3 CONDUÇÃO COERCITIVA
3.1 Aspectos conceituais e previsão legal
A condução coercitiva é um modo de levar, compulsoriamente, determinado indivíduo à presença de autoridade policial ou judiciária, porque não compareceu, de forma injustificada, mesmo havendo prévia intimação para tanto. Não obstante, conforme se verá em tópico próprio, o procedimento em comento tem ganhando caráter cautelar, podendo ser determinada com outros objetivos.
A Lei Adjetiva Penal confere abordagem à condução coercitiva em alguns de seus dispositivos. Primeiramente, há previsão da condução coercitiva da vítima no §1º do artigo 201, o qual dispõe que “se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade”. (BRASIL, 1941).
Em seguida, o artigo 218 do CPP aborda a condução coercitiva das testemunhas, ao mencionar que:
Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública. (BRASIL, 1941).
Além disso, o artigo 278 do CPP prevê que os peritos também poderão ser conduzidos coercitivamente em caso de não comparecimento, sem justa causa. (BRASIL, 1941).
Ainda, também poderá haver condução coercitiva de menores, sendo que a Lei n. 8069/90, que versa sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 187 preconiza que “se o adolescente, devidamente notificado, não comparecer, injustificadamente à audiência de apresentação, a autoridade judiciária designará nova data, determinando sua condução coercitiva”. (BRASIL, 1990).
A Lei n. 9099/95, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, também prevê o instituto da condução coercitiva em seu artigo 80, o qual elucida que “nenhum ato será adiado, determinando o juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quem deva comparecer”. (BRASIL, 1995).
Por fim, o instituto da condução coercitiva do réu encontra amparo no artigo 260 do Código de Processo Penal, o qual elucida que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. (BRASIL, 1941).
A condução coercitiva para realização de interrogatório pode ser entendida como a ordem judicial, constante do respectivo mandado, para que o réu seja levado de forma compulsória à presença da autoridade competente (delegado ou juiz) para o fim supracitado.
3.2 Condução coercitiva do acusado
3.2.1 Recalcitrância do intimado
Levando em consideração a disposição exarada no Código de Processo Penal, para que se possa falar em condução coercitiva é indispensável que a pessoa tenha recebido intimação prévia e se recuse injustificadamente ao comparecimento.
Alguns doutrinadores entendem que a condução coercitiva só pode ser determinada quando houver imprescindibilidade da presença do acusado. Esse é o posicionamento de Reis e Gonçalves:
A legitimidade da providência dependerá, no entanto, da constatação de que a presença do acusado é indispensável para o ato, de modo que a condução coercitiva para o interrogatório deverá ocorrer, apenas, quando houver necessidade de qualificação ou de esclarecimento sobre a vida pregressa do réu. (2012, p. 336).
Nesse sentido, a medida só seria possível com o fito de se proceder à identificação criminal e não para interrogatório acerca da situação fática. Não é outra a posição de Avena (2014, p. 232):
Trata-se de aplicação do art. 260 do CPP, dispondo que se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Esta, de longa data, é a posição adotada pelo Excelso Pretório, considerando, em relação ao investigado recalcitrante em comparecer à sede policial para fins de identificação criminal, que o Delegado de Polícia pode conduzi-lo, sem abuso, para alcançar o fim legal. E, caso o recuse, imotivadamente, fica-lhe facultado autuar em flagrante pelo crime de desobediência ou resistência, conforme o caso. Aplicação do art. 6.º, V e VIII, c/c o 260, todos do CPP.
O renomado jurista Aury Lopes Júnior (2016) sustenta a inconstitucionalidade da medida, sob o argumento de que participar do processo constitui direito do acusado e não um dever. Assim, o réu não deve ser visto como objeto do processo e, como consequência, não tem a obrigação de submeter-se a qualquer ato probatório, sendo que sua presença física possui caráter facultativo. Deveras, deve haver abandono do ranço inquisitório, no qual o juiz prima pela extração da verdade real.
3.2.2 Condução coercitiva como medida cautelar autônoma
Em que pese não esteja elencada no rol das medidas cautelares diversas da prisão constantes dos artigos 319 e 320 do CPP, a condução coercitiva também configura medida cautelar de coação pessoal, sendo proveniente do poder geral de cautela dos magistrados. Nesse diapasão, preleciona-se que:
A condução coercitiva autônoma – que não depende de prévia intimação da pessoa conduzida – pode ser decretada pelo juiz criminal competente, quando não cabível a prisão preventiva (arts. 312 e 313 do CPP), ou quando desnecessária ou excessiva a prisão temporária, sempre que for indispensável reter por algumas horas o suspeito, a vítima ou uma testemunha, para obter elementos probatórios fundamentais para a elucidação da autoria e/ou da materialidade do fato tido como ilícito.
