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Crítica à aplicação prática da lei de execução penal no Brasil

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Agenda 04/06/2019 às 18:55

CAPÍTULO IV - A EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE

4.1 Execução das Penas Privativas de Liberdade

A execução penal, em sentido amplo, nada mais é do que a concretização do mandamento contido na sentença criminal, ou seja, o conjunto dos atos judiciais ou administrativos por meio dos quais se faz efetiva a sentença. Desse modo, tanto a sentença condenatória como a sentença absolutória seriam objeto de execução, porquanto na primeira são executadas as penas impostas, é lançado o nome do réu no rol dos culpados, são cobradas as custas, etc., e a segunda comporta execução em favor do acusado, com soltura do réu, cobrança das custas do querelante vencido, etc.

Nos casos de cumprimento de penas privativas de liberdade, um pressuposto que a Lei de Execução Penal considerou obrigatório para o recolhimento do réu ao estabelecimento penal foi a expedição da guia de recolhimento. Este documento, anteriormente denominado “carta de guia” (arts. 674 e ss. do CPP), é o instrumento pelo qual o título executivo que é a sentença condenatória passa a ter eficácia material, ou seja, possibilita a execução de uma pena privativa de liberdade pela Administração carcerária.

Isto ocorre pois, apesar da sentença condenatória ser o título executivo que autoriza o Estado a exercer o “jus puniendi” contra o réu, não tem ela, por si só, poder de autorizar o recolhimento do réu ao cárcere para cumprimento da pena que lhe foi imposta, visto que ela pode ser atacada no seu mérito pelas vias recursais, só surtindo seus efeitos após o regular trânsito em julgado. A guia de recolhimento, nesse caso, tem a função de garantir ao condenado de que na execução não se extravase a punição além dos limites fixados na decisão.

Cabe salientar, entretanto, que é possível a prisão do réu antes da expedição da guia de recolhimento, se a sentença condenatória contiver expressamente esta disposição, ou se o mesmo já encontrava-se preso por ocasião da decisão, sendo que neste caso, a prisão terá somente caráter cautelar, preventivo ou provisório, e não caráter executório, o que só ocorrerá com o trânsito em julgado da sentença. No entendimento de Mirabete

“quem determina a expedição da guia de recolhimento é o juiz da sentença depois que transitar em julgado a decisão, pois antes disso não se aperfeiçoou o título executivo. A execução da pena requer que se tenha constituída a coisa julgada, pois só assim ganha a sentença a sua força executória. Se o réu apelou da decisão ou não se esgotou o prazo para a apelação não há sentido na remessa da guia de recolhimento para o juiz encarregado da execução”[19].

4.2 Execução Provisória

Determina do parágrafo único da Lei de Execução Penal a aplicação, aos presos provisórios, das disposições nela contidas.

Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tal aplicação somente poderá ser instrumentalizada através de execução provisória, anotando-se também que o Regimento Interno do Tribunal da Alçada Criminal de São Paulo, em seu artigo 208, com redação estabelecida ainda na vigência da Constituição Federal anterior, previa a possibilidade da execução provisória, quando da interposição de recurso extraordinário.

É aplicável a execução provisória nos casos de sentença condenatória sem trânsito em julgado, pendente de recurso, quando expede-se guia de recolhimento provisória, por não houver recurso do Ministério Público ou alegação de nulidade, ou seja, não caiba modificação que possa prejudicar o réu, nada obstando que o mesmo possa, ainda que provisoriamente, receber os benefícios da execução (progressão, remição, detração penal, etc.).

Nesse sentido preleciona Walter Swensson

“É bem verdade que a execução provisória visa beneficiar o réu, abrindo caminho ao reconhecimento da detração penal, a remoção a estabelecimento prisional adequado ao regime prisional fixado na sentença à soma da pena imposta e do saldo das sanções corporais a serem cumpridas, possibilitando-lhe a obtenção de benefícios assegurados pela LEP e, também, a progressão a regime mais brando”[20].

Ao contrário do que ocorre com a execução provisória no processo cível, a execução penal provisória não sofre nenhuma restrição ou limitação. Processa-se como se definitiva fosse.

