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Idas e vindas na aplicação do CTB e o HC 427.472, julgado pelo STJ, reduzindo o alcance do delito do art. 307 (violação da suspensão do direito de dirigir ou da proibição de sua obtenção) às decisões judiciais

Agenda 02/04/2019 às 13:45

O entendimento adotado pelo STJ no HC 427.472 enfraquece a aplicação do Código de Trânsito, pois confere menor grau de importância e efetividade às decisões punitivas do âmbito administrativo, cujo descumprimento não estará sob a proteção do direito penal.

Sumário: 1. O Código de Trânsito. 2. O art. 291, em sua redação original. 3. A cifra numérica do art. 306 do CTB, trazida pela Lei nº 11.705/08.  4.  A  correção  feita  pela  Lei  nº  12.760/12.  5.  A inconstitucionalidade do art. 305, revista pelo STF. 6. A cassação do direito  de  dirigir,  trazida  pela  Lei  nº  13.804/19.  7.  O  STJ  e  o julgamento do HC 427.472, que restringe o art. 307 do CTB às decisões judiciais


1.O Código de Trânsito

Em vigor desde 1998, nosso Código de Trânsito, instituído pela Lei nº 9.503/97, não é um primor de técnica jurídica. Não pode ser comparado por exemplo à monumental obra de Clovis Bevilacqua, que resultou no Código Civil de 1916.

Porém, com suas qualidades e com seus defeitos, é um dos mais importantes instrumentos que temos para buscar reduzir, diuturnamente, nas esferas administrativa e criminal, as preocupantes estatísticas que nos dão a posição de um dos países do mundo que mais matam por acidentes de trânsito (cerca de 45 mil mortes por ano).

Esses mais de 21 anos de vigência da lei têm servido para mostrar algumas idas e vindas em sua aplicação, sem que isso implique demérito a todos aqueles que labutam por sua efetividade, seja na seara administrativa, seja na esfera criminal.

Alguns desses desencontros decorrem da própria imperfeição da lei e de modificações legislativas. Outros, dos vetores de interpretação empregados num ou noutro momento.


2.O art. 291, em sua redação original

Primeiro, a confusa redação original do art. 291 do Código de Trânsito fez com que, em alguns casos concretos, se entendesse que os crimes de lesão corporal culposa de trânsito (art. 303), embriaguez ao volante (art. 306) e competição não autorizada ou racha (art. 308) fossem considerados de menor potencial ofensivo, passíveis de transação penal, de exigência de representação como condição de procedibilidade, e de composição civil extintiva da punibilidade (arts. 74, 76 e 88, da Lei nº 9.099/95). Alguns julgados, porém,   começaram a consertar o desarranjo antes que o legislador o fizesse.

Até que houve a correção da truncada redação original pela Lei nº 11.705, de 11 de junho de 2008.

Atualmente e em decorrência dessa modificação, somente o crime de lesão corporal culposa de trânsito comporta incidência dos três institutos (transação penal, exigência de representação e composição civil extintiva da punibilidade) e ainda assim, desde que não haja influência do álcool, racha e não seja excedida em 50 km/h a velocidade permitida para a via (art. 291, parágrafo 1º, I, II e III).

Embriaguez ao volante (art. 306) é crime que comporta apenas a suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei nº 9.099/95), tal como o crime de competição não autorizada ou racha (art. 308), em sua forma simples e desde que presentes os requisitos legais que autorizem a suspensão condicional do processo.


3.A cifra numérica do art. 306 do CTB, trazida pela Lei nº 11.705/08.

Por  outro  lado,  também  com  o  advento  da  Lei  nº    11.705/08, tivemos uma desastrosa cifra no art. 306, do Código de Trânsito, que levou muitos julgados a considerarem que sem o exame de sangue, para aferição da dosagem alcoólica, não haveria como provar o crime de embriaguez ao volante, pela exigência, no tipo penal, da presença de mais de 6 decigramas de álcool por litro de sangue, para configuração e comprovação do crime.

Muitos autores do crime de embriaguez ao volante ficaram impunes, escudados no direito à não autoincriminação, que decorre da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, II, g), de que o Brasil é signatário.


4.A correção feita pela Lei nº 12.760/12.