Assim, quando inadequadas ou desproporcionais a prisão preventiva ou a temporária, nada obsta que a autoridade judiciária mande expedir mandados de condução coercitiva, que devem ser cumpridos por agentes policiais sem qualquer exposição pública do conduzido, para que prestem declarações à Polícia ou ao Ministério Público, imediatamente após a condução do declarante ao local do depoimento. Tal medida deve ser executada no mesmo dia da deflagração de operações policiais complexas, as chamadas megaoperações. (ARAS, 2013, s/p.).
Acrescenta-se que essa medida é provida de extrema relevância, possuindo como função precípua acautelar a coleta probatória durante a realização de uma investigação criminal.
Nessa senda, é perceptível que o tempo de restrição da liberdade de locomoção do indivíduo é reduzido quando comparado com as prisões preventiva e temporária. Dessa forma:
[...] ao invés de o juiz decretar eventual prisão cautelar (preventiva ou temporária), poderá determinar a expedição de um mandado de condução coercitiva sempre que visualizar a necessidade da presença do investigado (ou acusado) para a colheita de elementos de informação para a elucidação da autoria e/ou materialidade da infração penal, hipótese em que o cidadão será privado da sua liberdade de locomoção tão somente por algumas horas. (LIMA, 2018, p. 681-682).
Sendo assim, a condução coercitiva é vista como uma medida mais branda, sendo que a liberdade de locomoção é restringida apenas durante o curso das providências urgentes relativa à produção de provas. Nessa linha de intelecção, dispõe-se que:
Se o legislador permite a prisão temporária por (até) 5 dias, prorrogáveis por mais 5 dias nos crimes comuns, a condução coercitiva resolve-se em um dia ou menos que isto, em algumas horas, mediante a retenção do suspeito e sua apresentação à autoridade policial para interrogatório sob custódia, enquanto as buscas têm lugar. Ou seja, a condução sob vara deve durar apenas o tempo necessário à instrução preliminar de urgência, não devendo persistir por prazo igual superior a 24 horas, caso em que se trasveste em temporária.
Sendo menos prolongada que as prisões cautelares, a condução coercitiva guarda ainda as mesmas vantagens que a custódia temporária, pois permite que a Polícia interrogue todos os envolvidos no mesmo momento, visando a evitar, pela surpresa, as versões “combinadas” ou que um suspeito oriente as declarações de uma testemunha ou a pressione, na fase da apuração preliminar, ou que documentos ou ativos sejam suprimidos, destruídos ou desviados. (ARAS, 2013, s/p.).
Desta feita, a condução coercitiva autônoma é uma medida bem menos gravosa que a prisão, sendo que poderá ser determinada com base no poder geral de cautela do juiz. Não obstante, alguns magistrados têm invocado o artigo 260 do CPP para fundamentá-la.
4. POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
4.1 Julgamento das ADPF’s 395 e 444
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 14 de junho de 2018, no julgamento das Ações por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) de números 395 e 444, ajuizadas, respectivamente, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, decidiu por maioria de votos que a condução coercitiva de réu ou investigado para o interrogatório, consubstanciada no artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionada pela Carta Magna.
Nesse sentido, conforme consta do informativo de número 906 do STF:
O Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em arguições de descumprimento de preceito fundamental para declarar a não recepção da expressão “para o interrogatório” constante do art. 260 do CPP, e a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado (Informativo 905). O Tribunal destacou que a decisão não desconstitui interrogatórios realizados até a data desse julgamento, ainda que os interrogados tenham sido coercitivamente conduzidos para o referido ato processual. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
A decisão do Plenário confirmou a liminar que já havia sido deferida, em 29 de março de 2017, pelo Ministro Gilmar Mendes, relator das ADPF’s.
A seguir, serão explicitados os argumentos utilizados para fundamentar a não recepção do aludido dispositivo normativo no que diz respeito à condução coercitiva para interrogatório do réu, esclarecendo quais deles foram admitidos pela Corte Suprema.
4.2 Argumentos invocados
4.2.1 Direito à não autoincrimininação
O artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal disciplina que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. (BRASIL, 1988).
