2.Abordagem legal e relevância probatória
2.1. Princípios Constitucionais afetados e adequação democrática da delação ao processo penal de cunho acusatório.
No sistema processual em vigor no Brasil, não é possível tornar eficaz o denominado «combate» à corrupção, como desejado por muitos. Em verdade, o processo penal, deve-se deixar evidente, não foi criado com tal finalidade[52]. Deveras «o combate à corrupção tem-se demonstrado, desde este ponto de vista, uma farsa. Incute, quem sabe, um tanto de medo, mas não resolve o problema e, sendo assim, ajuda a esgarçar o tecido das instituições democráticas». Isso porque, impossível deixar de observar que os meios de comunicação, são potenciais influenciadores de ódio, sendo que nesse contexto o país se distancia do contexto democrático, ao qual é preciso manter de todas as formas, mesmo porque no seu oposto está à guerra, e ela não pode ser desejada por ninguém[53].
Em face de um sistema de posições jurídicas de um Estado, os direitos fundamentais, podem ser classificados como direitos de defesa e direito de prestação. Os direitos de defesa são reconhecidos por ações negativas adotadas pelo Estado, ao passo que ideologicamente as pessoas devem ser preservadas por meio de tolerância e sem atuação indevida, nos direitos de prestação o Estado se vê atuando positivamente em relação à promoção de direitos econômicos, sociais e culturais[54].
A presunção de inocência está consagrada de maneira expressa no ordenamento jurídico pátrio, no artigo 5º LVII[55], da CRFB/1988, revelando-se uma regra norteadora do Processo Penal, senso que o nível de eficácia de um processo penal pode ser constatado de acordo com o comprometimento de satisfação de referida regra[56].
O princípio constitucional de elevada relevância, ao passo que fornece a garantia de que será preservado o estado de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória, o que implica em diversas conseqüências seja no tratamento da parte passiva, na carga da prova, por parte da acusação, ou na obrigatoriedade de que a verificação do delito, e a aplicação da reprimenda, serão fornecidas por meio de um processo com todas as garantias e com o fornecimento de uma sentença fundamentada, ou seja, co, a esperada motivação como meio de controle da racionalidade[57].
O contraditório e ampla defesa, por sua vez e, enquanto direito a ser garantido ao acusado de ter conhecimento pleno dos atos processos participando efetivamente de todos. Consistente na ciência irrestrita da acusação, a prerrogativa de saber tanto o que está acontecendo quanto quais atos processuais serão adotados[58].
Mesmo porque, não é aceitável que haja sigilo de procedimentos para a defesa, em estrita atenção à preservação do contraditório. Mencionado preceito, implica, pois na preservação de direito constitucionalmente assegurado no artigo 5º, LV, da CRFB/1988: «Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes»[59].
Eis que, os princípios constitucionais eventualmente atingidos com a adoção da delação premiada, correspondem aqueles insertos na Constituição da República de 1988, os quais visam assegurar o curso do processo penal democrático com todas as garantias individuais e direito de defesa preservados, seja ao indiciado na fase do inquérito policial, seja o acusado já durante o processo penal[60].
Nessa monta, a aceitação da delação premiada como forma de obtenção de meio de prova, não pode perder de vista, em especial no contexto do direito penal brasileiro os princípios da presunção de inocência no artigo 5º LVII, da CRFB/1988, do contraditório e ampla defesa, inserto no artigo 5º, LV, da CRFB/1988, os quais primam pela regularidade processual penal na ordem democrática e, em especial atenção ao processo acusatório em vigência no Brasil[61].
Cita-se que para João Pedro Barreto[62], o artigo 4 §2°[63], da Lei 12.850/2013, apresenta notória inconstitucionalidade, uma vez que ao ser a colaboração premiada entendida como meio de prova, inevitavelmente confere à autoridade policial o papel de sujeito processual.
