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Seletividade do IPI para desestímulo ao consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas e combate à obesidade

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Agenda 06/01/2020 às 10:30

4. SELETIVIDADE DO IPI ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA DE DESESTÍMULO AO CONSUMO DE REFRIGERANTES E OUTRAS BEBIDAS AÇUCARADAS E O COMBATE À OBESIDADE NO BRASIL.

Vimos até aqui que dados arrepiadores sobre o excesso de peso e a obesidade vem sendo contabilizados há anos no Brasil e que esses têm conexão com o aumento do consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas.

Cada vez mais, o Estado é exigido por meio do Sistema Único de Saúde a atender demandas de doenças relacionadas diretamente ao sobrepeso/obesidade, como diabetes e câncer, que nunca é demais relembrar, também é decorrente do alto consumo de refrigerante e bebidas açucaradas.

Percebeu-se também ao longo deste trabalho que as Organizações Nacionais e Internacionais vêm expressando sua preocupação com o tema, sugerindo que sejam adotadas políticas fiscais no desiderato de reduzir o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas, dentre as quais, a recomendação da OMS e do Conselho Nacional de Saúde para que seja majorada a tributação em 20% desses alimentos buscando aumentar o preço e consequentemente desestimular/reduzir o consumo.

Dadas essas recomendações, em 11 de julho de 2018, através da 70ª Sessão do Comitê Regional da OMS para as Américas foi verificado pela OPAS e OMS se a meta proposta em 2014 de “implementar políticas para reduzir o consumo de bebidas açucaradas e produtos energéticos com poucos nutrientes por crianças e adolescentes” havia sido atingida (OMS, 2018).

Entretanto, foi verificado que apenas “5 países haviam aprovado legislação para tributar as bebidas açucaradas” (OMS, 2018), entre esses não se encontra o Brasil, eis que o Projeto de Lei 8541/2017 que propõe o aumento da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre a importação ou saída de bebidas não alcoólicas adoçadas com açúcar ainda se encontra sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões (Brasil, 2017).

Diante dessa constatação de falta de interesse do legislador, essa pesquisa vem no intuito de movimentar o debate e indagar a possibilidade de utilizar, como proposto no Projeto de Lei de autoria do Deputado Paulo Teixeira, da seletividade do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) tendo em vista que é um tributo incidente sobre os refrigerantes e bebidas açucaradas, conforme prevê o Decreto nº 8.950, de 29 de dezembro de 2016 – Tabela de Incidência do IPI (BRASIL, 1988).

A seletividade tributária “é técnica de incidência de alíquotas, cuja variação dar -se -á em função da essencialidade do bem”. Ou seja, ao passo que o produto seja de extrema necessidade, menor tributação ele deve ter e, aqueles de menor necessidade ou supérfluos devem receber tributação mais elevada (SABBAG, 2016). Podemos assim simplificar: uma moto em si não é um produto supérfluo, uma Harley Davidson possa ser.

Importante ressaltar uma significante diferença entre o regime de seletividade do IPI e do ICMS, pois o art. 153, § 3º, I da CF/88 diz que o IPI será seletivo, em função da essencialidade do produto, “excluindo qualquer possibilidade de o legislador abolir o sistema de seletividade”, enquanto que no ICMS a Constituição faculta o legislador graduar as alíquotas segundo a essencialidade, tendo em vista que o art. 155, § 2º, III dispõe que poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (MAZZA, 2017).

A majoração do tributo pela seletividade não pode se confundir com o confisco, sendo esta lição deixada bem clara no ensinamento do Ilustre Doutrinador de Direito Tributário ao dizer que “é incabível, por exemplo, arguir o confisco na tributação de cigarros ou bebidas, uma vez que o excesso se mostra justificável” (SABBAG, 2016) gn.

Trazemos à baila, alguns exemplos para ilustrar a aplicabilidade desse tributo por meio da análise da Tabela de Incidência do IPI, onde constata-se que a alíquota de aguardentes de vinho ou de bagaço de uvas é de 30%, enquanto que vinagres e seus sucedâneos obtidos a partir do ácido acético, para usos alimentares, tem alíquota 0%, bem como que o cigarro tem alíquota de 300%.

Ou seja, aumenta ou diminui a alíquota do IPI na medida em que o produto seja mais ou menos essencial ao contribuinte. Daí porque o cigarro possui alíquota de 300%, justamente no intuito de desestimular o consumo, eis que não é nem um pouco essencial, ao contrário, tal como o refrigerante e bebidas açucaradas, são comprovadamente prejudiciais à saúde.