Em comentários ao aludido dispositivo constitucional, Paulo e Alexandrino ressaltam que:
O privilégio contra a autoincriminação é um direito público subjetivo, assegurado a qualquer pessoa que, na condição de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Judiciário, do Poder Executivo, ou do Poder Legislativo. (2018, p. 89).
O direito ao silêncio configura uma das diversas facetas do princípio estudado, também conhecido como nemo tenetur se detegere, o qual apregoa que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Além da Carta Magna, o princípio encontra respaldo no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto n. 592/92, que em seu artigo 14.3, alínea “g” aduz que: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias: [...] g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”. (BRASIL, 1992).
O direito em comento também encontra previsão no artigo 8º.2, “g” da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 678/92, trazendo a seguinte disposição:
Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...]
g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada. (BRASIL, 1992).
Importante se faz consignar que a advertência do direito ao silêncio deve ser observada tanto em sede de interrogatório policial quanto judicial, conforme se infere dos artigos 6º, inciso V, e 186, do Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941).
Não é despiciendo afirmar que até mesmo o Código de Processo Civil trouxe em seu arcabouço o direito da parte de não produzir prova contra si mesma, consoante se depreende de seu artigo 379. (BRASIL, 2015).
De acordo com as razões acima delineadas, pode-se concluir que a condução coercitiva não ocasiona violação ao direito da não autoincriminação, haja vista que o conduzido possui direito ao silêncio, cabendo a ele decidir falar ou ficar calado. Além disso, poderá ser acompanhado de seu advogado, conforme dispõe artigo 7º, inciso XXI, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei n. 8906/94). (BRASIL, 1994) (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
4.2.2 Direito ao tempo necessário à preparação da defesa
Outro argumento colacionado nas Arguições consiste no fato de que o acusado ou investigado a quem é imputada a prática de uma infração penal deve ter o direito de lapso temporal suficiente para preparar sua defesa.
O aludido direito é corolário lógico das garantias ao contraditório e ampla defesa, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).
Ademais, esse direito encontra amparo nos Tratados de direitos humanos mencionados anteriormente. Nessa senda, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 14.3, alínea “b”, preleciona que “Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias: [...] b) de dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha”. (BRASIL, 1992).
O Pacto de San José da Costa Rica também confere tratamento ao direito em tela, em seu artigo 8º.2 , alínea “c”,
Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...]
c. concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa. (BRASIL, 1992).
No âmbito do processo penal, tal garantia é observada com clarividência, haja vista que, conforme já mencionado anteriormente, o interrogatório do réu constitui o último ato da instrução probatória.
Não merece guarida a alegação de que a condução coercitiva configura violação a esse direito, tendo em vista que, na persecução inquisitorial, há meramente uma fase de investigação e, portanto, não há que falar em formulação de uma acusação da qual o conduzido terá que se defender. Nesse sentido o Ministro Gilmar Mendes, em sede de decisão monocrática, entendeu que:
Na investigação, não há uma acusação formada. O investigado não tem o ônus de preparar defesa, na medida em que não está enfrentando uma acusação. Pode intervir nas investigações, dando sua versão dos fatos, oferecendo razões, etc. Mas essa intervenção não equivale a uma defesa. Não há prazo de preparação para o inquérito policial. Pelo contrário, no curso da investigação, a regra é que o interrogatório seja realizado tão logo quanto o possível. (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
Acrescenta, ainda, que o imediatismo é característica da investigação criminal, sob o argumento de que:
A prontidão na realização do interrogatório é compatível com os direitos da defesa e com os objetivos da investigação criminal. Frequentemente, o tempo é essencial para o sucesso das apurações. A conjugação da inquirição de testemunhas, vítimas e suspeitos com a colheita de outras provas é vital para que os fatos sejam revelados. Por conta da necessária velocidade das apurações, de um modo geral, regras de delimitação de tempo e de lugar dos atos processuais não se aplicam ao inquérito policial. (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
Diante disso, não se pode asseverar que a condução coercitiva obstaculiza a apresentação de defesa pelo conduzido.
4.2.3 Direito ao devido processo legal
Foi alegado que a condução coercitiva estaria em dissonância com o devido processo legal, garantia esta assegurada pela Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso LIV. (BRASIL, 1988). O argumento era o de que referida medida não encontra previsão no Código de Processo Penal e decorreria do poder geral de cautela do juiz.
No que concerne à exigência de submissão do processo penal a apenas aos atos tipificados em lei, é cediço que há controvérsias na doutrina, sendo que até o presente momento a Corte Suprema não se pronunciou a respeito.