No decorrer da execução provisória poderá o réu obter todos os benefícios estabelecidos na Lei de Execução Penal, estando sujeito, em contrapartida, às penalidades nela previstas. Sendo a execução provisória, seus efeitos serão, também, provisórios, sujeitos a eventuais alterações determinadas pelo acórdão que houver julgado o recurso interposto contra a decisão de primeiro grau.

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Assim, se for a única condenação a se a sentença for anulada ou o réu absolvido, será a execução provisória tornada sem efeito. Se, todavia, o recurso da defesa for acolhido apenas em parte, com concessão de sursis, convertendo-se a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos ou multa, igualmente será ela tornada sem efeito. Se, porém, o réu tiver outras condenações pendentes de execução, a confirmação da sentença condenatória provocará a conversão da execução provisória em definitiva.

4.3 Execução das Penas Restritivas de Direitos

Toda pena não deixa de ser, em última análise, uma restrição a direitos do condenado, tendo em vista que todo condenado, ao sofrer uma pena, sofre uma lesão em seu patrimônio jurídico, restringido-lhe direitos.

Entretanto, dicotomicamente em relação as penas privativas da liberdade do condenado, as penas restritivas de direitos, em sentido estrito, são aquelas que importam em incapacidades jurídicas parciais ou na imposição de deveres que passam a significar ‘restrições’ ao uso e gozo da ampla liberdade a que todos temos direito.

Previstas no inciso II, do artigo 32, do Código Penal em vigor, as penas restritivas de direitos somente tiveram sua aplicabilidade real reconhecida com o advento da Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais. Tal situação deveu-se ao fato de que nossos Tribunais nunca se empolgaram com as questões atinentes as mesmas, mitigando quase sempre seus aspectos disciplinadores e punitivos.

A aplicação de penas restritivas de direitos tem sua origem no Iluminismo, especialmente na visão de Montesquieu, que vislumbrou sistematicamente este tipo de punição como sendo de caráter político, haja vista que os direitos restringidos ou liberados eram dispostos pelo poder político vigente. Entretanto, a humanidade conhece a restrição à direitos desde os remotos tempos da Antigüidade Clássica e da Idade Média, onde o banimento, o confisco e a desonra, eram aplicados com severidade e eqüivaliam, em alguns casos, à penas capitais. Cesare Beccaria aponta que, “para que uma pena realize o seu fim basta que seu mal ultrapasse o que o bem nascido do crime praticado produziu. Tudo o mais é supérfluo e, portanto, tirânico”[21].

O artigo 43 do Código Penal estabelece que “as penas restritivas de direito são: a) prestação de serviços à comunidade; b) interdição temporária de direitos; c) limitação de fim de semana”. Tais penas são individualizadas nos artigos 46, 47 e 48 do mesmo diploma legal.

Tratam-se estas de penas autônomas e alternativas em relação às penas privativas de liberdade, guardando, entretanto, a mesma natureza jurídica daquelas. Esse caráter alternativo deixou em aberto imensa gama de possibilidades em imposição de condutas concretas aos sentenciados, facultando inclusive a conversão de uma da outra, a critério do juiz, nos casos previstos na lei.

Na sua execução, entretanto, incorporam-se as dificuldades de constrição, tal qual ocorrer na âmbito cível, no tangente às obrigações de fazer, em que pese, no penal, o forte incentivo ao cumprimento, consistente na conversão “in pejus” da mesma para privativa de liberdade, quando ocorrer descumprimento injustificado da restrição imposta. Mirabete assim entende que

“a pena restritiva de direitos deve ter a mesma duração da pena privativa de liberdade por ela substituída, não podendo o juiz dar-lhe uma duração maior ou menor daquela estabelecida na fixação do tempo de reclusão, detenção ou prisão simples fixado em princípio. Também não pode o juiz fixar diretamente a pena restritiva de direitos, que embora autônoma, tem caráter substitutivo da pena privativa de liberdade”[22].

