Resumo: Os bens imateriais podem ser objetos de constrição desde que tenham valor econômico mensurável e/ou suscetíveis de cessão, e possam ser comprovados por qualquer prova admitida no Direito. É uma alternativa ao dinheiro em espécie e também um meio coercitivo para garantir a efetividade nas execuções de crédito.
Palavras-chave: Penhora e bens imateriais.
Introdução
Escopos do processo judicial: educação e utilidade das decisões
O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporciona um clima generalizado de confiança no Poder Judiciário e segurança social.
Portanto, na medida em que os jurisdicionados confiam no poder coercitivo do Estado-juiz, cada um, de per si, tende a ser sempre mais zeloso com os próprios direitos e se sente, por conseguinte, mais responsável pela observância dos direitos alheios.
Dessa forma, a educação oferecida pela tutela jurisdicional ágil e eficiente é um fim a ser alcançado, e não uma mera utopia, de modo a induzir a população a trazer as suas insatisfações a serem remediadas em juízo. Nessa seara, o custo benefício da tutela jurisdicional deve ser favorável ao jurisdicionado titular de um direito, propiciando a este, se impossível o restabelecimento do bem da vida em espécie, tudo aquilo que tem o direito de obter conforme o direito posto, de forma ágil e satisfatória.
Todo processo, conforme salienta o eminente jurista Giuseppe Chiovenda [1], “deve dar a quem tem um direito, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”.
Sendo assim, a tutela jurisdicional no intuito de preservar e reparar todo direito tutelado, não pode ser inócua.
A tutela executiva
Como leciona o Professor Dinamarco [2], a tutela executiva “consiste sempre em um resultado prático consistente na atuação do Estado-juiz sobre o mundo exterior ao processo mediante alterações capazes de afeiçoar uma situação concreta às exigências da ordem jurídica: uma coisa a ser entregue será efetivamente entregue, uma importância a ser paga vai efetivamente ao patrimônio do credor...”
Por sua vez, leciona o Mestre Alexandre de Freitas Câmara [3]:
“A execução forçada, destinada que é a satisfazer o direito de crédito do exequente, só será efetiva à medida que se revelar capaz de assegurar ao titular daquele direito exatamente aquilo que ele tem direito de conseguir. Assim, na execução por quantia certa, o processo de execução só será efetivo se for capaz de assegurar ao exequente a soma em dinheiro a que faz jus”
Assim sendo, indaga-se: qual o direito a ser tutelado? O artigo 797 do código de processo civil responde:
“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados”.
Por força de expressa disposição legal, a finalidade de toda tutela executiva é satisfazer o interesse creditório do exequente. Não há divergência quanto a esse entendimento na jurisprudência. Nesse sentido:
“EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO REGIMENTAL. PENHORA DE IMÓVEL SITUADO EM COMARCA DISTANTE. RECUSA DO CREDOR. LEGALIDADE. PRECEDENTES.
1. A execução visa a recolocar o credor no estágio de satisfatividade em que se encontrava antes do inadimplemento. Em consequência, realiza-se a execução para atender seus direitos como credor.
2. Assiste ao credor o direito de recusar a nomeação à penhora de bens localizados em comarca diversa, no caso de haver bem penhorável situado no foro da execução.
3-A execução deve se realizar da forma menos gravosa para o devedor (art. 620 do CPC). Mas não se pode, sob essa alegação, prejudicar os interesses do credor.
4. Agravo regimental desprovido”.
(Egrégio Superior Tribunal de Justiça – 1ª Turma, AGRESP 311.486/MG, julgado em 06/04/2004, DJU 26/04/2004, p. 146, rel. Min. Denise Arruda, decisão unânime).
Contudo, não obstante a posição predominante no campo doutrinário e jurisprudencial, no que tange a primazia do direito tutelado na espécie, a tutela executiva, em muitas ocasiões são infrutíferas, como demonstra a experiência forense.
Este quadro se explica ante a benevolência de parte do judiciário, motivada por razões de ordem pessoal e ideológica, estranhas ao ordenamento jurídico resiste em garantir a finalidade do processo, qual seja, realizar o crédito do exequente.
O exequente é visto muitas vezes como o malfeitor e o executado como eterno hipossuficiente.
Ainda estamos sob a égide de um estado de Direito, onde é vedado a autotutela e, conforme inteligência do princípio da isonomia, esculpida no artigo 5º, caput da norma ápice, a Lei é impessoal, não fazendo diferenciação a nenhum tutelado.
A expropriação forçada é um atributo da jurisdição para a concretização da justiça, ou seja, da preservação dos direitos consagrados pela ordem constitucional ao jurisdicionado que efetivamente é titular.