Não obstante, o Ministro relator Gilmar Mendes considerou que a condução coercitiva não é integralmente atípica, uma vez que encontra fundamento no artigo 260 do CPP, mesmo que este faça menção à prévia intimação. Nesse sentido, existiria base legal para conferir restrição à liberdade do indivíduo, compelindo-o a comparecer ao ato processual. (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
Desta feita, houve conclusão no sentido de que a condução coercitiva não contraria o devido processo legal.
4.2.4 Direito à imparcialidade, à paridade de armas e à ampla defesa
Nas Arguições em análise, argumentou-se, também, que o juiz estaria tendo uma iniciativa indevida quando determina a realização de condução coercitiva, promovendo desequilíbrio entre as partes processuais e, como consectário, acarretando interferência do princípio da paridade das armas, que decorre da ampla defesa.
O Ministro Relator considerou como rechaçado o aludido argumento, haja vista que:
Na fase de investigação, o juiz atua como garantidor de liberdades. É do sistema constitucional que algumas medidas sejam requeridas a um magistrado, mesmo antes da instauração da relação processual. Várias dessas medidas são expressamente mencionadas na Constituição Federal – por exemplo, busca domiciliar (art. 5º, XI), interceptação telefônica (art. 5º, XII), prisão (art. 5º, LXI). A imparcialidade não é violada pela atuação do juiz. Pelo contrário, é a imparcialidade do magistrado que garante a liberdade contra intromissões indevidas. Ao deferir uma medida interventiva, o juiz está aplicando a lei. Não há nisso violação ao equilíbrio das partes na relação processual. (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
Além disso, o direito à ampla defesa permanece assegurado, à medida que o conduzido poderá ter assistência de advogado e permanecer em silêncio quanto às indagações que lhe forem formuladas.
4.2.5 Direito à liberdade de locomoção
Preambularmente, no que concerne ao direito em questão, faz-se mister destacar que a Constituição Federal o prevê de forma genérica no caput de seu artigo 5º. Após, dispõe que ele somente poderá sofrer restrição com observância do devido processo legal, consoante se depreende do artigo 5º, inciso LIV. (BRASIL, 1988).
Ainda, a Carta Magna traz algumas regras primordiais acerca da prisão, nos incisos LXI, LXV, LXVI, LXVII de seu artigo 5º. Ademais, tal direito poderá ser reivindicado mediante o remédio denominado habeas corpus, o qual poderá ser utilizado nas ocasiões em que “[...] alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. (BRASIL, 1988).
No que tange à liberdade de locomoção, o STF entendeu que tal direito é violado quando há determinação de realização de condução coercitiva, in verbis:
A condução coercitiva representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. O investigado ou réu é capturado e levado sob custódia ao local da inquirição. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por um período breve. (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
Assim, infere-se que o Pretório Excelso considerou que a liberdade de locomoção do conduzido sofre restrição, mesmo que por um breve lapso temporal, sendo tal medida inconstitucional, portanto, nesse aspecto.
4.2.6 Presunção de inocência ou de não culpabilidade
O artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna elucida que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. (BRASIL, 1988).
O princípio também se encontra esculpido no artigo 8º.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual dispõe que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. [...]. (BRASIL, 1992).
Não é despiciendo, ainda, mencionar que o artigo 66 do Estatuto de Roma, constante do Decreto número 4.388/2002 também estabelece a presunção de inocência, nos seguintes termos:
1. Toda pessoa se presume inocente até prova da sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável.
2. Incumbe ao Procurador o ônus da prova da culpa do acusado.
3. Para proferir sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável. (BRASIL, 2002).
No julgamento da medida cautelar referente às Arguições mencionadas alhures, o Ministro Gilmar Mendes considerou que o direito em comento é violado pela condução coercitiva, ao concluir que:
A restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado conduzido é claramente tratado como culpado. (STF. ADPF 395 MC/DF, ADPF 444 MC/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 01/02/2018).
Desta feita, considerou-se que a medida em estudo não se coaduna com o princípio da presunção da não culpa, havendo clara afronta ao texto constitucional.
4.3 Votos dos demais Ministros no julgamento pelo Plenário
Como já mencionado anteriormente, a maioria dos ministros entenderam que a condução coercitiva com o fito de se providenciar o interrogatório do réu ostenta incompatibilidade com a Constituição Federal. Nessa esteira, pode-se inferir que as provas decorrentes do interrogatório nessas circunstâncias serão consideradas providas de ilicitude.