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Contudo, a política fiscal pátria com relação ao refrigerante e bebidas açucaradas não vem adotando o mandamento constitucional da seletividade do IPI, tampouco perseguindo os objetivos traçados pela OMS, OPAS e Conselho Nacional de Saúde que recomendam que sejam aumentados os preços desses produtos em 20%, em razão de serem não essenciais e prejudiciais à saúde e, por conseguinte devem ser tributados de acordo com a seletividade. Explico.

Conforme Nota Complementar 21-1 e 22-1 da Tabela de Incidência do IPI os extratos concentrados para elaboração de refrigerantes que contenham extrato de sementes de guaraná ou extrato de açaí, os extratos concentrados para elaboração de refrigerantes que contenham suco de frutas, os refrigerantes e refrescos que contenham extrato de sementes de guaraná ou extrato de açaí e refrigerantes e refrescos que contenham suco de frutas desde que atendam aos padrões de identidade e qualidade exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e estejam registrados no órgão competente desse Ministério, têm alíquota reduzida em 50% ou 25%.

Ou seja, o Brasil está na contramão do mundo no tocante a política fiscal de desestimulo ao consumo dos alimentos objetos desse estudo, pois em vez de aumentar alíquota da tributação sobre refrigerantes e bebidas açucaradas como instrumento de reduzir o consumo e combater à obesidade, prevenindo a ocorrência de doenças como diabetes, câncer e outras correlatas e ainda diminuir os gastos do Sistema Único de Saúde, o que se faz é conceder benefícios fiscais para que se produza e consuma cada vez mais tais alimentos.

Insta salientar que não se defende aqui utilizar da extrafiscalidade desse tributo como desculpa ou pretexto para estabelecer pressão fiscal ou propósito confiscatório e isso resta inequívoco pela simples análise de todos os estudos expostos ao longo desse trabalho.

Destaque-se que de acordo com Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) “países como Reino Unido, Irlanda, Arábia Saudita, Emirados Árabes e Índia já aprovaram a taxação maior. Na Hungria e no México, foram adotados impostos maiores para alimentos não saudáveis, alcançando a redução no consumo desses produtos” (CONSEA, 2017).

Assim, depreende-se de forma fácil e clara que embora seja uma medida isolada, utilizar-se da seletividade do IPI para majorar a alíquota e o preço de refrigerantes e outras bebidas açucaradas pode ser um ponta pé inicial importante para tentar desestimular e reduzir o consumo, uma vez que tal experiência já possui impacto positivo nos países que a adotaram e não se trata aqui de produto essencial, ou melhor, trata-se se produto comprovadamente prejudicial à saúde e que seu uso pode acarretar obesidade, outras doenças correlatas e gastos com saúde pública.


5. CONCLUSÃO         

Como dito alhures, o objetivo aqui proposto foi de analisar a aplicabilidade da técnica da seletividade do IPI como o início de uma política fiscal para desestimular o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas e o consequente combate a obesidade e redução dos gastos em saúde pública.

Nessa perspectiva, vimos que o consumo de tais alimentos tem relação com o aumento e prevalência da obesidade e outras doenças crônicas, bem como que tais doenças vêm acarretando graves prejuízos aos cofres públicos por gastos do Sistema Único de Saúde.

Percebe-se, por outro lado, que, embora haja diversos estudos e recomendações para adoção de medidas fiscais e regulatórias para enfrentar o problema, dentre elas a de aumentar em 20% o valor dos tributos incidentes sobre tais alimentos, o Brasil vem na contramão do mundo e vem oferecendo benefícios fiscais visando aumentar sua produção e consumo.

O mandamento constitucional de seletividade no IPI, enquanto técnica tributária mostra-se capaz de cumprir a função de aumentar o preço dos refrigerantes e outras bebidas açucaradas na tentativa de desestimular e reduzir o seu consumo e, consequentemente combater à obesidade e outras doenças crônicas. No entanto, essa medida como qualquer outra política pública não será efetiva se não houver a colaboração de todos os setores, como por exemplo, através de medidas regulatórias de marketing, pois talvez apenas o aumento da alíquota não fará com que a cultura de consumo de refrigerante e bebidas açucaradas perca força.


REFERÊNCIAS

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Nota

[1] o consumo “regular” foi considerado quando o morador referiu beber refrigerante ou sucos artificiais em pelo menos cinco dias da semana.

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente, pós-graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro. Membro da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Membro da Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Professor Orientador do Grupo de Pesquisa em Direito Militar da ASPRA/BA. Membro do Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais e da Editora Mente Aberta. Advogado contratado das Obras Sociais Irmã Dulce, com atuação em Direito Administrativo e Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira. Seletividade do IPI para desestímulo ao consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas e combate à obesidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6032, 6 jan. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77415. Acesso em: 22 nov. 2024.

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