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Propostas preocupantes para o trânsito

Agenda 10/06/2019 às 15:44

O Código Brasileiro de Trânsito está plasmado no direito fundamental à vida. As modificações pretendidas deveriam ser precedidas de estudos técnicos hábeis a respaldá-las.

O Código de Trânsito Brasileiro foi estruturado sob a égide do princípio da precaução.

O atual Código, sancionado em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi concebido com o intuito de conter a violência no trânsito que, a cada ano, mata, mutila e incapacita milhares de pessoas em idade produtiva (a maior parte das vítimas tem entre 20 e 39 anos). É fruto de estudos que visam a aumentar a segurança de motoristas, passageiros e pedestres num país recordista de mortes no trânsito. Nesse contexto, uma de suas inovações foi o sistema de pontuação, que leva à suspensão do direito de dirigir quando o motorista atinge 20 pontos na carteira, sendo consequência de estudos que visam a aumentar a segurança de motoristas, passageiros e pedestres num país recordista de mortes no trânsito. Nesse contexto, uma de suas inovações foi o sistema de pontuação, que leva à suspensão do direito de dirigir quando o motorista atinge 20 pontos na carteira.

O atual presidente da República quer mudar esse quadro.

O objetivo, segundo informou o presidente, é um só: acabar com o que ele chama de “indústria da multa”.

Na justificativa do projeto, lê-se que “a atual complexidade do trânsito brasileiro cada vez mais gera a possibilidade de o condutor levar uma autuação do trânsito, ainda que não tenha a intenção de cometê-la”, razão pela qual “alcançar os 20 pontos está cada dia mais comum na conjuntura brasileira”. Ora, tal argumento é de uma imprudência gritante: por ignorar a “complexidade” das regras de trânsito, o motorista poderia então cometer irregularidades à vontade, sob a proteção do Estado.

Entre outras medidas, o presidente quer aumentar de 20 para 40 o limite de pontos no prontuário da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), deixar de multar a falta de uso da cadeirinha infantil e não fazer mais exame toxicológico nos caminhoneiros. O texto foi apresentado na última terça-feira. Especialistas temem que as mudanças causem mais mortes.

Ponto controverso é o fim da multa para motoristas que transportam crianças sem cadeirinha. Pelo projeto, o desrespeito à norma — hoje, infração gravíssima — geraria apenas advertência. Segundo a OMS, as cadeirinhas reduzem até 60% o número de mortes de crianças em acidentes.

A extinção da exigência de exame toxicológico para motoristas profissionais é outra medida temerária, pois desconsidera a realidade das estradas.

O Código Brasileiro de Trânsito está plasmado no direito fundamental à vida.

As modificações pretendidas deveriam ser precedidas de estudos técnicos hábeis a respaldá-las, ou seja, que era preciso que os impactos das medidas fossem estudados antes de elas serem propostas. A falta de estudos e de debate para a criação do projeto com os órgãos estaduais "já revela a imaturidade e precipitação com que se deu seu encaminhamento", ainda segundo o texto. Os dados estatísticos existentes contradizem os argumentos do presidente para justificar as medidas.

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As modificações propostas pelo presidente da República, na regulação do trânsito, mais do que uma homenagem à liberdade, significam “um convite para a morte”.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2017, 35,3 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito em todo o país. Já os gastos com as 182.838 internações na sobrecarregada rede do SUS somaram R$ 260 milhões. O governo deveria estar empenhado em reduzir esses números a níveis civilizatórios. E não em torná-los ainda mais trágicos.

Os desastres com moto já são campeões nas estatísticas. A saída é continuar documentando acidentes, fazendo as contas. Os liberais que se apoiam apenas na liberdade pessoal de assumir os riscos se esquecem de algumas relações que estabelecemos no trânsito.

Em março de 2010, uma resolução da ONU definiu o período de 2011 a 2020 como a “década de ações para a segurança do trânsito”, afinal, o conjunto de 178 países havia contabilizado, no ano anterior, 1,3 milhão de mortes por acidentes de trânsito, e mais 50 milhões de feridos com sequelas. Era preciso agir, pois a tragédia era imensa, e as estimativas apontavam para uma tendência crescente.

Em 2008, ano de implantação da Lei Seca (Lei 11.705, de 19/6/2008), que promoveu alterações no Código de Trânsito Brasileiro, o Brasil registrou 38.273 mortes no trânsito. Em 2012, foi preciso nova alteração, com a Lei 12.760, de 20 de dezembro, pois o país atingia 44.812 vítimas fatais.

Novas alterações legislativas vieram, sempre endurecendo as punições — administrativas e criminais —, com as leis 12.971 de 2014, 13.281 de 2016 e 13.546, de 2017.

O Brasil aparecia em quinto lugar entre os recordistas em mortes no trânsito, o que é compatível com a grandeza de sua população; mas, aqui, não era vantagem, e sim um imenso problema.

Os especialistas entendem que, se houver uma redução generalizada do controle da velocidade, vai ser uma tragédia.

Por outro lado, nas maiores 533 cidades do país, segundo dados do Data SUS, do Ministério da Saúde, cerca de 700 mil pessoas foram vítimas de acidentes em 2016. Nessas cidades, foram 24 mil mortes. O custo para a sociedade foi de R$ 130 bilhões em 2016.

Esses pontos, dentre outros, deverão ser analisados pelo Congresso Nacional, pois a proposta se afigura como um sinistro sinal para o futuro.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Propostas preocupantes para o trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5822, 10 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74575. Acesso em: 21 nov. 2024.

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