Cabe trazer ainda o entendimento no sentido de que «Outra inconstitucionalidade manifesta na referida legislação é a consagrada no art. 4. §14°[64], da Lei 12. 850/2013, em que o Colaborador deve ser réu e, sendo réu, goza de direito ao silêncio disposto no art. 5, LXIII[65], da Constituição Federal.»[66]
Em verdade o direito ao silêncio constitucionalmente garantido, além de conferir ao acusado o silêncio e até mesmo que deixe de falar a verdade seja no curso de toda a investigação, seja perante o juízo, não permite que o acusado se forçado a produzir prova contra si próprio.[67]
Pelo dito, é conferido ao direito do silêncio o entendimento de extensão ao direito de defesa previsto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal. Isso porque, no contexto do Estado democrático de direito, a presunção de inocência é assegurada, uma vez que até o trânsito em julgado da sentença de natureza penal condenatória a inocência é auferida, nos moldes do artigo 5º, LVII da Constituição Federal, assim como presente em vários tratados internacionais em que o Brasil é signatário[68].
São nestes termos que implicam da analise da inconstitucionalidade da utilização da delação premiada, em face dos princípios constitucionais relacionados ao processo penal democrático, os quais são compreendidos em uma análise relacional neste material. O próximo e último item deste capítulo pretexta por incluir a figura da recepção processual atual e do projeto de Lei 156/2009 no contexto processual do Brasil, nas considerações que até aqui foram tecidas.
PLS 156/2009 – Reforma do Código de Processo Penal brasileiro: Tratamento dispensado à delação e possíveis impactos.
No que concerne ao tratamento dispensado no PSL156/2009, condizente com a reforma do Código de Processo Penal, que fatalmente implicará no tema relacionado à delação premiada, em especial sobre as provas, cabe frisar que o projeto em questão tinha em texto a previsão de que «as declarações do coautor ou participe na mesma infração penal só terão valor se confirmadas por outros elementos de prova colhidos em juízo que atestem sua credibilidade[69]» (artigo 168, § 2º)[70].
Pela locução pode-se concluir que o legislador dispensou atenção tão somente para a colaboração que toca ao imputado, utilizando suas declarações e as considerando em si mesmas, o que tem significativa proximidade com a lógica de meio de prova, em paridade com o interrogatório[71].
Diante do teor do projeto em tramitação tem-se que «ao tratar dos indícios, o Código projetado afirma que a existência de um fato não pode se inferida de indícios, salvo quando forem graves, precisos e concordantes (art. 168, § 1º). Ora, tal projeção serve de critério para ponderar sobre as declarações do imputado, caminhando para a necessidade de, na fase valorativa, verificá-las em conjunto com os demais elementos de prova, buscando a concordância probatória»[72].
Contudo, é de se destacar que mencionado projeto deixa de prescrever acerca do procedimento probatório típico relacionado às declarações do imputado, situação que merece importante análise, uma vez que indispensável observar a legalidade probatória em se tratando de declarações do imputado[73].
No mesmo norte cabe mencionar o PL 6. 578/2009 e PLS 150/2006, os quais respectivamente dispõem sobre as organizações criminosas, assim como os meios de obtenção de prova, o procedimento criminal, bem como outras providencias. O inserto no projeto expõe acerca da possibilidade da utilização da colaboração premiada como meio de obtenção de prova, em qualquer fase da persecução penal (artigo 3.º, I).[74]
Na sequencia, em titulo próprio, aborda o procedimento relacionado à colaboração premiada, que resumidamente apresenta os requisitos da colaboração, ou seja, no artigo 4º., sendo os direitos do colaborador insertos no artigo 5º., a orientação sobre o termo de acordo a ser firmado entre o Órgão Ministerial e o colaborador no artigo 7º e, os aspectos relacionados ao procedimento no artigo 8º [75].
