CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fim de encerrar este estudo, dispensando-lhe o devido tratamento, resgatar os objetivos da pesquisa é necessário. Diante disso, entender qual a interpretação da Justiça Comum a respeito do Estatuto de Defesa do Torcedor e da responsabilidade civil do Estado, nos casos que envolvem violência nos estádios de futebol brasileiros, e como essa interpretação repercute na quantificação do valor devido como indenização impulsionou uma análise cuidadosa de decisões judiciais sobre casos reais de violência.
Com base nesses objetivos, alguns resultados mais globais podem ser observados. Inicialmente, para julgar situações que envolviam violência nos estádios de futebol nacionais e a Fazenda Pública, os magistrados, em sua maioria, não recorreram, como fundamentação, à principal legislação vigente sobre o assunto, que é a Lei nº 10.671/2003, também conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor ou somente Estatuto do Torcedor.
Ao tratar da mencionada Lei, os julgadores, geralmente, relacionavam-na à responsabilidade dos clubes e das entidades organizadoras dos eventos esportivos, demonstrando não haver o devido aproveitamento do Estatuto e a superficial utilização desse diploma legal. Isso, de certo modo, pode ter prejudicado, em alguns casos, as decisões e, consequentemente, as indenizações.
Mais especificamente no que tange ao tipo de responsabilidade atribuída ao Estado, os juízos de primeiro e segundo grau, de modo geral, para fundamentar suas decisões, apoiavam-se nos ensinamentos da corrente minoritária da doutrina acerca da responsabilidade civil subjetiva e objetiva.
Quando os danos eram decorrentes de omissão, a responsabilidade do ente estatal era considerada subjetiva, ao passo que, quando os danos se davam em virtude de comissão, a responsabilidade do Poder Público era entendida como objetiva.
Nas interpretações, os juízos sempre apresentavam de que modo os elementos da responsabilidade civil se mostravam presentes, se eram pertinentes e suficientes para ensejar a responsabilização da Administração Pública e a consequente indenização devida às vítimas, demonstrando a tentativa de alcançar uma decisão justa.
No que concerne ao quantum indenizatório, a subjetividade humana era preponderante, porém não era o único fator determinante, pois os juízos buscavam jurisprudência acerca dos casos analisados. Assim, para determinar a quantia a ser estipulada, os magistrados apoiavam-se em julgados anteriores a fim de garantir o senso de unidade nas decisões.
É possível, também, afirmar que, em certos casos, o valor devido a título de reparação não parecia ser condizente com os danos sofridos por algumas vítimas. É certo que interpretar em que medida o sofrimento alheio merece ressarcimento representa uma difícil tarefa, no entanto, diante de prejuízos de cunho moral e material, parece que certas indenizações não eram suficientes, muitas vezes, para compensar o abalo emocional sofrido e restabelecer a confiança de novamente frequentar praças esportivas sem o medo de sofrer nova violência gratuitamente.
Além disso, cabe destacar o poderio econômico de muitos Estados e o já conhecido despreparo policial em alguns aspectos. Percebe-se, então, que certas indenizações são consideradas ínfimas a ponto de não desencorajar futuras ações que possam ensejar a reponsabilidade civil do Poder Público. Isso pode ser ratificado com os constantes casos que tornam a ocorrer, inclusive com exposição na mídia.
Feitas essas considerações, é importante salientar que a presente pesquisa tem relevância por ampliar os estudos acerca dos conceitos abordados, especialmente diante das limitações com a incipiente quantidade de trabalhos que relacionam o referencial teórico aqui discutido e o diploma legal apresentado.
Por fim, com o fito de se reproduzir e aprimorar este trabalho com o aprofundamento da temática, espera-se a realização de novas pesquisas com objetivos semelhantes, apoiadas em um número mais abrangente de decisões a serem analisadas.
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NOTAS
1 O JusBrasil é uma ferramenta de busca que organiza informação jurídica, dando-lhe publicidade e auxiliando no cumprimento da determinação constitucional de publicidade dos atos oficiais e jurídicos.
2 O rei não erra (tradução livre).
3 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].
4 Art. 43. Esta Lei aplica-se apenas ao desporto profissional.
5 Art. 3º Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.
6 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
7 Notícia veiculada em 8/3/10 e atualizada em 12/3/10 no site globoesporte.globo.com.
8 Notícia veiculada e atualizada em 3/2/14 no site globoesporte.globo.com.
9 Notícia veiculada e atualizada em 3/5/15 no site globoesporte.globo.com.
10 Notícia veiculada em 5/5/15 no site zh.clicrbs.com.br.
11 HOLDER, M.K. Why are more people right-handed?. Scientific American, U.S.A., 1º nov. 2001. Disponível em: https://www.scientificamerican.com/article/why-are-more-people-right/. Acesso em: 6 nov. 2015.
12 A análise somente será feita com base no acórdão, visto que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina não disponibilizou a sentença para consulta on line.
13 Nesse caso, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina somente disponibilizou consulta on line ao acórdão.
Abstract: In this research, the application of Law number 10.671/2003 (Fan Protect Statute) on civil responsibility of State configuration during judgments is investigated on the scope of Common Justice. As central objective, this study seeks to analyze court decisions about violent situations in Brazilian soccer stadiums involving the civil responsibility institute and Fan Protect Statute. As specific objectives, it seeks to understand what is the possible interpretation of Common Justice about Fan Protect Statute and about civil responsibility of State in relations to actual cases and how that interpretation reverberates on quantification of indemnity. The methodology of this work is based on bibliographic and jurisprudential research and on case studies. The main results point to decisions grounded, in most part, on doctrine, typifying the responsibility of Public Administration as objective and subjective, being little explored the main current legislation about the subject, which can impair the decisions. Regarding to indemnity, the human subjectivity shows preponderance of jurisprudence. In some cases, the indemnity is not consistent with the damage suffered by victims of the examined cases and it is not consistent with economic power of State, neither discouraging possible futures acts of the same nature nor reestablishing the fan’s trust in order to again visit sports arenas without the fear of suffering violence for free again.
Key words : Fan Protect Statute. Civil responsibility of State. Violence in Brazilian soccer stadiums. Indemnity.