4.4 Execução das Penas de Multa

Ao lado das penas privativas de liberdade e restritiva de direitos instituídas pelo nosso Direito Penal, acha-se a multa, que é uma das chamadas “penas pecuniárias”.

Sua origem é muito antiga, remontando aos tempos primitivos, quando os delinqüentes eram obrigados a pagar, a título de castigo, uma reparação pela sua falta, consistindo na entrega de cabeças de gado, ovelhas, pedras preciosas ou outros valores à família da vítima, ao Príncipe ou ao Chefe da cidade ou do Estado.

Com o passar do tempo, tais penas foram sendo relegadas a plano secundário, pois as penas de morte ou privativas de liberdade tornaram-se mais vantajosas aos reis e imperadores, que apropriavam-se de todo o patrimônio do condenado à morte ou à prisão perpétua, aumentando consideravelmente a fortuna da coroa.

No direito atual, a multa é considerada pelos doutrinadores como a segunda pena, em importância, sendo certo que muitos deles trabalharam arduamente em favor da adoção desta em lugar da privação da liberdade, que além de onerosa para o Estado, importa quase sempre na promiscuidade e na influência maléfica dos contatos nos estabelecimentos penais.

Na sua execução, a cobrança da pena de multa sujeita-se às normas da legislação relativa à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, pois com o advento da Lei 9.268/96, que alterou o artigo 51 do Código Penal, esta deixou de ser atribuição do Ministério Público e do Juízo da Execução Criminal.

De acordo com a nova Lei, a execução da multa dá-se por iniciativa da Fazenda Pública Estadual, em ação própria, diante da certidão expedida pelo Juízo da Condenação, a qual materializa o título executivo; com posterior remessa à Procuradoria da Fazenda Estadual, para ajuizamento da ação executória perante o Juízo de Execuções Fiscais.

No caso do não pagamento, segue-se o procedimento judicial cível, no tocante à penhora e à execução, excetuando-se os casos de embargos do executado, situação não prevista na execução penal.

Criticando esta espécie de pena, apontamos a posição de Manoel Pedro Pimentel:

“Invocando a realidade, verificamos que na prática todo se converte em irrisória arrecadação, uma vez que a maior parte dos criminosos - podemos dizer que é a esmagadora maioria - não dispõe de recursos para saldar a multa. Quanto aos afortunados ‘criminosos de colarinho branco’ (sic), a pena pecuniária assume aspecto de bilhete de passagem comprado para a impunidade. A análise fria dos impõe a conclusão de que, se a idéia é generosa, a sua aplicação resulta despicienda no Brasil”[23].

4.5 Execução das Medidas de Segurança

As medidas de segurança adotadas pelo sistema penal brasileiro, com a Reforma Penal de 1984, foram unicamente a internação e a sujeição a tratamento ambulatorial. São elas aplicadas aos casos de custódia e tratamento psiquiátrico ou ambulatorial, quando necessários à recuperação do condenado temporariamente enfermo ou inimputável juridicamente.

A execução de tais medidas não comporta análise mais detalhada, sendo na maioria dos casos realizada de maneira idêntica aos dos casos anteriores. Porém, é válido ressaltar a posição de Antonio José Miguel Feu Rosa de que

“tanto nos casos de internação e de custódia, o delinqüente enfermo são encaminhados aos hospitais ou manicômios judiciários, onde permanecem à disposição do juiz, de quem dependerá sua libertação no momento que achar mais conveniente para a boa ordem social”[24].

Sobre o autor
Paschoal de Angelis Neto

Possui graduação em Direito, com Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Ribeirão Preto (2000) e cursa Mestrado em Segurança, Justiça e Direito, na Universitat de Girona, Reino de España (CE), concomitantemente com Doutorado em Direito Civil pela Universidad de Buenos Aires - UBA, na Capital Federal de La Republica Argentina. Atualmente é professor convidado do Instituto Brasileiros de Estudos (www.portalibest.com.br). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Notarial e Registral. http://lattes.cnpq.br/6666110491653844

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Paschoal Angelis. Crítica à aplicação prática da lei de execução penal no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5816, 4 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73105. Acesso em: 22 nov. 2024.

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