Tiago Cintra Essado, acerca do teor probatório prescrito no do PL 6.578/2009 assevera que «o texto projetado também inova, de forma positiva, ao dispor sobre o procedimento probatório, o que, sem entrar no mérito do pretendido, já denota preocupação legislativa de instituto com reflexo no campo das provas, sem dispo minimamente sobre o procedimento probatório»[76]
Pelo visto, mencionado projeto de lei oferece margem de favorecimento à concessão de benefícios de direito material, tais como o perdão judicial, a redução da pena ou substituição da pena privativa de liberdade por alguma modalidade de restritiva de direitos ao imputado que decidir colaborar de forma voluntaria com o andamento das investigações e processo criminal[77].
Nesse diapasão, para que haja a possibilitarão de benefícios inerentes à colaboração, o texto legal exige que «desde que dessa colaboração resulte em: identificação dos demais coautores e participantes da organização criminosa e das infrações por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a localização da eventual vitima com a sua integridade física preservada» (art. 4.º, caput, I a V)[78].
O princípio da oportunidade regrada é posto em efetividade, ao passo que possibilita ao Ministério Público a faculdade de não oferecer a denúncia em relação ao colaborador que não for o líder da organização criminosa ou que for efetivamente o primeiro a aceitar a colaboração. (§ 4.º do art. 4º). Eis que o texto do projeto também possibilita a ocorrência da colaboração em momento posterior à sentença, sendo indiferente o fato de estar ou não a cumprindo pena, circunstancia em que possibilitará a redução de até a metade ou até mesmo a progressão de regime. (§ 5.º do art. 4.º)[79]
Por fim, é de se mencionar que o projeto forneceu atenção especial ao papel desempenhado pelas partes no processo penal, uma vez que possibilita a realização de negociações e efetivação do acordo, situação que confere ao magistrado no segundo momento a tarefa de observar a regularidade, legalidade e voluntariedade do mesmo, sendo-lhe facultado, ainda, sob o manto do sigilo, ouvir o colaborador, na presença de seu defensor (§ 7.º do art. 4º). Ao final, o projeto, ainda, torna explicita a impossibilidade de chegar até uma sentença de natureza condenatória, com fundamentação exclusiva na declarações fornecidas pelo colaborador. (§ 16 do art. 4º)
No contexto do processo penal brasileiro, em especial no que tange à adequação da utilização do instituto da delação premiada, na ótica da reforma do Código de Processo Penal, resta evidente a intenção de adequação ao sistema processual acusatório em vigor, o qual busca conferir validade constitucional a toda produção de prova, no caso em vértice no que se refere às declarações prestadas pelo colaborador[80].
A confissão, por sua vez tem destaque em relação à religião que, inevitavelmente contribuiu na construção do interrogatório, em razão da substituição da figura do Padre pelo Juiz no imaginário da coletividade, uma vez que invariavelmente o acusado necessitava proceder à confissão, para alcançar a libertação. Assim é que visivelmente a figura da confissão ingressou no processo penal sob a influência da doutrina cristã com o reconhecimento de rainha das provas, sendo que, por meio dela o acusado enquanto criminoso e pecador obtinha a reconciliação com Deus[81].
No que diz respeito ao interrogatório, mencionasse a necessidade de apresentação dos fatos de maneira plausível e revestida de coerência, isso porque a versão apresentada requer correlação com todo o contexto dos autos. Cabe ainda mencionar que durante a inquisição, o emprego de tortura era utilizado em busca da confissão, sendo que referidos efeitos ainda são percebidos no denominado mapa mental de vários julgadores da atualidade, geralmente daqueles que insistem em buscar a verdade real. O julgador com traços de inquisidor acreditava ser orientado pela fé em Deus na própria razão, que invariavelmente tem o idêntico posto.[82]
Atualmente, o anteprojeto de lei de reforma do Código de Processo Penal, ou seja, o Projeto nº 156/09-PLS, revelou necessária reflexão sob a ótica constitucional, sendo a adoção do sistema de cunho acusatório o que melhor se adequou à referidas questões.
