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O direito sucessório na união estável:

análise civil-constitucional acerca do direito sucessório do companheiro supérstite

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Agenda 28/02/2019 às 17:10

Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.

Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Esta lei dava a possibilidade de os companheiros pactuarem o regime de bens da união em contrato escrito além de reconhecer que, salvo estipulação em contrário, os bens adquiridos durante a união, por um dos companheiros ou por ambos, seriam considerados de ambos, em condomínio e em partes iguais, e em caso de falecimento, o sobrevivente teria o direito real de habitação, perdurando até seu falecimento ou constituição de nova união ou casamento, relativamente ao imóvel em que residia a família.

O Código Civil de 2002, inovou no sentido de regulamentar o direito sucessório dos companheiros, contudo falhou, e muito, em diversos aspectos, pelo fato de seu projeto ter sido anterior ao da Constituição Federal de 1988.

O Código Civil atual, não reconheceu o companheiro como herdeiro necessário. Além disto, incluiu o companheiro apenas após os colaterais na ordem de vocação hereditária. Desta forma, conclui-se que o legislador reconhece a união estável como entidade familiar com o intuito de demonstrar a importância suprema da família, no sentido de que apenas o casamento garantiria o direito sucessório pleno ao companheiro.

Dito isto, a pergunta que se faz é: será que esta era a ideia da constituição ao inserir a união estável como entidade familiar? Fazer da união estável um casamento de segunda classe e, implicitamente, forçar os companheiros a se casarem para que, tão somente, possam fazer jus ao seu direito de herança em sua totalidade? Pelo menos é o que faz concluir o art. 1.790 do CC, que será analisado por menores a seguir, cabendo, antes, analisar os demais direitos sucessórios decorrentes da união estável.

Como visto, a depender do regime de bens adotado no casamento, quando do falecimento do outro cônjuge, o sobrevivente recebe sua meação da herança.

Na união estável, a ideia é a mesma. O artigo 1.725 do Código Civil dispõe que: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Maria Berenice Dias destaca que o companheiro sobrevivente tem direto à meação dos bens adquiridos na constância da união estável. (2013, p. 55).

Quanto ao direito real de habitação, percebe-se que o legislador foi omisso, o que gerou grande discussão doutrinária acerca do tema. Para Lôbo, o Código Civil não revogou a Lei 9.278/1996, neste sentido. Segundo o autor

[...] não houve revogação expressa ou implícita da Lei 9.278, nesse ponto, pois o Código Civil, no art. 1.31, ao explicitar o direito do cônjuge não o fez de modo exclusivo. [...] o Código Civil trata do direito real de habitação do cônjuge, mas não exclui o do companheiro. O Código Civil não regulou toda a matéria relativa ao direito real de habitação, pois o art. 1.831 é desdobramento do art. 1830, quanto ao direito sucessório do cônjuge. (2014, p. 146)

Dias (2013, p. 79), entende, de igual forma, que não houve a revogação da legislação anterior, afirmando que

O Código Civil garante ao cônjuge sobrevivente direito real de habitação independentemente do regime de bens do casamento (CC 1.831). Porém, olvidou-se de reconhecer o mesmo benefício ao companheiro sobrevivente. O cochilo da lei, no entanto, não permite afastar o direito do companheiro de permanecer na posse do bem que servia de residência à família. Dois fundamentos autorizam sua concessão. O primeiro é de ordem constitucional. Reconhecidos o casamento e a união estável como entidades familiares merecedoras da especial proteção do Estado (CF 226, § 3º), não se justifica tratamento diferenciado em sede infraconstitucional. Descabe distinguir ou limitar direito quando a Constituição não o faz. Fora isso, a lei que regulou a união estável expressamente assegura o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente (L 9.278/96 7º). Desse modo, a omissão do Código Civil não significa que foi revogado o dispositivo que estendeu ao companheiro o mesmo direito concedido ao cônjuge. São normas que não se incompatibilizam. Esta é a orientação que tem prevalecido nos tribunais.

Cahali, por sua vez, entende que houve a revogação, tanto no que diz respeito ao direito real de habitação, previsto no art. 7º da Lei 9.278/96, quanto no que tange ao usufruto vidal, previsto no art. 2º da lei 8.971/94, em favor do companheiro sobrevivente, pelo simples fato de o art. 1.790 do CC estabelecer as condições para a participação na sucessão, não cabendo interpretação ampliativa do dispositivo, restringindo-se a sucessão do companheiro àquelas condições previstas no dispositivo, não sendo possível falar em outra hipótese que não estas, sendo este regramento incompatível com as legislações anteriores. (2014, p. 220).

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A Constituição Federal de 1988 coloca tanto o casamento quanto a união estável em posição de entidades familiares, afirmando ainda que a família merece especial proteção do Estado, sendo a base da sociedade. Porém, na ordem legal, o próprio Estado priva o companheiro de seus plenos direitos, praticamente impondo a realização do casamento. Esta discrepância é apenas uma entre as várias gafes cometidas pelo legislador do Código Civil, demonstrando o quão antigo em ideologias é o Código Civil.

