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Ação penal condicionada no delito de furto simples

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Agenda 17/09/2018 às 13:45

Artigo sobre a inovação legislativa a ser implantada no novo Código Penal, que prevê a possibilidade de processamento do crime de furto simples apenas após a representação da vítima.

Resumo: Recorrente, constante e vivo é o Direito Penal. A sociedade evoluiu, devendo o ordenamento jurídico acompanhá-la. O crime de furto é uma constante na humanidade, acompanha sua história desde os primórdios. Sempre houve o furto e sempre haverá. Juntamente com o homicídio, é um dos crimes mais comuns em todo planeta. Todavia, a processualização do mencionado tipo penal, mediante ação pública incondicionada, traz implicações e acumulo laboral às polícias, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, bem como uma repressão excessiva ao infrator. É ideal do legislador, exposto no ante projeto do novo Código Penal, respeitar a vontade da vítima a facultar à mesma, mediante a representação, manifestar sua vontade de mover, ou não, o aparato punitivo estatal.

Palavras-chaves: ação penal – condicionada – furto – infração – patrimônio – violência.

Sumário: INTRODUÇÃO..JUSTIFICATIVA..OBJETIVOS. 1. Objetivo Geral. 2. Objetivos Específicos. METODOLOGIA.  Capítulo 1 – Aspectos da Ação Penal. Capítulo 2 – O crime de furto, simples e qualificado. Capítulo 3 – A ação penal no crime de furto - hoje e no novo Código Penal. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.. 


INTRODUÇÃO

A problemática referente aos delitos contra o patrimônio, em especial o furto, sempre foi um obstáculo ao esperado convívio social pacífico, assim como ao desenvolvimento humano. É o sétimo mandamento do decálogo exposto por Moisés durante o Sermão da Montanha.

O Estado, por sua vez, visando coibir a autotutela, cria e promulga leis que buscam reger o comportamento dos indivíduos, limitando liberdades e penalizando aqueles que descumprem o que fora democrática, e legalmente, determinado.

Especificamente no caso do furto, qualificadoras, atenuantes a agravantes são tipificadas. Leis especiais tratam do assunto de forma específica e voltada para casos pontuais. A lei processual penal, hoje, entende como incondicionada a intervenção estatal no processamento dos delitos de furto, ainda que simples.

No caso do presente trabalho acadêmico, foi feito um levantamento doutrinário, comparado e estatístico a respeito do delito de furto simples e a sua possível processualização somente após a manifestação formal da vítima.

Mas algumas questões precisam ser levantadas. Seria prudente facultar à vítima o direito de representar contra o autor dos delitos de furto simples? Tal prerrogativa não seria prejudicial e alavancaria a criminalidade?

Não é o que entende o ante projeto do novo Código Penal.

Foi feito mão de dados reais obtidos durante o desenrolar de minha vida profissional, como delegado de polícia civil, pelas Comarcas de Rio Vermelho, Sabinópolis, São João Evangelista, Manhumirim e Guanhães, cidades do interior do Estado de Minas Gerais.

Destarte, o ponto de vista que se objetivou quando se digitou a primeira letra desta pesquisa, foi proporcionar aos interessados nas mais diversas áreas do conhecimento, um relato sucinto, porém, com toda dedicação e esforço disponível sobre esse tão controverso instituto do Direito Penal e Processual Penal. Desde maio de 2006, quando ingressei na Polícia Civil de Minas Gerais, centenas de milhares de ocorrências de furto me foram apresentadas. A imensidade de crimes, sem violência contra o patrimônio, foi um dos tópicos que me prendeu a atenção e acarretou uma dedicação especial, haja vista que, trabalhando em cidades do interior do Estado, nas delegacias regionais de Guanhães e Manhuaçu, mantive contato estreito com uma parte extremamente humilde e desassistida da população mineira, oportunidade em que pude constatar que a indiscutível maioria dos Inquéritos Policiais instaurados envolvia pessoas hipossuficientes e que acabavam sendo privadas de seus parcos bens devido à ação reprovável de terceiros, igualmente hipossuficientes.