Criou-se verdadeiro câmbio epistemológico sem precedentes no país, uma vez a expectativa de aprovação de debatido projeto reconhecerá um Sistema processual notadamente Misto e, deste modo, à base do Sistema Acusatório se agregará elementos oriundos do Sistema Inquisitório, ainda que em menor escala. Mas o sistema de regência inquestionavelmente será o acusatório, o que revela expectativas promissoras de ordem processual para a democracia.[83]
Nesse pensar, no que diz respeito ao posicionamento das partes no texto do projeto 156/09-PLS, nitidamente sua essência busca tornar possível a aplicação das regras constitucionais no curso do processo penal, a partir do Sistema Acusatório. Evidentemente o processo de matriz acusatória permite a efetivação de direitos e garantias individuais, e, em especial na seara penal, deixa evidente a impropriedade de excessos, tal como orienta o artigo 5º da Constituição de 1988[84].
A ideologia acusatória faz com que os julgadores tenham consciência do papel de extrema relevância que a Constituição lhes atribuiu: a atuação como garante. Isso porque, aos juízes cabe a função de garantir a ordem em vigor, observando cada cidadão em sua individualidade. Assim, a ordem em vigor, não é passível de questionamentos, pois não existe direito coletivo mais importante do que os direitos fundamentais de cada cidadão[85].
O Ministério Público, no teor do projeto em voga, igualmente assumirá a posição que lhe é destinada pela Constituição de 1988, mais considerável do que aquele oriundo do Sistema Inquisitório, visto que em determinados momentos «secundário», em outras palavras “coadjuvantes” e, em permanente atrito com a Constituição de 1988[86].
A defesa passa a exercitar a autodefesa e defesa técnica, da forma como previsto nos mecanismos legais, uma vez que cada ator processual terá consciência e domínio do lugar ocupado[87].
Diante do observado cabe deixar claro que «O Sistema Acusatório não é e nunca foi sinônimo da impunidade, algo, por sinal, por que se reclama tanto do sistema atual. Trata-se – isso sim – de um sistema que realça o papel das partes – a começar por aquele do juiz – não só por compatibilizá-los com os ditames constitucionais, mas, sobretudo, em razão de permitir que se caminhe na direção de uma maior democracia processual[88]».
Nessa matriz o princípio republicano, da isonomia, do devido processo legal, bem como o princípio da fundamentação de todas as decisões judiciais dentre todos os outros, integram verdadeiro sistema onde não existe brecha para a permanência da coexistência com o Sistema Inquisitório. Justamente sendo o Sistema Acusatório, escolhido pela Comissão que elaborou o anteprojeto de lei de reforma global do Código de Processo Penal[89].
O prescrito no Projeto nº 156/09- PLS, em seu artigo 4º, o qual dispõe «Art. 4º - O processo terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação».[90] Em face do exposto, de inevitável constatação o re conhecimento de que o anteprojeto nº 156/09-PLS – expôs nítida intenção de natureza democrática, capitaneado pelo Ministro Hamilton Carvalhido, Coordenador da Comissão e responsável pela criação referenciada. Assim como o trabalho do Professor Doutor Eugênio Pacelli de Oliveira, responsável por expressiva parte da exposição de motivos[91].
Diante do observado, resta evidente que o Sistema Acusatório pode ser compreendido como reflexo do processo penal moderno, em face do atual mecanismo composto pelo social e político do Estado. Isso porque, garante tanto a imparcialidade quanto a serenidade psicológica do julgador que proferirá a sentença, o que assegura o tratamento digno e respeitoso para com o acusado, que ao deixar de ser visto como um simples objeto passa a ser visto na posição de parte passiva no enredo do processo penal[92].
2.3. Lei n. 12.850, de 02 de agosto de 2013: Abordagem e relevância atribuída à Organização criminosa e delação premiada.
Embora existam normas que tratem de crimes de organização criminosa há muito tempo na legislação brasileira, este tratamento se dava de forma superficial e, por tal razão, a edição da Lei n.º 12.580, de 02 de agosto de 2013 trouxe mais segurança e efetividade a órgãos e instituições encarregadas do combate ao crime organizado no Brasil.
