RESUMO:A proposta deste artigo é a realização de estudo abordando os aspectos da colaboração premiada, especialmente no que concerne a existência de limites para a concessão de benefícios ao colaborador e as consequências jurídicas e práticas advindas da flexibilização do instituto, para, em seguida fazer uma análise crítica de três acordos de colaboração premiada firmados e homologados na operação “Lava-Jato” em que foram concedidos benefícios extralegais aos colaboradores.
Palavras-chave: Colaboração premiada; Delação Premiada; Limites; Benefícios.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa o estudo da Lei de Organizações Criminosas, especialmente no que diz respeito a Colaboração Premiada, seus benefícios, limites e princípios Constitucionais que a regem.
A importância do estudo se dá porque com o advento da Lei 12.580/13 o instituto da colaboração premiada surgiu como eficiente meio de obtenção de prova contra o crime organizado ao passo que permite a concessão de benefícios processuais penais previstos na lei a investigados, acusados ou condenados que cooperem com a investigação ou persecução penal.
Nesse sentido, a “Operação Lava Jato”, deflagrada em 2014 e considerada a maior investigação contra a corrupção e lavagem de dinheiro do Brasil, levou evidência ao instituto e ao país como referência legislativa no combate ao crime organizado. A notoriedade do instituto também trouxe evidências a acordos realizados entre o colaborador e o Ministério Público em que os benefícios negociados extrapolam os limites da Lei 12.580/13, razão pela qual se torna importante discutir a aplicação, os limites e a flexibilidade do instituto.
Busca-se, portanto, esclarecer qual é o limite no ajuste na busca de vantagens comuns entre as partes (Ministério Público, Polícia e colaborador) nos acordos de colaboração premiada, tida como um modelo de justiça negocial.
Pretende-se evidenciar com o trabalho que a discricionariedade dada ao Ministério Público e a autoridade policial para negociar livremente com o colaborador acabam por ferir princípios Constitucionais como o da legalidade, reserva legal e da separação dos poderes.
O presente artigo realizará ainda uma breve análise acerca de como vem se dando o controle do Judiciário quanto a excessos cometidos nos acordos bem como as consequências advindas de descumprimentos dos limites estabelecidos em Lei.
Portanto, e considerando a existência de acordos notórios que oferecem benefícios maiores dos que os previstos em Lei, o presente artigo visa analisar criticamente os excessos contidos nos acordos firmados por Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Pedro José Barusco Filho, todos investigados na operação lava jato e cujos acordos são públicos e foram disponibilizados na internet.
2 A COLABORAÇÃO PREMIADA COMO MODELO DE NEGÓCIO JURÍDICO
A colaboração premiada é considerada meio de obtenção de prova em que são dados benefícios ao investigado ou acusado que concorde em cooperar com a justiça. Para Bittar (2011, p. 5) a colaboração premiada é um “instituto de Direito Penal que garante ao investigado, indiciado ou condenado, um prêmio, redução podendo chegar até a liberação da pena, pela sua confissão e ajuda nos procedimentos persecutórios, prestada de forma voluntária (quer dizer, sem qualquer tipo de coação)”.
Apesar dos incentivos dados a suspeitos ou acusados em troca de cooperação ter recebido grande evidencia com a edição da Lei 12.580/13, a colaboração em troca de benefícios não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que não previsto na legislação pátria de forma expressa, acordos de colaboração premiada foram firmados entre o Ministério Público Federal no caso Banestado:
Tal caso teve início em 2001, quando se iniciaram as investigações acerca das remessas de cerca de US$ 30 bilhões (trinta bilhões de dólares) para contas do Banestado (Banco do Estado do Paraná) no exterior, realizadas através das chamadas contas CC-5, que permitem a transferência de dinheiro para fora do país. Foram apurados crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, corrupção, formação de quadrilha e tráfico de drogas com o envolvimento de doleiros e políticos.
O grande alcance da operação se deve, em grande parte, a confecção de mais de 20 (vinte) acordos de colaboração entre réus/investigados e o Ministério Público/polícia, ainda que não houvesse previsão legal para tanto. Foi a partir daí que a colaboração premiada passou a ser vista como importante instrumento de combate ao crime organizado (ROSA, 2018, p. 14).
Ainda, o próprio Código Penal brasileiro prevê em relação ao crime de extorsão mediante sequestro (art. 159) redução de pena de um a dois terços ao agente que cooperar no sentido de facilitar a libertação do sequestrado. Há previsão de benefícios também na Lei de lavagem de dinheiro (art.5º, §5º da Lei 9.163/98) bem como na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica (art. 16, Parágrafo único da Lei 8.137/90), dentre outras, no entanto, é a lei 12.580/13 o dispositivo mais detalhado e que contém as normas gerais sobre o instituto da colaboração premiada, utilizado nos acordos celebrados na Lava-Jato com o MPF (MATOS, 2019, p. 28).