O presente trabalho acadêmico se justifica pela necessidade da comunidade policial e acadêmica entender a problemática que envolve os conflitos sociais, em especial os delitos de furto, simples e qualificado, destacando o comportamento dos autores e das vítimas, os fatores que geram e agravam as ocorrências, bem como as possíveis soluções, em âmbito policial, social e administrativo, a serem adotadas para a resolução dos conflitos.

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Com a elaboração do presente trabalho acadêmico, será possível, aos interessados da esfera policial, vislumbrar detalhes sobre o projeto do novo Código Penal, em especial a mudança do entendimento sobre a ação penal para processar os delitos de furto simples, isto é, de incondicionada para condicionada a representação.

Buscou-se durante a elaboração do texto demonstrar a atual banalização de se instaurar centenas de Inquéritos Policiais, infrutíferos, de furto simples sem autoria, quando, por vezes, sequer a vítima tem interesse no fato, simplesmente porque o crime se processa, hoje, mediante ação penal incondicionada.

No entanto, foi feita uma descrição detalhada onde se busca mostrar que a força policial hoje é escassa e limitada. Há necessidade de maior investimento estatal e um direcionamento de esforços, especialmente sociais, para que o avanço da criminalidade seja obstado.

Um dos principais espeques para a confecção desse texto foi o Código Penal e o ante projeto do novo Código Penal (PL 236/2012). Bem como a leitura de obras voltadas ao direito comparado que tratam do processamento do furto simples via ação penal condicionada à representação.

Igualmente foram feitos levantamentos em doutrinas da área do direito que tratam do tema, onde foi possível angariar preciosas informações sobre a aplicação do texto legal e os remédios jurídicos disponíveis para a repreensão do delito. Trabalhos e estudos de cunho social e cientifico, oriundos de Organizações Não Governamentais (ONGs) e congêneres internacionais também foram amplamente explorados, assim como publicações na rede mundial de computadores, que trouxeram elementos estatísticos e sociais para o enriquecimento do estudo.

Contudo, foram precipuamente as pesquisas empíricas, pessoais e profissionais que regeram a redação do trabalho, quando se buscou, sempre, adequar a realidade da população envolta em delitos contra o patrimônio com o trabalho da polícia judiciária, a atuação do Ministério Público e do Judiciário.


Capítulo 1 – Aspectos da Ação Penal

O direito e a leis surgiram como meio de garantir à sociedade a segurança de seus bens e uma convivência pacífica entre todas as pessoas, penalizando aqueles que não se adequarem às regras jurídicas. Nesse sentido, explica Tauã Lima Verdan Rangel:

“Onde está a sociedade, está o Direito, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém.” (RANGEL, 2012)

O mencionado “Direito”, exercido pelo Estado, visando evitar a autotutela, se faz mediante a ação penal, que corresponde a um direito do cidadão de pedir ao Estado que aplique a lei penal a determinado caso concreto, garantindo a tutela dos direitos protegidos pela legislação penal.

A ação penal pode ser classificada mediante o elemento subjetivo, podendo ser pública ou privada, sendo aquela promovida pelo Ministério Público e esta pela vítima. Tal classificação está prevista no artigo 100 do Código Penal:

Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

§ 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.

Júlio Fabbrini Mirabete (2009)  assim define a Ação Penal:

Ação Penal é, conceitualmente, o jus persequendi, ou jus accusationis, a investidura do Estado no direito de ação,que significa a atuação correspondente ao exercício de um direito abstrato, qual seja, o direito à jurisdição.(MIRABETE; FABRINI, 2009:104)

O Estado tem a obrigação de exercitar o jus puniendi e assim restabelecer a ordem jurídica quando lhe é comunicada a ocorrência de um crime. Compete ao do Estado a propositura da ação, que nas palavras de Luis Regis Prado refere-se

[...]tanto no campo penal como no civil, pode ser conceituada como o direito público, subjetivo, determinado, autônomo, especifico e abstrato de invocar o Estado-Juiz a aplicação do direito objetivo a um caso concreto, vale dizer, a prestação jurisdicional. (PRADO, 2010:686)

A tutela estatal é, portanto, um direito assegurado na Constituição Federal, sendo um instituto fracionado em outras espécies cujo intuito é atender o jus persequendi. Assim, a ação penal divide-se em ação penal pública, que pode ser condicionada ou incondicionada, e em ação penal privada.