Se a constituição coloca as duas entidades familiares em um mesmo patamar, não é a lei infraconstitucional que tem o papel de diferenciá-las, mas como visto, não o que ocorre na prática. Neste sentido, podemos destacar o que afirma Zeno Veloso:

A lei não está imitando a vida, nem está em consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima e completa relação com o falecido, que sustentou com ele uma convivência séria, sólida, qualificada pelo animus de constituição de família, que com o autor da herança protagonizou, até a morte deste, um grande projeto de vida, fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação hereditária [4]

Além da problemática narrada, outra impropriedade do Código Civil de 2002, é o seu art. 1.790, julgado inconstitucional, que regulava a sucessão do companheiro sobrevivente. O art. 1.790 do Código Civil dispõe, in verbis:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

O caput do art. 1.790 prevê, expressamente, que o companheiro participará da sucessão do falecido quantos aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.

O caput do dispositivo nem sequer se preocupa com o regime de bens adotado pelos companheiros, afirmando que a sucessão será apenas dos bens adquiridos onerosamente e na constância da união.

Vale ressaltar que o companheiro, pela letra do Código Civil, não é herdeiro necessário, não fazendo jus a legitima, e por isso o art. 1.790 dispõe que só haverá herança dos bens adquiridos onerosamente, na constância da união. Mas se o próprio Código estabelece que na união estável são aplicáveis os dispositivos referentes ao regime da comunhão parcial de bens, não faz sentido o companheiro concorrer com os outros herdeiros no que, em tese, faria parte de sua meação.

Dias (2013, p. 75), afirma que

Desse modo, quando se pensa na divisão da herança, é necessário antes excluir a meação do companheiro sobrevivente, que corresponde à metade do que foi adquirido onerosamente no período de convivência. A outra metade é que constitui o acervo hereditário: a meação do falecido e mais os seus bens particulares (os adquiridos antes da união e mais os recebidos por doação ou herança). Aos herdeiros necessários é reservada a legítima, que corresponde à metade da herança. A outra metade é a parte disponível de que seu titular pode dispor por meio de testamento. Como o companheiro não é herdeiro necessário – por injustificadamente não ter sido inserido na ordem de vocação hereditária -, não tem direito à legítima.

O Código Civil exclui o companheiro do rol dos herdeiros necessários, reconhecendo-o como herdeiro legítimo, e nem muito menos tem direito à meação dos bens adquiridos durante a União, concorrendo com os demais herdeiros, e, apenas no caso de não existirem quaisquer parentes sucessíveis é que o companheiro, pela letra do art. 1790, receberá a totalidade da herança.

Gama afirma que o companheiro não é herdeiro necessário, afirmando ser a inclusão do cônjuge neste status representa o prestígio do legislador ao casamento, que considera ser autêntica e efetiva fonte de união, e por isso facilita que as uniões informais se tornem formais. [5]

Amin, de forma contrária, defende que o companheiro deva ser reconhecido como herdeiro necessário uma vez que o direito de suceder é inafastável e que há reserva de cotas ao companheiro[6].

Dias defende a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02 por diferenciar o casamento e a união estável no que diz respeito ao Direito Sucessório, não havendo defesa à família, fazendo o contrário, retirando direitos e vantagens dos companheiros (DIAS, 2013, p. 72-73).

É mister ressaltar que a Constituição não diferenciou qualquer forma de Constituição de Família, colocando todas as formas em igual patamar, o que faz com que esta distinção tratada pelo Código Civil seja questionada.

Pereira entende que esta diferenciação faz entender que a União Estável seria uma família de segunda classe. Neste sentido, podemos mencionar um trecho do voto do Ministro Fachin no julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG:

Não há família de primeira e segunda classes, porque não há cidadãos de primeira e segunda classes. A pluralidade familiar apreendida pelo texto constitucional é expressão da pluralidade moral que a Constituição de uma República livre, justa e solidária tem como princípio vetor. Eleger como dotado de primazia um ou outro modelo de família conjugal seria eleger morais particulares de alguns cidadãos como dotadas de superioridade sobre as morais particulares de outros.

Desta forma pode-se afirmar que o legislador, ao diferenciar o direito sucessório entre cônjuges e companheiros estaria gerando uma hierarquização entre as pessoas que escolhem se casar e entre os que escolhem viver em união estável, o que na sistemática constitucional vigente não é possível.

Ademais, a exclusão do companheiro do rol dos herdeiros necessários pode trazer inúmeros prejuízos na ordem sucessória. Um destes, é o fato de que o companheiro só receberá a herança na integralidade se não houver parentes sucessíveis e se o companheiro falecido não dispor de sua totalidade, o que é possível pela sistemática do Código Civil considerando não ser obrigatória a observância da preservação da legítima no caso dos companheiros, estando presente esta obrigação apenas no que diz respeito aos herdeiros necessários.

Além disto, a distinção entre e cônjuges e companheiros da uma ideia de que o casamento seria superior, o que obrigaria, indiretamente os companheiros a contraírem matrimônio, tendo em vista que de certa forma os direitos decorrentes do casamento seriam mais amplos, o que deve ser evitado na atual visão constitucional de igualdade entre as entidades familiares.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARRASCO, Erick Gonçalves. O direito sucessório na união estável:: análise civil-constitucional acerca do direito sucessório do companheiro supérstite. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5720, 28 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71209. Acesso em: 23 dez. 2024.

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