O legislador, posteriormente, com a Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012, reparou aquela situação absurda de exigência da cifra numérica para configuração e prova do delito, não abandonou por completo o número, mas passou também a prever expressamente a possibilidade de utilização de outros meios de prova para demonstração do crime de embriaguez ao volante, como videos, testemunhas, relato do agente de trânsito sobre os sinais clássicos de embriaguez, nos termos da Resolução 432/12 do CONTRAN, além do teste do etilômetro e do clássico exame de sangue. Este último é um meio de prova importante, mas deixou de ser o único, por expressa previsão legal, que sepultou várias controvérsias que só beneficiavam os autores do crime do art. 306.


5.A inconstitucionalidade do art. 305, revista pelo STF

Tivemos ainda ao longo desses anos a declaração de inconstitucionalidade do art. 305 (evasão do local do acidente para evitar a responsabilidade civil e penal dele derivadas), do Código de Trânsito, por alguns tribunais estaduais, como o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, declaração que foi revista pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou o tipo penal constitucional, em 2018 (RE 971.959).


6.A cassação do direito de dirigir, trazida pela Lei nº 13.804/19

No início de 2019, foi editada a Lei 13.804, de 10 de janeiro, que passou a prever a possibilidade de cassação do direito de dirigir, quando este tiver relação com os crimes de furto, roubo, receptação, contrabando e descaminho. Era o que dizia o preâmbulo da lei. Porém, no texto da lei, ao acrescentar o art. 278-A, ao Código de Trânsito, o legislador referiu apenas os crimes de receptação, contrabando e descaminho1. Perdeu-se a oportunidade de inclusão de outros crimes graves, que também podem ensejar a cassação do direito de dirigir, quando praticados por meio da utilização de veículo automotor: furto, roubo (mencionados no preâmbulo, mas não no texto da lei), homicídio, sequestro, extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas, crimes contra o idoso, contra a dignidade sexual, contra a criança e o adolescente, organização criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros. Tomara que o legislador perceba que o rol de crimes que comportam a cassação do direito de dirigir pode ser alargado e o faça brevemente.


7.O STJ e o julgamento do HC 427.472, que restringe o art. 307 do CTB às decisões judiciais

Recentemente, tivemos uma respeitável decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no HC 427.472, de Relatoria da Eminente Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, que conferiu nova interpretação ao tipo penal do art. 307, do Código de Trânsito (descumprimento da suspensão do direito de dirigir ou da proibição de sua obtenção).

De acordo com o entendimento da maioria, no julgado supramencionado, o crime somente se configurará se houver descumprimento a suspensão do direito de dirigir ou à proibição de sua obtenção, decretadas pelo Poder Judiciário, sob o entendimento de que a suspensão ou proibição emanadas de decisão de autoridade administrativa não caracterizam o crime, pois serão sempre passíveis de revisão pelo Poder Judiciário.

Abaixo, as premissas da orientação que prevaleceu no V. Acórdão, que não foi fruto de decisão unânime:

"[...] o exame da norma incriminadora expõe claramente a escolha do legislador: a violação prevista no tipo do artigo 307, 'caput', do CTB refere-se à decisão judicial.

Com efeito, basta notar que o parágrafo único do mencionado artigo remete a hipótese ao comando do artigo 293 do CTB, que expressamente delimita de qual autoridade está a determinação a falar: da 'autoridade judiciária'.

[...] se a lei quisesse incluir a decisão administrativa teria feito nesse momento ou noutro, e não o fazendo, não pode o intérprete ampliar o sentido da norma penal, sob pena de grave risco ao princípio da legalidade".

(VOTO VISTA) (MIN. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO)

"[...] luz de uma interpretação sistemática das normas contidas no Código de Trânsito Brasileiro, pode-se chegar à conclusão de que a violação mencionada no art. 307 do CTB se refere à violação de decisão judicial, [...].

"[...] bem jurídico tutelado  pelo  art.  307  do Código de Trânsito Brasileiro é a decisão ou autoridade do juiz ou, em outras palavras, a administração da Justiça, não sendo possível a interpretação extensiva de tal dispositivo, a fim de abarcar o descumprimento da suspensão do direito de dirigir imposta pela autoridade de trânsito".

