, p. 46).

Ora, se o juiz declara a imprestabilidade da prova testemunhal afirmando que ela está se contradizendo entre os tipos de linguagem, resta claro a figura de linguagem do litote.

Essa figura de linguagem configura-se presente quando, como uma maneira de abrandar uma expressão, realiza-se a negação do contrário, permitindo a afirmação de algo por meio de uma negação. Em exemplo, temos o seguinte: “Eu não estou feliz com a notícia dada pela minha mãe”, utilizando-se a expressão “não estou feliz” para atenuar a ideia de “ficar triste”.

Dessa forma, o magistrado, ao concluir que a testemunha estava se contradizendo, afirmou, por consequência, que ela estava faltando com a verdade e, assim, incorrendo no crime de falso testemunho. Vista a tipificação formal, encontra-se o agente em perfeita conformidade. Porém, também importa analisar, com atenção, outro elemento relacionado a tipicidade da conduta: o dolo.

Uma vez que a tipificação penal em analise não dispõe de modalidade culposa, estabelece que apenas a conduta dolosa praticada pelo agente pode ser punida. Acontece que, como vimos, a linguagem corporal pode se contrapor a linguagem verbal por diversos motivos e que, para sua interpretação correta, incumbiria desgaste excessivo por parte do magistrado e de todo o aparato judicial.

Além disso, caso fosse exigido do agente a confirmação da intenção no cometimento da contradição, estaria o julgador violando o princípio da inexigibilidade da autoincriminação, como também invadindo por demasiado a esfera individual, não tendo o Estado poder punitivo superior ao da garantia a intimidade particular.

Com isso, constatar que a testemunha não está cumprindo com o seu dever com a verdade, porém se alicerçando em uma contradição entre tipos de linguagem sem a averiguação necessária, estaria o magistrado cometendo o erro de Otelo e, assim, responsabilizando, talvez, um inocente.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Ana Luisa Rocha. A utilização da linguagem não-verbal como fundamentação pelo juiz na coleta de prova oral do processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5588, 19 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68313. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Data de apresentação: 06/06/2018.

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