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O STJ, o Uber e a relação de trabalho no Brasil

Agenda 12/09/2019 às 17:50

O STJ decidiu que compete à justiça comum julgar ações de motoristas do aplicativo Uber contra a empresa de transporte. No entanto, o entendimento viola a Emenda Constitucional 45 e aumenta a insegurança dos motoristas.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que compete à justiça comum julgar ações de motoristas do aplicativo Uber contra a empresa de transporte. O caso chegou à Corte após um motorista ingressar no Juizado Especial Cível de Poços de Caldas (MG), requerendo indenização por danos morais e materiais e a reativação de sua conta que, segundo ele, foi desativada indevidamente.

Ao receber o processo, o juízo determinou a remessa dos autos à vara do trabalho daquela circunscrição, alegando ser incompetente para julgar o feito. Contudo, o juízo da 1ª Vara do Trabalho de Poços de Caldas entendeu também não ser competente para julgar o processo, alegando que não se tratar de “uma relação de emprego, tampouco de uma relação de trabalho”. Desse modo, suscitando conflito negativo de competência, determinou o envio do processo ao Superior Tribunal de Justiça, para solucionar a controvérsia.

Neste ponto, se fazem necessários alguns esclarecimentos. Primeiro: a resolução do conflito de competência se dá, no processo brasileiro, de acordo com o disposto nos artigos 951 e seguintes do Código de Processo Civil, quando ocorrer alguma das situações previstas no art. 66 do mesmo diploma legal. Essas são as hipóteses previstas pelo legislador: quando dois ou mais juízes se declaram competentes para julgar um determinado processo, quando dois ou mais juízes se considerarem incompetentes para julgar determinado processo, e, por último, quando entre dois ou mais juízes surgir controvérsia acerca da reunião ou separação de processos. O caso que chegou ao STJ corresponde à segunda hipótese. 

Segundo: a análise da competência, no direito brasileiro, é feita de modo abstrato, em razão da matéria, da pessoa, ou por critério funcional, quando se tratar de competência absoluta, não entrando no mérito da ação. Ou seja, o julgador deve decidir analisando unicamente o pedido e a causa de pedir.

Contudo, em seu julgamento, o STJ fez uma análise meritória, julgando além da questão da competência propriamente, e, em última análise, além do próprio objeto da ação.

Com efeito, ao analisar a competência da justiça trabalhista, o STJ decidiu que “os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma” (sic) e, portanto, compete a “Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo” contra a Uber.

No entanto, o julgamento da Corte, além de adentrar no mérito da questão, ratifica seu entendimento inconstitucional no que se refere a competência da Justiça Estadual para julgar matérias trabalhistas. Explicamos.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, passando o art. 114, inciso I da Constituição Federal a dispor que compete à Justiça do Trabalho julgar “ações oriundas da relação de trabalho”. Diferente das “relações de emprego”, que estão adstritas aos vínculos característicos previstos no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, as “relações de trabalho” são amplas, abrangendo qualquer relação em que haja o labor humano lato sensu, compreendendo, desse modo, o trabalho autônomo, voluntário, o estagiário, o trabalho eventual, avulso, entre outros.

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Contudo, em que pese a literalidade do texto constitucional, o Superior Tribunal de Justiça editou posteriormente a Súmula nº 363, relatada pelo Ministro Ari Pargendler, que determinou com “compete à Justiça estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.” Embora seja amplamente criticada pela sua flagrante inconstitucionalidade, a Súmula continua em vigor.

Ou seja, ao julgar o Conflito de Competência nº 164544, a Corte manteve seu entendimento — embora inconstitucional — no que se refere à competência da Justiça Estadual para julgar feitos relacionados à relação de trabalho e, para além do objeto da competência, que lhe foi trazido, determinou unilateralmente, e sem o crivo do contraditório, que os serviços prestados pelos motoristas não configuram relação de emprego ou relação de trabalho.

Desse modo, embora ainda seja cedo para compreender a integralidade dos efeitos causados pela decisão, tendo em vista que a matéria ainda pôde chegar ao Supremo Tribunal Federal, é certo dizer que a celeuma envolvendo o vínculo laboral dos trabalhadores com a empresa Uber no âmbito do direito brasileiro não foi de todo resolvida e certamente ainda haverá muitas alterações até que haja um posicionamento pacífico nas cortes superiores.

Sobre o autor
Med Brazão de Oliveira

Advogado. Pós-graduando em Direito Constitucional. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN e da Associação Norte-riograndense dos Advogados Trabalhistas (ANATRA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Med Brazão. O STJ, o Uber e a relação de trabalho no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5916, 12 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76464. Acesso em: 21 nov. 2024.

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