A declaração de voto vencido deu ao tema, segundo entendemos, a mais adequada leitura. Confira-se:

(VOTO VENCIDO) (MIN. NEFI CORDEIRO)

"[...] o Código previu hipóteses de suspensão, hipóteses de proibição de habilitação aplicada administrativamente e, depois, vem no art. 307 a dizer que quem isso desrespeita pratica um tipo penal específico, diverso do crime de desobediência, não me parece possível daí pretender trazer os argumentos do crime de desobediência para este tipo penal. Além do que, como argumentação de política criminal, parece-me um gravíssimo incentivo a que pessoas que tenham suspensa a habilitação continuem dirigindo, porque, ainda que isso seja uma infração administrativa, não possui as mesmas consequências do tipo penal que prevê a pena de detenção no art. 307. Então, com o máximo respeito, parece-me que as elementares do art. 307 estão preenchidas quando há o desrespeito à punição administrativa".

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Com o devido respeito, discordamos da interpretação mais restritiva dada ao preceito, que foi vencedora no V. Acórdão.

O julgado acabou por negar vigência à letra do tipo penal. O crime do artigo 307, do Código de Trânsito Brasileiro, ao que nos parece, se configura tanto na hipótese de descumprimento de decisão administrativa, quando diante do descumprimento de decisão judicial.

Confira-se a propósito a redação do preceito:

Art. 307. Violar a suspensão ou a proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor imposta com fundamento neste Código.

Penas – detenção, de seis meses a um ano e multa, com nova imposição adicional de idêntico prazo de suspensão ou proibição.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o condenado que deixar de entregar, no prazo estabelecido no § 1º do art. 293, a Permissão para Dirigir ou a Carteira de Habilitação.

Aquilo que a lei não distingue, não cumpre ao intérprete da lei distinguir. Regra elementar de hermenêutica. A circunstância de o parágrafo único do art. 307 ter previsto uma figura equiparada ao delito do caput na conduta daquele que, intimado pela autoridade judiciária, deixa de entregar a permissão ou carteira nacional de habilitação, não autoriza, salvo melhor juízo, a interpretação de que o contido na cabeça do artigo não alcançaria as decisões proferidas na esfera administrativa, mesmo porque estas decisões também são impostas com fundamento neste Código. O tipo penal, além disso, não previu crime de desobediência exclusiva às decisões judiciais.

A jurisprudência dominante, ante a clareza do texto legal, é no sentido de que o delito do art. 307 se perfaz pelo descumprimento de suspensão ou proibição decretada administrativa ou judicialmente:

APELAÇÃO CRIME. DELITO DE TRÂNSITO. VIOLAR SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. ART. 307, CAPUT, DO CÓDIGO DE  TRÂNSITO BRASILEIRO.   CONDENAÇÃO MANTIDA. O delito do artigo 307 do Código de Trânsito Brasileiro pressupõe a violação de uma imposição, administrativa ou penal, de proibição ou suspensão para dirigir. Desnecessária a comprovação de perigo concreto, bastando a violação da proibição. A confissão, ratificada pela prova oral e documentos, é suficiente para a condenação do réu. APELAÇÃO IMPROVIDA. (Recurso Crime Nº 71001753656, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Angela Maria Silveira, Julgado em 25/08/2008).  (TJ-RS  -  RC:  71001753656  RS,  Relator:Angela Maria Silveira, Data de Julgamento: 25/08/2008, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/08/2008).

Devemos registrar, porém, que o entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça também já foi adotado, por mais de uma vez, pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

Artigo 306 e 307 da Lei n. 9.503/97.

1. Materialidade e autoria demonstrada pelas provas existentes nos autos.

2. O crime previsto no artigo 306 do CTB, com redação dada pela Lei nº 12.760/2012, exige, para sua configuração, que o agente conduza veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. O legislador de 2012 retirou o limite mínimo de concentração alcoólica existente na redação anterior do tipo penal em tela, exigível para configuração desse delito, o que impõe reconhecer que o condutor do veículo estará incurso no crime previsto no artigo 306 do CTB, caso conduza veículo com a capacidade psicomotora alterada.

3. Disposições contidas no artigo 306, §1º, inciso II, do CTB, o qual prescreve que a conduta prevista no caput do dispositivo será constada por sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora. Resolução nº 206/2006 do Conselho Nacional de Trânsito, que apresenta em seu anexo (único) as informações a serem colhidas pela autoridade de trânsito quando o condutor do veículo se recusar a realizar testes, exames ou perícia.

4. Procedimento administrativo instaurado no 102º Ciretran de São Vicente que demonstra que, efetivamente, o réu estava com a habilitação suspensa à época dos fatos, o que era de conhecimento do acusado, conforme relatado em seu próprio interrogatório judicial.