Assim, considerando que a operação Lava-Jato baseia-se quase que fundamentalmente em acordos de colaboração premiada [1] previstos na Lei 12.580/13 como meio de desmantelar esquemas de corrupção que envolve não somente cifras milionárias, mas também pessoas de influência significativa no cenário nacional, o tema desperta olhares não só de juristas e acadêmicos, mas também da grande mídia e, consequentemente, de toda a população brasileira que enxerga no instituto um meio efetivo de combate à corrupção e ao crime organizado.
Assim, a colaboração premiada nasceu como um verdadeiro incentivo processual a investigados e acusados que colaborem com a justiça prestando relevantes informações sobre a organização criminosa da qual faz parte.
De acordo com Chemin (2017) “é um instrumento de dupla funcionalidade: serve tanto para ampliar o quadro probatório em investigações de delitos complexos, quanto como instrumento de defesa”.
Tal entendimento encontra respaldo no fato de que de um lado o instituto da colaboração premiada aumenta significativamente a possibilidade de desmantelamento de crimes de difícil investigação e, de outro, garante à defesa meios de barganhar e buscar a mitigação das sanções que sofreria em uma condenação criminal.
A colaboração premiada, portanto
(...) revela como perspectiva primordial, oferecer determinada premiação ao delator, ou seja, premiar o indivíduo que possa auxiliar a autoridade policial ou judiciária na elucidação de fatos que possam contribuir na obtenção da materialidade e autoria delitivas (ESSADO, 2013, p.207).
Sobre a natureza jurídica do contrato de colaboração premiada, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 127.483, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, julgado em 27 de agosto de 2015, definiu como sendo “negócio jurídico processual personalíssimo”, citando em seu voto, o Ministro, acerca da natureza eminentemente contratual ou negocial do contrato de colaboração.
No mesmo caminho o Ministro Edson Fachin detalhou em seu voto no julgamento do Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 35693, julgado em 06 de junho de 2019, que o acordo de colaboração premiada constitui negócio jurídico. Segundo ele, “trata-se de um negócio jurídico-processual personalíssimo e sua celebração é medida processual voluntária por essência”.
A colaboração premiada opera, portanto, como instituto de justiça negocial, onde se oferece benefícios aos investigados ou acusados pela prática de ilícitos em troca de cooperação com a justiça a fim de obter materialidade e autoria delitivas de outros crimes. É, nas palavras de Rosa (2018, p. 21), “um instituto no qual se dá ainda mais prioridade à expressão da vontade das partes”.
Nesse aspecto, como espécie de justiça negocial entre Ministério Público, polícia e cooperador, impera uma lógica de mercado onde o acusado tem informações relevantes que podem alcançar coautores da organização criminosa e pretende barganhar com o Estado em troca de benefícios, importa saber, ao acusado, o preço que o Estado está disposto a pagar por tais informações, visando obter, evidentemente, o maior número de benefícios constantes na Lei 12.580/13, ou seja, perdão judicial, redução de pena privativa de liberdade ou, ainda, substituição desta por pena restritiva de direitos (CHEMIM, 2017).
Assim, para Azevedo (2002, p.16):
A atividade que veicula o acordo de vontades previsto na colaboração premiada é negócio jurídico, dado que consiste em manifestação da vontade qualificada, a saber, em uma declaração de autonomia privada a que a lei atribuiu efeitos constitutivos de direito que foram manifestados e queridos, respeitados “os pressupostos de existência, validade e eficácia impostos pela norma jurídica que sobre ele incide”.
Acerca da negociação de benefícios a serem concedidos ao colaborador o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento na Medida Cautelar em Mandado de Segurança n. 34.831, de relatoria do Ministro Celso de Mello, em 05 de agosto de 2018, de que “a negociação é ampla em relação às penas, regimes e modo de cumprimento, podendo incluir imunidade e perdão judicial aos delatores e familiares”.
O fato é que no âmbito da operação lava-jato não é raro notar, inobstante a taxatividade da Lei 12.580/13 no que diz respeito aos benefícios possíveis em ser concedidos ao colaborador, descumprimento dos preceitos legais nos acordos firmados entre Ministério Público e o colaborador, muito fruto dessa liberdade negocial que também dá a sensação de uma manifestação ilegítima de poder ao membro do Ministério Público ou da Polícia ao criarem benefícios extralegais ao colaborador.