A ação penal pública incondicionada tem como titular o Ministério Público, como prevê o artigo 129 da Constituição Federal:

 “Art.129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. (BRASIL, 2015)

E ainda há esta previsão no Código de Processo Penal:

Art. 257. Ao Ministério Público cabe:

I- promover, privativamente, a ação penal pública, na forma estabelecida neste Código [...]” (BRASIL,2015).

Diante disso, nota-se que cabe ao Ministério Público então determinar se vai oferecer denúncia, se serão necessárias diligências ou se ação deverá ser arquivada.

A regra do direito penal é que a ação penal seja pública incondicionada. As possibilidades variantes, condicionada ou privada, devem ser explicitadas.

Na ação penal incondicionada, uma vez comunicado ao Ministério Público, por regra via Inquérito Policial, a ocorrência de um crime processado mediante ação penal pública incondicionada, deverá o parquet oferecer a denúncia, se existente a materialidade e indícios suficientes de autoria.

Na ação penal pública condicionada à representação do ofendido, que é a base e objeto do presente estudo, o agente criminoso será processado se a vítima fizer representação perante a autoridade policial. Porém, após a representação do indivíduo lesado, a titularidade de ação recai sobre o Ministério Público.

Para haver a ação penal pública condicionada à representação do ofendido, é necessária a manifestação da vontade do mesmo para autorizar o Ministério Público a oferecer denúncia e assim instaurar a ação penal. Se não houver manifestação da vontade do ofendido em querer processar o ofensor não é possível iniciar qualquer processo. Desta forma a representação é necessária na ação penal pública condicionada para que se inicie o inquérito e o processo.

João de Mesquita Laux e Jorge Roberto Krieger esclarecem que

A importância da representação do ofendido como causa de procedibilidade vem de que, em certos casos, o crime afeta tão profundamente a esfera intima do individuo que a lei, a despeito de sua gravidade, respeita a vontade do ofendido, evitando assim a intimidade ferida pelo crime se torne ainda maior. É o chamado strepitusjudicii. (LAUX; KRIEGER, 2014)

A previsão legal da representação do ofendido se origina no fato de que o crime praticado afetou mais o interesse privado que o público, sendo mais salutar que a ação penal seja pública condicionada à representação.

Portanto, a representação se faz como condicionante à instauração de investigação. O ofendido pode requerer mediante sua representação que se faça uma investigação sobre o crime que sofreu, mas poderá também não fazer tal representação acarretando na impunidade do criminoso.

Fernando da Costa Tourinho Filho assim disserta acerca do tema:

O ofendido pode ter razões em não levar o fato ao conhecimento da justiça, preferindo não divulgar sua própria desgraça. O perigo do escândalo é mais temível que a própria impunidade do criminoso. O Estado, então, respeita a vontade do ofendido, deixando a propositura da ação penal ao seu critério, condicionando, desse modo, o seu poder repressivo: se o ofendido manifestar a vontade de punir o seu ofensor, estará satisfeita a condição, o órgão do Ministério Público iniciará a ação penal. Em uma palavra: nesses casos, o ofendido julga sobre a conveniência e oportunidade de provocar a instauração do processo. (TOURINHO FILHO, 2009)

A não representação do ofendido impede a colheita de provas e, consequentemente, a responsabilização do infrator. A lei atual exige a representação, por exemplo, para os crimes de furto de coisa comum assim como em casos de lesão corporal leve e culposa, perigo de contágio venéreo ameaça, violação de correspondência, divulgação de segredo, violação de segredo profissional.

A representação pode ser feita diretamente ao juiz, ao Ministério Público ou à polícia. Ela é facultativa, estando vinculada a critérios de conveniência e oportunidade do ofendido, é um ato de livre manifestação de vontade que pode ser prestada oralmente ou por escrito.