5. Todavia, a conduta de conduzir veículo automotor por vias públicas após a suspensão da validade da Carteira Nacional de Habilitação só configura o delito previsto no artigo 307, do CTB, na hipótese de determinação da suspensão por decisão judicial, não estando abrangida a hipótese de descumprimento de decisão administrativa.

6. Manutenção da pena com relação ao delito previsto no artigo 306, do CTB, em 06 (seis) meses de detenção, pagamento de 10 (dez) dias-multa e suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 02 (dois) meses.

7. Prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal. Ocorrência. Considerando a readequação da reprimenda, tem-se que transcorreu o lapso prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença. Recurso parcialmente provido e, de ofício, reconhecida a prescrição retroativa da pretensão punitiva. (TJSP; Apelação Criminal 0001312- 36.2013.8.26.0590; Relator (a): Kenarik Boujikian; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Criminal; Foro de São Vicente - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 18/02/2019; Data de Registro: 19/02/2019).

Recurso em sentido estrito – Decisão de rejeição da denúncia – Acusado que dirigia veículo automotor com habilitação suspensa, como consequência de decisão proferida por autoridade administrativa de trânsito – Conduta atípica – A conduta de conduzir veículo automotor por vias públicas após a suspensão da validade da Carteira Nacional de Habilitação só configura o delito do art. 307 do Código de Trânsito Brasileiro se a suspensão foi determinada por decisão judicial – Exegese dos artigos 162, II, 256, V e VI, 263, III, 265, 307 e 309 do CTB – Jurisprudência brasileira que experimenta evolução e converge para a solução adotada neste julgamento – Decisão judicial que deve ser mantida, porque consentânea com os princípios da 'mínima intervenção' e 'ultima ratio', da 'fragmentariedade' e da 'proporcionalidade' – Recurso desprovido. (TJSP; Recurso em Sentido Estrito 0000599- 87.2015.8.26.0397; Relator (a): Otavio Rocha; Órgão Julgador:  7ª  Câmara  de  Direito  Criminal;  Foro   de Nuporanga - Vara Única; Data do Julgamento: 16/05/2018; Data de Registro: 25/05/2018).

Porém, não é esta a orientação predominante no E. Tribunal de Justiça de São Paulo. São maioria os julgados proferidos no sentido de que o tipo penal do art. 307 incide tanto no descumprimento de decisão administrativa, quanto judicial. Vejamos:

Habeas Corpus. Artigo 307, caput do CTB. Nulidade processual. Inocorrência. Paciente não localizado para comparecer à audiência preliminar de proposta de transação penal, a despeito de terem sido expedidos os ofícios de praxe visando à sua localização. Cerceamento de defesa não configurado. Trancamento da ação penal. Inadmissibilidade. Inexistência de  distinção no tipo penal a respeito de ser necessário que a suspensão do direito de dirigir violada advenha de decisão judicial. Precedentes deste E. TJSP.  Constrangimento ilegal não caracterizado.   Ordem  denegada. (TJSP; Habeas Corpus Criminal 2267321- 10.2018.8.26.0000; Relator (a): Sérgio Coelho; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Campinas - 5ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 31/01/2019; Data de Registro: 06/02/2019).

Crime de Trânsito – Condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa – Recusa do agente em submeter-se ao exame do etilômetro – Conjunto probatório desfavorável ao réu lastrado em depoimento policiais harmônicos – Validade A constatação de que o motorista conduzia veículo automotor em via pública em estado de embriaguez mediante prova testemunhal harmônica dos policiais que atenderam a ocorrência é perfeitamente válida, até mesmo pelo princípio de presunção de veracidade inerente aos atos administrativos em geral. Após o advento da Lei n. 12.760/12, ficou superada a discussão quanto à efetiva necessidade de que a embriaguez venha a ser comprovada por exame laboratorial, realizado com etilômetro dentro do prazo de verificação do INMETRO ou em amostras de sangue. Crime de Trânsito – Suspensão ou proibição de obter-se a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor – Fixação consoante os mesmos critérios empregados para estabelecimento da privação de liberdade – Art. 293 CTB–   Entendimento  Conquanto  o  sistema  adotado  pelo legislador do CTB dê margem a uma série de aberrações, na ausência de balizas outras, que não as do art. 293 CTB, estabelecendo critérios específicos para fixação do quantum a ser imposto concernente à pena de suspensão ou de proibição de obter-se a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, deve seu cálculo seguir os mesmos parâmetros empregados para dosar a privação de liberdade. Crime de Trânsito – Concurso de crimes – Conduzir veículo automotor em estado de embriaguez e violar a suspensão de permissão ou de habilitação para dirigir veículo automotor – Desígnios autônomos – Concurso formal impróprio - Aquele que conduz veículo automotor em estado de embriaguez e, ao mesmo tempo, viola a suspensão de permissão ou de habilitação para dirigir veículo automotor, realiza simultaneamente, mediante prática de uma única conduta, os tipos penais dos arts. 306 e 307 do CTB. Na medida, contudo, em que os desígnios são evidentemente autônomos, o concurso de crimes a ser reconhecido deve ser o  formal  impróprio...” (TJSP; Apelação Criminal 0002106-58.2016.8.26.0103;