Isso ocorre, segundo Rosa (2018, p. 12) porque a colaboração premiada é um instituto que precisa de maior instrumentalização onde se estabeleçam limites claros de atuação de cada parte no acordo, ainda mais considerando que a participação do juiz nos acordos de colaboração premiada limita-se a homologar o acordo, certificando a voluntariedade, legalidade e regularidade, sem realizar juízo de valor ou mesmo adentrar no mérito das cláusulas estabelecidas entre as partes.
Acerca do papel exercido pelo juiz nos acordos de colaboração premiada, cabe esclarecer que o Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do Ministro Dias Toffoli no Habeas Corpus nº.127.483, julgado em 27 de agosto de 2015 se manifestou da seguinte forma:
A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador.
Assim, o instituto da delação premiada se baseia num processo penal consensual em que as partes negociam e barganham até que cheguem a um consenso de deveres e benefícios processuais que deveriam, em tese, estar adstritos aos limites da Lei 12.580/13, o que, no entanto, não vem ocorrendo na prática, uma vez que acordos notórios demonstram que benefícios extralegais vem sendo concedidos a colaboradores.
Como exposto anteriormente, justamente por existir, como premissa da colaboração premiada, a possibilidade negocial entre o Ministério Público, Autoridade Policial e o colaborador nos acordos firmados é que surgem casos notórios em que os limites previstos na lei são ultrapassados, razão pela qual o próximo capítulo se destina a tratar dos benefícios previstos na Lei 12.580/13 para, em seguida, analisar casos concretos em que a flexibilização das regras contidas na lei foram observados.
2.1. AS OBRIGAÇÕES E OS BENEFÍCIOS PREVISTOS NA LEI 12.580/13
Além da voluntariedade e a efetividade da colaboração, o artigo 4º da Lei 12.580/13 prevê que o acusado que coopera deve contribuir com a investigação policial ou com o processo penal de forma que a colaboração advenha um ou mais resultados previstos no artigo 4º da lei, ou seja, (a) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, (b) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, (c) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; (d) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; (e) a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Conforme destaca Matos, (2019, p. 29) “obviamente, a lei brasileira exige que o conteúdo das delações goze de verossimilhança e seja acompanhado de elementos probatórios”.
Necessário, ainda, nos termos do §1º do art. 4º, para que se conceda os benefícios previstos em lei, a análise a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstancias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso bem como a eficácia da colaboração.
Por outro lado, os benefícios previstos no caput do artigo 4º da Lei 12.580/13 permite ao colaborador obter o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos.
Cabem, ainda, os benefícios contidos nos incisos do art. 4º da Lei, que permitem ao Ministério Público que em razão da colaboração deixe de oferecer denúncia se o colaborador não for o líder da organização e se for o primeiro a prestar efetiva colaboração.
Há, ainda, a possibilidade de que a colaboração ocorra após a sentença, em que a pena pode ser reduzida até a metade e progressão de regime sem que ainda estejam presentes os requisitos para tal (Art. 5º, §4º), ou, ainda, cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados (Art. 5º, VI).
Necessário frisar que o artigo 5º da Lei prevê os direitos do colaborador, mas que de forma geral estão relacionados ao cumprimento de pena inerente ao crime imputado ao agente.
Após a colaboração do agente e a definição de seus benefícios, surge então a necessidade de instrumentalizar o acordo, a fim de resguardar tanto o colaborador quanto a autoridade encarregada do acordo.
Muito embora o artigo 6º da Lei 12.580/13 estabeleça o mínimo a conter conter no termo de acordo da colaboração premiada, não há na lei previsão sobre as etapas procedimentais a serem seguidas no acordo de colaboração premiada, razão pela qual, aliás, o Ministério Público Federal formulou a Orientação Conjunta n. 1/2018, que trata dos acordos de delação premiada, e traz diretrizes a serem observadas pelos Procuradores da República na elaboração e assinatura de acordo de colaboração premiada que, destaque-se, não se tratam de normas com vínculo legal, e sim, de mera orientação. (ROSA, 2018, p. 26).
Ainda como exemplo de etapas procedimentais a serem adotadas, Rosa (2018, p. 283-284) sugere um processo de acordo em onze etapas, iniciando por uma reunião preliminar, passando por assinatura de termo de confidencialidade, reuniões para colheita de depoimento, juntadas de provas documentais, apresentação de proposta de homologação, homologação do acordo e até uma possível revisão do acordo com inserção, exclusão e novas cláusulas.