Deste modo, o Judiciário não pode tolerar a ineficácia da demanda executiva, impondo-se, para tanto, o dever de utilizar-se dos meios coercitivos necessários para a satisfação da mesma.
Penhora: conceito e objeto
A penhora pode ser conceituada como “o ato pelo qual se especifica o bem que irá responder pela execução” [4]
E, no que tange ao objeto da constrição, engloba-se todos aqueles portadores de valor economicamente suscetível de avaliação, desde que, obviamente, comprovada a sua existência, por todos os meios de prova admitidos no Direito, salvo os absolutamente impenhoráveis por força de Lei.
O artigo 789 do código de processo civil é claro em afirmar que o devedor responde com todos os seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações, abarcando, portanto, tantos os bens materiais como os imateriais.
Bens materiais são aqueles que possuem matéria, são palpáveis, na qual nossos sentidos podem perceber.
Por sua vez, os bens incorpóreos não possuem um corpo físico, são direitos das pessoas sobre as coisas, representadas por meio de documentos e outras provas.
Obstáculo na busca do crédito
Veja-se que, com a facilidade do processo eletrônico, partes, terceiros e não advogados podem obter acesso ao teor de autos judiciais em qualquer lugar, desde que estejam conectados na rede mundial de computadores.
A práxis demonstra que, não raro, o tempo que decorre entre a citação e a decisão judicial acerca da penhora dos saldos, por mais exíguo que seja já é demasiado suficiente para que se proceda ao levantamento de grande parte, senão da totalidade, das quantias depositadas e/ou aplicadas por parte dos devedores.
O arresto de ativos financeiros por meio do sistema bacenjud, de natureza cautelar com fundamento no artigo 301 (tutela de urgência), ou aquele deferido com fundamento no artigo 830 do CPC, na maioria das vezes, é infrutífero, por se exigir a prévia tentativa de citação do devedor [5], cuja delonga e ineficácia, na verdade, é ocasionado, muitas vezes, pela ocultação deliberada daquele, de modo a evadir seu patrimônio do alcance do credor.
Outro obstáculo perceptível é a própria crise econômica atual na qual o ativo circulante representado pelo disponível de muitas empresas (caixa, depósitos bancários e aplicações financeiras) é escasso, bem como, as poupanças e aplicações financeiras das pessoas físicas.
O mesmo se diga com relação aos bens móveis, como carros, e imóveis, muitas vezes dilapidados do patrimônio do devedor por dívidas e fraudes, ou mesmo sucateados, frustrando-se a execução.
A penhora de “outros direitos”
O artigo 835 do CPC estabelece uma ordem de preferência na constrição colocando o dinheiro, em espécie, ou em depósito ou aplicação em primeiro lugar.
Não sendo encontrado o dinheiro em espécie, nem outros bens objetos de pesquisas corriqueiras como imóveis e veículos o inciso XIII do artigo 835 confere a possibilidade ao credor da penhora de “outros direitos”.
Na penhora de “outros direitos” se encaixa uma série de possibilidade, como a penhora de bens imateriais que fazem parte do patrimônio dos devedores.
Ainda que referidos bens incorpóreos sejam de difícil liquidez a validade da penhora fica condicionada ao interesse do credor, porquanto a execução realiza-se no seu interesse, conforme apregoa o artigo 797 do CPC.
Marcas e patentes
O direito registrado de marcas e patentes pode ser objeto de penhora comunicando-se à entidade responsável pelo registro, no caso o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
O registro da penhora é realizado eletronicamente, sendo imprescindível que o credor indique o número do processo de registro no INPI, obtido por meio de pesquisas no próprio sitio do instituto.
Há diversos julgados, admitindo a penhora nessa seara. Veja-se:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE SENTENÇA. PENHORA DE MARCA. POSSIBILIDADE.
No caso dos autos, demonstra-se viável a penhora da marca pertencente à agravada. Processo executivo que se norteia pela forma menos gravosa ao devedor, mas também pelo interesse do credor – ao fim de que o processo atinja o fim almejado, com o cumprimento da obrigação. Deram Provimento ao recurso. Unânime”. (E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 16ª. Câmara Cível. AI nº 70073553364 (Nº CNJ: 0119451-19.2017.8.21.7000). Relator. Des. Ergio Roque Menine. Julgado em 29/06/2017)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Penhora – Marca comercial – Possibilidade – Bem patrimonial com valor econômico – Recurso de agravo de instrumento improvido” (E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI 1176125000. Relator Des. Luis Fernando Nishi. 31ª. Câmara de Direito Privado. Julgado em 05/08/2008).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Penhora sobre direito em patente de invenção. Admissibilidade. Decisão reformada. - Consoante regra do art. 591 do CPC, o devedor responde, para cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. - Inexistindo restrição legal e permitida a penhora sobre “outros direitos” - art. 655, XI, do CPC, admissível a penhora sobre os direitos do agravado em patente de invenção registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI”. (AI n. 1.0702. 08.455093-9/004 - Relator: Des. José Marcos Rodrigues Vieira. 16ª. Câmara Cível do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerias. Julgado em 11/07/2012).
