O presente ensaio aborda de maneira sucinta e objetiva o tratamento dispensado pelo Projeto de Lei nº 8.045/2010, que cuida da reforma do Código de Processo Penal, ao poder de representação concedido ao delegado de polícia na condução das investigações criminais.
O Projeto de Lei nº 8.045/2010, da Câmara dos Deputados, deriva do Projeto de Lei nº 156/2009, do Senado Federal, e ao dispor sobre as diligências investigativas prevê:
“Art. 25. Incumbirá ainda ao delegado de polícia:
[...]
VI – representar acerca da prisão preventiva ou temporária e de outras medidas cautelares, bem como sobre os meios de obtenção de prova que exijam pronunciamento judicial.”[2]
Representar, no sentido aqui analisado, significa levar ao conhecimento do Judiciário determinada situação, com um pedido de aplicação de certa medida, no curso da investigação.
Trata-se do que se costuma chamar de capacidade postulatória do delegado de polícia, o que nada mais é do que a possibilidade de comunicação direta com o juiz competente, legalmente conferida àquele que é o responsável pela apuração das infrações penais.
Portanto, a previsão de o delegado de polícia, presidente do inquérito policial, pleitear diretamente em juízo, provocando a atuação judicial, foi mantida na proposta de reforma do Código de Processo Penal.
Advirta-se, desde logo, que o assunto é controvertido, havendo duas posições a respeito, uma contrária ao poder de representação do delegado de polícia, encampada pelo Ministério Público, e outra que defende a prerrogativa, sustentada pelos próprios delegados.
Aqueles que se posicionam contrariamente à proposição legal, dizem que se trata de uma grave deturpação do sistema acusatório a lei conferir legitimidade processual a quem não é titular da ação penal, de modo que a representação do delegado de polícia deveria ser endereçada ao Ministério Público e não ao Judiciário.[3]
Sustenta-se que, para poder prosperar, a representação do delegado de polícia precisa de manifestação favorável do Parquet, que detém a titularidade da ação penal pública e capacidade para postular em Juízo.
Chega-se ao ponto de se considerar inconstitucional eventual decretação de cautelar deferida por magistrado, em decorrência de representação do delegado de polícia, no caso de o Ministério Público ter se posicionado contrariamente à medida. Diz-se que em tal caso haveria afronta ao artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, que dá ao Ministério Público o status de senhor da ação penal, aí abrangidas as medidas cautelares. [4]
No entanto, muitos são os argumentos em defesa da prerrogativa conferida ao delegado de polícia, começando pelo fato de que a própria lei, em alguns casos, permite que sujeitos não dotados de capacidade postulatória busquem judicialmente determinadas medidas, como acontece com o requerimento da vítima na Lei 11.340/2006, quando pede medidas protetivas de urgência, e a impetração de habeas corpus, por qualquer pessoa.
Ademais, o delegado de polícia, enquanto presidente do inquérito policial e condutor das investigações é quem tem as melhores condições de analisar se determinada medida é ou não necessária para uma adequada apuração do fato criminoso.
Além disso, é bom lembrar que o inquérito policial não é instrumento de acusação, e, sim, meio de elucidação da materialidade, autoria e circunstâncias do delito, servindo em muitos casos para inocentar eventual suspeito, daí porque não serve apenas ao Ministério Público, mas também à defesa e, especialmente, à justiça.
E tem mais, o delegado de polícia tem formação jurídica, assim como os juízes, os advogados e os membros do Parquet, e é o dirigente da Polícia Judiciária, incumbida, constitucionalmente, da apuração das infrações penais.
Ora, se a Constituição da República Federativa do Brasil dá ao delegado de polícia a missão de comandar as investigações, implicitamente confere os meios necessários para o ideal desempenho desse mister, invocando-se, desta forma, a conhecida teoria dos poderes implícitos.
Aliás, vale lembrar que o poder de representação conferido ao delegado de polícia não está só no Código de Processo Penal, muito pelo contrário, é repetido em várias leis, demonstrando que é intenção do legislador dar ao condutor das investigações os instrumentos necessários para o seu trabalho.
Neste sentido, há previsão de representação pelo delegado de polícia na Lei 9.296/1996 (art. 3º, I), na Lei 7.960/1989 (art. 2º), na Lei 11.343/2006 (art. 60), entre outras.
Na mesma linha de argumentação, oportuno mencionar a orientação de Eugênio Pacelli de Oliveira de que as cautelares no Processo Penal não se equiparam às do Processo Civil, por isso não exigem os requisitos de parte legítima e capacidade postulatória.[5]
Pois bem, analisados os argumentos, apesar das respeitáveis opiniões daqueles que se posicionam contrariamente ao poder de representação do delegado de polícia, referido posicionamento, a nosso ver, não pode prosperar.
A representação pelo delegado de polícia é medida de inteligência legislativa, calcada no interesse público, em benefício da justiça, e necessária para a efetividade e eficácia das investigações criminais.
Por todo o exposto, somos do entendimento de que acerta o legislador ao manter, na proposta de reforma do Código de Processo Penal, o exercício da representação pelo delegado de polícia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CABETE, Eduardo Luiz Santos. A representação autônoma do delegado de polícia pelas medidas cautelares. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10883. Acesso em: 27 mar. 2018.
Ministério Público Federal. Modernização da Investigação Criminal – Proposições legislativas. Disponível em: https://ead.dpf.gov.br/anpnet/pluginfile.php/59303/mod_resource/content/2/MPF_Modernizacao_investigacao_criminal.pdf. Acesso em: 27 mar. 2018.
NETO, Francisco Sanini. Representação do Delegado de Polícia e sua (dês)vinculação ao parecer do MP. Disponível em: https://franciscosannini.jusbrasil.com.br/artigos/121943746/representacao-do-delegado-de-policia-e-sua-des-vinculacao-ao-parecer-do-mp. Acesso em: 27 mar. 2018.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 156/2009. Disponível em: https://ead.dpf.gov.br/anpnet/pluginfile.php/59304/mod_resource/content/2/Reforma%20do%20CPP_Texto%20final%20no%20Senado_PLS%20156_2009.pdf. Acesso em: 27 mar. 2018.
Notas
[2] Projeto de Lei do Senado nº 156/2009. Disponível em: https://ead.dpf.gov.br/anpnet/pluginfile.php/59304/mod_resource/content/2/Reforma%20do%20CPP_Texto%20final%20no%20Senado_PLS%20156_2009.pdf. Acesso em: 27 mar. 2018.
[3] Ministério Público Federal. Modernização da Investigação Criminal – Proposições legislativas. Disponível em: https://ead.dpf.gov.br/anpnet/pluginfile.php/59303/mod_resource/content/2/MPF_Modernizacao_investigacao_criminal.pdf. Acesso em: 27 mar. 2018.
[4] NETO, Francisco Sanini. Representação do Delegado de Polícia e sua (dês)vinculação ao parecer do MP. Disponível em: https://franciscosannini.jusbrasil.com.br/artigos/121943746/representacao-do-delegado-de-policia-e-sua-des-vinculacao-ao-parecer-do-mp. Acesso em: 27 mar. 2018.
[5] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2014.