Entretanto, em que pese a taxatividade da lei no que diz respeito aos benefícios a serem concedidos ao colaborador, parte significativa da doutrina, chancelada em muitos casos pelo Supremo Tribunal Federal vem conferindo novos desenhos sobre os limites e validade das cláusulas, especialmente sobre a concessão de benefícios diversos dos constantes em lei, pelo que se pretende, adiante, uma análise da extensão dos benefícios ao colaborador, ou seja, sobre a possibilidade de concessão de benefícios não previstos na Lei 12.580/13.
2.2 A (IN)EXISTÊNCIA DE LIMITES À CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS NOS ACORDOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA
O objetivo principal deste trabalho é verificar a posição doutrinária e jurisprudencial acerca de acordos que contém cláusulas com benefícios extralegais ao colaborador e, para tanto, é necessário discutir acerca da possibilidade de aplicação de benefícios não previstos na lei bem como as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca de eventuais excessos.
Nesse sentido, Rosa (2018, p. 76) destaca que a Lei 12.580/13 não impôs limites específicos às negociações bem como a delação premiada está inserida num contexto negocial regido pela autonomia privada, boa-fé objetiva, devido processo consensual, lealdade e eficiência.
Com base nesse preceito, autores como José Paulo Baltazar Junior defendem a possibilidade da concessão de benefícios além do disposto na Lei 12.850/13. Tal entendimento, segundo o autor, se sustenta pelo fato de que a lei especial derroga a lei geral (Código Penal e Código de Processo Penal) e, portanto, a Lei das Organizações Criminosas seria a lei especial, e seus dispositivos deveriam ser aplicados em detrimento dos demais, mesmo aos constantes na Lei de Drogas e da Lei de Lavagem de Dinheiro, sempre que o caso tratar de organização criminosa (BALTAZAR JUNIOR apud ROSA, 2018, p. 76).
O autor ainda destaca que “mais que isso, os dispositivos processuais, que regulam o rito da colaboração, poderiam ser aplicados, por analogia, mesmo a caso outros, que não envolvam organizações criminosas”.
Esse ponto de vista também é defendido Mendonça, afirmando que
[...] os benefícios previstos em lei de colaboração anteriores à Lei 12.580 são passíveis de utilização, dentro do microssistema de colaboração premiada. Assim como essas outras leis podem se valer do procedimento da Lei 12.580, no tocante à colaboração premiada, é possível a utilização daqueles benefícios materiais por analogia. (MENDONÇA, 2017 apud ROSA, 2016, p. 46)
Assim, para o autor são possíveis os benefícios concedidos além do previsto na Lei 12.580, eis que os acordos se regem pelo processo penal consensual e que, portanto, a interpretação do princípio da legalidade deve ser menos rígida do que no processo tradicional.
Rosa (2018, p. 100) entende que as normas constitutivas da colaboração, tais quais a jurisdição, órgãos, linhas gerais, dentre outros, não podem ser renunciadas porquanto não são privilégios dos contratantes, enquanto as normas que regulam o processo, procedimento, direitos subjetivos vinculados à assunção da culpa autorizam que os contratantes disponham da vontade para obtenção de consenso. Para o autor, “as cláusulas de disponibilidade inserem mecanismos de barganha e negociação ampliados, tanto sobre o conteúdo da imputação como sobre os efeitos (penas, regimes, etc.) das sanções”.
Esclareça-se que para referidos autores não se defende uma liberdade incondicional na elaboração de acordos com cláusulas extralegais e sim, que a concessão de prêmios sejam adequados ao caso concreto, à condição do colaborador e de que sejam mais benéficas ao colaborador do que as previstas em lei.
Por outro lado Nucci (2017) faz uma análise crítica de acordos com condições de benefícios extralegais afirmando que essa flexibilização faz com que acordos valham mais que normas editadas pelo Parlamento na área Penal e que, por mais que se trate de uma espécie de justiça negocial, não se cuida apenas de interesses meramente privados e disponíveis.
Bottino (2016, p. 14) também tece críticas a acordos com cláusulas de benefícios que extrapolam o disposto na Lei 12.580:
(...) a colaboração premiada, da forma como tem sido utilizada na conhecida operação lava-jato, oferece benefícios muito maiores do que aqueles previstos em lei, desiquilibrando o sistema de dissuasão para cooperações falsas ou redundantes.
Ainda para o autor, “juízes deveriam, no ato de homologação atentar para essas inconformidades legais e suas possíveis consequências, para assegurar a plena eficácia do instituto”.