Relator (a): Grassi Neto; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Caconde - Vara Única; Data do Julgamento: 18/10/2018; Data de Registro: 23/10/2018).

Apelação – Crimes de trânsito – Artigos 306 e 307 do Código de Trânsito Brasileiro – Recurso defensivo – Preliminar de inconstitucionalidade do crime do art. 307 do CTB – Infração de perigo, que encontra fundamento no maior risco que provoca à segurança viária o condutor que, na vigência de suspensão ou proibição do direito de conduzir, e virtude de graves violações das normas de trânsito, insiste em fazê-lo – A criminalização dessa conduta pelo legislador deriva do regular exercício da atividade de elaboração das leis penais, estando em plena consonância com a ordem constitucional – Embriaguez ao volante (art. 306 do CTB) – Materialidade e autoria devidamente comprovadas – Condenação com base em conjunto probatório robusto e convincente – Exame clínico conclusivo quanto a embriaguez do apelante, elaborado segundo as normas e procedimentos estabelecidos pelo CONTRAN – Testemunhas que não hesitaram ao descrever o episódio, o fazendo com riqueza de detalhes – Crime de 'perigo abstrato', para cuja caracterização é bastante a prova psicoativa que determine dependência – Alteração da capacidade psicomotora que restou bem demonstrada – Conduta praticada que é potencialmente capaz de afetar a "segurança viária" – Penas que foram estabelecidas mediante correta e fundamentada aplicação dos critérios da lei em vigor, inclusive no tocante ao escalonamento da sua dosagem nas três fases previstas no artigo 68 do Código Penal – Ausência de prova de que o sentenciado tinha ciência de que fora decretada pela autoridade de trânsito a suspensão da validade de sua habilitação, que deve resultar na sua absolvição quanto ao delito do art. 307 do CTB – Prova que competia à acusação – Recurso parcialmente provido para absolver o réu da prática desse delito. (TJSP; Apelação Criminal 0012688- 44.2013.8.26.0032; Relator (a): Otavio Rocha; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Araçatuba - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 29/11/2017; Data de Registro: 05/12/2017).

VIOLAÇÃO DA SUSPENSAO DO DIREITO DE DIRIGIR VEICULO AUTOMOTOR. Atipicidade. Crime impossível. Afastada. Confissão quanto à ciência da suspensão da CNH que serviu de motivação para comprar documento falso. Oficio do DETRAN que comprova a suspensão. USO DE DOCUMENTO FALSO. Comprovação de que elementos inseridos no documento eram falsos. Configuração do delito que não exige a apresentação espontânea do portador. FURTO QUALIFICADO – RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA DE ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO.

POSSIBILIDADE. Confissão e laudo pericial que indicam a autoria do crime. QUALIFICADORA mantida em razão de que o entendimento maior da norma é a audácia do agente em romper os obstáculos que protegem a coisa e não o grau de ofensa ao bem jurídico. Dosimetria da pena. Maus antecedentes e reincidência - Condenações distintas utilizadas na primeira e na segunda fase da pena não incidem em bis in idem. Regime – mantido. Reincidência. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP;  Apelação  Criminal 0035532-84.2014.8.26.0506;

Relator (a): Ruy Alberto Leme Cavalheiro; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Ribeirão Preto - 3ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 11/07/2017; Data de Registro: 13/07/2017).

Mutatis mutandis, essa interpretação de que o crime do art. 307, do Código de Trânsito, abrange a suspensão e a proibição decorrentes de decisão administrativa e judicial nos remete ao amplo conceito de infração de trânsito, previsto no art. 161, do Código de Trânsito, que dispõe que constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das Resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX.