A manifestação da vontade da vítima ou de seu representante enseja a intenção de ver o infrator processado criminalmente e, é o essencial para que se dê prosseguimento à investigação do ato delituoso. Portanto, a simples manifestação oral do ofendido frente à autoridade policial já é o suficiente para que se instaure o inquérito policial e, se tal representação for feita frente à autoridade judicial, inicia-se o processo crime. Qualquer que seja a representação, para a autoridade policial ou judicial é suficiente e válida para que se busque a punição do ofensor.

É por meio da representação que o parquet assume o dominus litis e prossegue com a investigação criminal para processar o infrator.

A representação é irretratável depois que a ação penal se inicia, ou seja, uma vez que o ofendido autoriza o Ministério Público a instaurar processo criminal, cabe obediência ao princípio da indisponibilidade, assim caso deseje, o Ministério Público somente poderá pedir o arquivamento do caso, submetendo ao juiz as razões para tal fato, para que este julgue a possibilidade de arquivamento.

Passando a ação penal condicionada a ter como titular o Ministério Público. Este deve atuar de maneira igual aos casos de ação penal pública incondicionada. Assim a ação penal mediante representação do ofendido, ou ação penal pública condicionada à representação é regida pelos princípios da oficialidade, da obrigatoriedade, da indisponibilidade, da indivisibilidade e da intranscedência.

Segundo o princípio da oficialidade, o Ministério Público ingressa em juízo de ofício e deve promover a ação penal pública na forma da lei. O princípio da obrigatoriedade ou da legalidade trata da obrigação do Ministério Público a propor ação penal pública em prazo legal toda vez que houver elementos razoáveis que detectam a existência do crime e os indícios de autoria.

Há ainda o princípio da indisponibilidade, que se refere ao fato de que o Ministério Público não pode desistir da ação penal iniciada.

O princípio da indivisibilidade que trata da propositura da ação penal contra todos que cometeram a infração, não sendo permitido ao promotor escolher dentre os infratores quais serão denunciados.

E, por último, existe o princípio da intranscedência, que significa que somente aqueles que têm responsabilidade criminal é que devem figurar na ação penal. Em outras palavras, o processo-crime não poderá ser proposto contra quem tem somente obrigação civil originária do fato.

A ação penal privada, por sua vez, também conhecida como personalíssima, exclusiva ou subsidiária da pública, é movida pela vítima ou seu representante legal, e não pelo Ministério Público. Não se afasta o direito de punir do Estado, caberá ao particular tão somente escolher se aciona ou não o poder público.

Na ação penal privada subsidiária da pública, o particular, em um caso típico de ação penal pública, oferece a queixa em decorrência da inércia do Ministério Público, iniciando, então, a ação penal. O Ministério Público, diante de tal fato, pode aditar a denúncia subsidiária ou retomar a titularidade no caso de inércia do querelante.

A queixa-crime, da ação privada, assim como a representação na ação penal pública condicionada, é facultativa. Prevalece a vontade da vítima. Uma vez iniciada ação penal privada, ela pode ser disposta pela vítima livremente, seja pelo perdão ou pela perempção.

Todavia, os princípios da indivisibilidade e da intranscendência são comum aos da ação pública. O querelante não pode escolher qual ofensor quer processar. Deve redigir sua queixa-crime em face de todos os autores. O perdão a um, aproveita os outros.

Sobre o autor
Endgel Rebouças

Delegado Regional de Polícia Civil de Minas Gerais desde 2006. Formado em Direito pelo Centro Universitário do Espírito Santo em 2003, onde também se pós graduou em Direito Civil no ano de 2005. Pós graduado ainda pela Unyleya em Direito Penal e Processual Penal no ano de 2018 e em Gestão em Segurança Pública em 2017.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REBOUÇAS, Endgel. Ação penal condicionada no delito de furto simples. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5556, 17 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68604. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado como exigência para conclusão do curso de pós graduação em Direito Penal e processual Penal pela Faculdade Unyleya

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