O autor justifica ainda sua posição argumentando que as hipóteses existentes na Lei 12.580 são taxativas e não exemplificativas, acreditando, ainda, que o desequilíbrio em estender os incentivos à cooperação ampliam os riscos de cooperações falsas ou redundantes, uma vez que “se é certo que tudo aquilo que a lei não proíbe é lícito ao individuo realizar, também é certo que os agentes públicos só podem atuar nos limites que a lei a estabeleceu”.
Canotilho e Brandão (2016, p. 30) firmam também o entendimento de que todos os benefícios constantes na Lei estão rigorosamente subordinados ao disposto no princípio da legalidade criminal e esclarecem:
Nisto vai implicada a taxatividade do catálogo legal dos benefícios que poderão ser atribuídos ao colaborador: vantagens que não se encontrem legalmente previstas não podem ser prometidas ou concedidas. Não se divisando no regime legal qualquer lacuna que careça de integração, será ainda inaceitável outorga de privilégios extralegais com base em argumentos de identidade ou maioria de razão ou em analogia (CANOTILHO; BRANDÃO, 2016, p.30)
Desta feita nota-se que há entendimentos doutrinários acerca da possibilidade em se conceder benefícios extralegais nos acordos de delação premiada, baseados em premissas de que a Lei de Organização Criminosa não proíba expressamente tal prática, que lei especial derroga a lei geral e, portanto, seus dispositivos devem ser aplicados em detrimento aos demais e, ainda, que por ser espécie de negócio jurídico, a flexibilidade em contratar é naturalmente maior.
Por outro lado há os que defendem a aplicação taxativa do art. 4º da Lei 12.580/13 por entender que a flexibilização do instituto é contraproducente por potencializar os riscos de cooperações falsas ou redundantes.
O fato é que Supremo Tribunal Federal vem homologando os acordos de delação premiada com a existência cláusulas com benefícios que a Lei 12.580 não prevê, razão pela qual a corrente contrária a esse entendimento deve ser superada.
Nesse sentido, o STF concluiu quando do julgamento do HC 127.483/PR que “as tratativas e a celebração da avença são mantidas exclusivamente entre o Ministério Público e o pretenso colaborador” e que “o Poder Judiciário é convocado ao final dos atos negociais apenas para aferir os requisitos legais de existência e validade, com a indispensável homologação”.
Cite-se, ainda, o entendimento exposto pelo Ministro Luís Roberto Barroso na Questão de Ordem na Petição nº 7.074/DF, muito utilizado como sustentação jurisprudencial pelo Ministério Público em acordos de colaboração em que se observa a existência de cláusulas extralegais de benefícios:
Portanto é possível prever o que já esteja de antemão escrito na lei, mas também é possível se estabelecerem condições razoáveis e legítimas, independentemente de elas estarem expressamente previstas na lei, evidentemente, desde que elas: I) não sejam vedadas pelo ordenamento jurídico; II) não agravem a situação do colaborador.
Portanto, não é possível, mediante pacto em acordo de colaboração premiada, punir-se o colaborador com sanção mais grave do que aquela que o direito penal posto admitiria, isso me parece fora de dúvida.
Mas fora essas duas situações - uma sanção vedada, ou totalmente contra a ordem pública, ou uma sanção que agrave a situação do colaborador em relação ao direito vigente -, eu acho que tudo o mais que tenha razoabilidade, que não seja absurdo, pode, sim, a meu ver, ser negociado, mesmo que não esteja previsto em lei, porque isso é da natureza das relações negociais.
Aqui - e eu gostaria de enfatizar isso -, o princípio da reserva legal em matéria penal é instituído, antes e acima de tudo, em favor do acusado, em favor do réu. Ele é uma garantia individual, uma proteção para o acusado.
Portanto, a sanção negociada, mais favorável e homologada pelo juízo, parece-me perfeitamente legítima. E por qual razão? É que, se a lei permite o não oferecimento da denúncia, se a lei permite a concessão de perdão judicial, isto é, permite que se isente o colaborador da imposição de qualquer pena, a meu ver, é intuitivo que se admita o estabelecimento de condições outras, que não resultem na total liberação do colaborador.
Simplesmente porque quem pode o mais - não oferecer denúncia ou negociar o perdão judicial - pode perfeitamente negociar uma sanção mais branda do que a que consta da textualidade da lei.
Em síntese, o fundamento dominante [2] no Supremo Tribunal Federal é que se a Lei 12.580 admite até mesmo perdão judicial, o mais extremo dos benefícios, pode-se mitigar a taxatividade da Lei para que sejam concedidos benefícios menores e não previstos, como nos casos que serão analisados adiante.