Esse conceito de infração de trânsito, dada sua amplitude, abrange as infrações administrativas e os crimes de trânsito.

O crime do art. 307, do Código de Trânsito, assim, é norma de garantia da efetividade da suspensão e da proibição do direito de dirigir, decretadas com base no Código de Trânsito, quer se trate de medida restritiva imposta por Autoridade de Trânsito, na esfera administrativa, quer se cuide de punição imposta pelo Poder Judiciário, como pena cumulativa, em virtude de condenação por delito de trânsito ou ainda como medida cautelar (art. 294, do Código de Trânsito).

Vale lembrar que o art. 296, do Código de Trânsito, com a redação dada  pela Lei  nº 11.705/08,  conferiu  ainda  maior  força  à  pena  de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, ao dispor que, se o acusado foi reincidente na prática de crime previsto no Código de Trânsito, o juiz obrigatoriamente aplicará referida suspensão, ao passo que a redação anterior deixava ao juiz a faculdade de aplicar ou não a medida.

O entendimento adotado pelo E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC 427.472 – em nossa visão e data maxima venia - enfraquece a aplicação do Código de Trânsito, pois confere menor força, menor grau de importância e menor efetividade às decisões punitivas proferidas no âmbito administrativo, cujo descumprimento não estará – segundo o entendimento majoritário adotado no V. Acórdão – sob a proteção do Direito Penal.

O habeas corpus é remédio constitucional de suprema importância para salvaguardar a liberdade individual frente aos abusos e arbítrios de agentes do Estado. Historicamente é instrumento essencial à salvaguarda do Estado Democrático de Direito, à defesa da liberdade e à concretização do próprio princípio constitucional da proteção da dignidade humana.

Porém, quando sua utilização restringe a incidência de tipo penal de grande importância na proteção à segurança no trânsito, bem jurídico indisponível e direito de todos (art. 1º, § 2º, c.c. art. 28, do CTB), concluímos que o respeitável Julgado, relatado por valorosa Ministra do E. Superior Tribunal de Justiça, deve fomentar a reflexão dos operadores do Direito que se dediquem à aplicação do Código de Trânsito, principalmente porque o entendimento nele adotado, embora respeitável, limita a atuação do Direito Penal, num ramo sensível, em que se lida com bens jurídicos fundamentais e ainda com o desafio diário de reduzir as mortes e lesões incapacitantes que atingem tantas pessoas em nossas cidades e rodovias.

A prevalência da restrição do alcance do tipo penal do art. 307 do Código de Trânsito às decisões judiciais, com a máxima vênia, poderá ter ainda duas consequências negativas: 1ª – desestímulo à importante atuação das autoridades de trânsito administrativas, cujas decisões de suspensão e proibição do direito de dirigir não serão mais tuteladas pelo Direito Penal; 2ª – incentivo aos descumpridores da suspensão e da proibição do direito de dirigir administrativamente imposta, confiantes na crença de que esse descumprimento não estará mais ao alcance do Direito Penal, conforme bem salientou o Eminente Ministro Nefi Cordeiro, em sua declaração de Voto Vencido.


Nota

1 Art. 2º A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), passa a vigorar acrescida do seguinte art. 278-A:

“Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.

§ 1º O condutor condenado poderá requerer sua reabilitação, submetendo-se a todos os exames necessários à habilitação, na forma deste Código.

§ 2º No caso do condutor preso em flagrante na prática dos crimes de que trata o caput deste artigo, poderá o juiz, em qualquer fase da investigação ou da ação penal, se houver necessidade para a garantia da ordem pública, como medida cautelar, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público ou ainda mediante representação da autoridade policial, decretar, em decisão motivada, a suspensão da permissão ou da habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção.”

Sobre o autor
Fernando Célio de Brito Nogueira

Promotor de Justiça em São Paulo, autor de Crimes do Código de Trânsito, 5ª edição, publicado em 2019, pela Editora Jus Podivm

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Fernando Célio Brito. Idas e vindas na aplicação do CTB e o HC 427.472, julgado pelo STJ, reduzindo o alcance do delito do art. 307 (violação da suspensão do direito de dirigir ou da proibição de sua obtenção) às decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5753, 2 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72772. Acesso em: 21 nov. 2024.

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