Portanto, tratando-se de bem com valor econômico e ante a disposição do artigo 789 do código de processo civil de que o devedor responde com todos os seus bens para o cumprimento de suas obrigações é legítima a penhora sobre marcas e patentes.
Website
A penhora sobre os direitos ao uso de um determinado domínio na rede mundial de computadores registrados no órgão controlador competente é similar aos direitos sobre as marcas e patentes visto acima, cuja penhorabilidade é incontroversa.
Repita-se aqui o mesmo que foi dito no tópico anterior: ainda que o bem imaterial representado pelo domínio cibernético seja de difícil liquidez isso é questão que interessa ao credor, não sendo, portanto, motivo para seu indeferimento quando requerida por ele próprio.
Vejam-se os seguintes julgados:
“... A penhora sobre direitos de bens móveis imateriais é possível, encontrando-se entre eles, sem dúvida, os direitos ao uso de um determinado domínio na 'internet' registrados no órgão controlador competente. Assemelha-se isso aos direitos sobre a marca de um determinado produto comercial, cuja penhorabilidade é incontroversa. Se a comercialização desses direitos pode ser problemática e se o resultado de eventual arrematação poderá não ser profícuo, isso é questão que interessa ao credor, não sendo motivo para o indeferimento da pretensão quando requerida por ele próprio. Embora adotando-se a expressão do legislador processual seja usual mencionar-se a penhora como fator de 'segurança do juízo', o que visa ela assegurar é a satisfação do crédito, cabendo ao exeqüente decidir o que mais lhe convém, em termos de garantia” (E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo., Agravo de Instrumento n. 0031318-02.2003.8.26.0000, 7ª Câmara do 1º TAC, j. 24-06-2003, Rel. Juiz Ulisses do Valle Ramos).
“É possível à penhora dos direitos de domínio na internet (Agravo de Instrumento nº 1.197.558-9, 7ª Câmara do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil, Relator Juiz Ulisses do Valle Ramos, j. 24.06.03).
De forma análoga, a Súmula n. 451 do STJ dispõe até mesmo que “é legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial”. E a leitura desse entendimento combinada com o artigo. 1.142 do Código Civil consolida para o entendimento de que “admite-se a penhora do website e de outros intangíveis relacionados com o comércio eletrônico” (Enunciado n. 488 da V Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal CEJ/CJF).
Assim sendo, com fulcro no artigo 835, XIII, do código de processo civil é legítima a constrição sobre este bem imaterial que deve ser efetivada por meio de mandado de penhora a ser cumprido perante o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR [6] podendo ser o depositário da penhora o próprio responsável pelo domínio eletrônico.
Bitcoin
Por se tratar de bem imaterial com conteúdo patrimonial, em tese, não há óbice para que a moeda virtual possa ser penhorada para garantir a execução.
Contudo, há a necessidade de o credor ao menos apresentar indícios de que o devedor tenha investimentos em bitcoins ou, de qualquer outra forma, seja titular de bens dessa natureza, ou mesmo utiliza-se destes bens virtuais em suas atividades.
Não pode, portanto, o pedido de constrição deste bem ser genérico, porquanto o Poder Judiciário não tolera o envio indiscriminado de ofícios sem a presença de indícios mínimos de que os executados sejam titulares dos bens. [7]
É algo ainda recente, cuja constrição ainda não é possível de ser efetivada eletronicamente por meio da rede mundial de computadores.
Deste modo o pedido do credor deve ser certo protestando pela expedição de ofícios aos agentes de custódia a qual deve informar primeiro sobre a existência de movimentação de titularidade do devedor em tal esfera, com a consequente constrição em caso de resposta positiva.
Em resumo, os referidos agentes deverão informar sobre a existência de aplicações em nome do devedor e, em caso positivo efetuarem a penhora de quaisquer valores eletrônicos encontrados, com disponibilização à ordem do juízo em valor equivalente em moeda corrente nacional no câmbio virtual do dia da constrição, valendo a própria decisão judicial como ofício.