Primeiramente, insta consignar que a ministra Rosa Weber manifestou aquiescência com a concepção adotada pelo Ministro Relator e procedeu ao acompanhamento de seu voto. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel. Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
Verifica-se que o Ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente do voto de Gilmar Mendes, uma vez que aquele entendeu que a condução coercitiva só é considerada legítima quando o investigado não atender à prévia intimação, in verbis:
Concluo, na linha desses fundamentos, pela constitucionalidade e legitimidade do instituto da condução coercitiva para interrogatório, na qual será permitida a participação do defensor do investigado, em ambas as fases de persecução penal, nos termos do artigo 260 do CPP, ou seja, desde que o investigado/réu não tenha atendido injustificadamente prévia intimação. Voto no sentido da procedência parcial das ADPF’s 395 e 444, com a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto do artigo 260 do CPP, para excluir a possibilidade de decretação direta da condução coercitiva, sem prévia intimação, com base no poder geral de cautela do juiz. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
Entrementes, o posicionamento do Ministro Edson Fachin, acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, foi dotado de maiores divergências, tendo manifestado que a condução coercitiva para interrogatório pressupõe a prévia intimação do réu e sua ausência injustificada. Não obstante, tal procedimento também poderá ser adotado quando for necessário à substituição de medida cautelar mais grave, como, por exemplo, prisão preventiva e prisão temporária. Desta feita, a conclusão de seu voto ocorreu nos seguintes termos:
[...] julgo improcedentes os pedidos da ADPF 395 e acolho o pedido subsidiário da ADPF 444, pronunciando interpretação conforme ao art. 260 do CPP, ressalvando a possibilidade de decretação judicial e fundamentada da condução coercitiva sempre que decretada substitutivamente a medidas cautelares típicas mais graves como a prisão preventiva e ou a prisão temporária e desde que integralmente presentes os requisitos legais e constitucionais das medidas mais gravosas; e, assim, declarar a inconstitucionalidade da interpretação ampliativa do referido dispositivo, impondo-se prévia intimação e a ocorrência do não comparecimento injustificado do intimado. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
O Ministro Dias Toffoli também acompanhou o relator, defendendo a ideia de que a Corte Suprema possui o dever concernente à tutela da liberdade de locomoção e, por conseguinte, deve:
[...] zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condução coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir, a garantia do contraditório e da ampla defesa e a garantia da não autoincriminação. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
O Ministro Ricardo Lewandowski também se manifestou contrário ao uso da condução coercitiva para realização de interrogatório, com as seguintes declarações:
Por mais que se possa ceder ao clamor público, os operadores do direito, sobretudo os magistrados, devem evitar a adoção de atos que viraram rotina nos dias atuais, tais como o televisionamento de audiências sob sigilo, as interceptações telefônicas ininterruptas, o deferimento de condução coercitiva sem que tenha havido a intimação prévia do acusado, os vazamentos de conversas sigilosas e de delações não homologadas e as prisões provisórias alongadas, dentre outras violações inadmissíveis em um estado democrático de direito. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
O Ministro Marco Aurélio exarou voto pela procedência das ações, fazendo alusão de que o artigo 260 do CPP não foi recepcionado na parte que versa sobre interrogatório do acusado. Afirmou que se trata de medida cerceadora do direito de ir e vir por parte do Estado, ferindo a dignidade do indivíduo. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
O Ministro Celso de Mello também entendeu que a medida é inconstitucional, sendo dissonante da garantia inerente à não autoincriminação. Nesse diapasão, salientou:
Cabe advertir, portanto, presentes tais razões, que a ausência de colaboração do indiciado ou réu com as autoridades públicas e o exercício da prerrogativa constitucional contra a autoincriminação – não podem erigir-se em fatores subordinantes da decretação de prisão cautelar ou da adoção de medidas que restrinjam ou afetem a esfera de liberdade jurídica de qualquer réu. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).
Por fim, a Ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do Ministro Edson Fachin, defendo que a medida coercitiva, quando aplicada dentro dos parâmetros legais, não é suficiente, de per si, para insurgir-se diante dos direitos fundamentais constantes do bojo da Constituição Federal. Não obstante, ressalvou que nenhum ato de juízes em matéria penal deve ser perpetrado com abuso. (STF. ADPF 395/DF, ADPF 444/DF. Rel Ministro Gilmar Mendes. DJe 14/06/2018).