Isso porque com a edição da Lei que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal e trata, ainda, da delação premiada, os órgãos de investigação judiciária passam a ter garantias da legalidade na investigação de forma a poder formar um conjunto probatório processual sólido e robusto. A lei define ainda as autoridades encarregadas (Delegado de Polícia e o Ministério Público) da negociação com o delator.
Enfim, embora seja necessário ressaltar que no presente relatório nos debruçaremos com maior ênfase sobre os aspectos relevantes da Lei atribuídos às organizações criminosas e à delação premiada, é de se destacar que a Lei 12.850 define de forma objetiva não somente a organização criminosa, mas também a forma pela qual se deve dar a investigação policial, a obtenção da prova, a delação premiada, a infiltração de agentes, bem como acesso a dados que proporcionam aos órgãos encarregados da investigação segurança jurídica no combate ao crime organizado[93].
O Capítulo I[94] da lei 12.850 trata especificamente da organização criminosa, definindo-a e caracterizando-a, e, ainda, estabelecendo as infrações penais que levam a caracterizar determinado grupo a ser considerado membro de organização criminosa.
É imprescindível destacar que não houve, contudo, a derrogação do art. 288 do Código Penal brasileiro, que dispõe sobre a associação de três ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes, eis que a disposição da nova Lei é mais abrangente e se aplica a crimes de natureza grave com a participação de quatro ou mais pessoas que operam de forma organizada e integrada, com vínculo subjetivo para obtenção do fim criminoso almejado, com a divisão de tarefas, ainda que informalmente e hierarquia de comando[95].
Assim, portanto, é requisito essencial para a caracterização de organização criminosa a participação de pelo menos quatro pessoas operando de forma organizada e integrada com o intento de obtenção de fim criminoso havendo, para tanto, divisão de tarefas com a disposição de hierarquia entre seus membros ou mesmo que se dê tudo de maneira informal.
Na sequencia a Lei 12.850 passa a tratar da investigação e dos meios de obtenção de prova que visam o desmantelamento de organizações criminosas. Tal previsão normativa é considerada por muitos como um grande avanço ao tempo que prevê, além dos meios já conhecidos de investigação, a utilização de tecnologias, a união das instituições e órgãos investigativos nas esferas federal, estadual e municipal[96].
Passemos, portanto, à análise da colaboração premiada disposta no art. 4.º da Lei 12.580 como um dos principais meios[97] de repreensão ao crime organizado, já que tido como instrumento controverso pela doutrina na obtenção de provas, mas de inegável sucesso na repreensão do crime.
Entende-se que os benefícios da delação premiada – que serão expostos adiante – podem ser requeridos não somente pelo criminoso interessado no desmantelamento da organização criminosa, mas também pelo representante legal do criminoso que deseja colaborar e, ainda, pela autoridade policial e pelo representante do Ministério Público, considerando o interesse na investigação e elucidação dos fatos criminosos[98].
Nesse sentido o art. 4.º da Lei 12.580[99] estabelece que «o juiz poderá a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritivas de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal».
Para que goze de tais benefícios o artigo 4.º prevê ainda que da colaboração deve advir um ou mais dos seguintes resultados: «a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada» e os benefícios mencionados serão concedidos levando em conta, ainda segundo a lei, «a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração».
De se destacar que os primeiros atos da delação e, ainda, segundo o disposto no parágrafo 6.º, do artigo 4.º da Lei nº 12.850/13, o juiz não participa das negociações entre delator e a autoridade policial ou o Ministério Público uma vez que a própria lei outorga a esses órgãos o “poder” de negociar os termos de eventual acordo de acordo com o delator de acordo com a relevância das informações pautadas nos incisos I a V do art. 4.º.
Tornam-se, portanto, tanto o Ministério Público como a autoridade policial «senhores do processo» e nesse sentido há entendimento doutrinário contrário a essa discricionariedade outorgada ao delegado de polícia ou ao representante do Ministério Público, eis que na visão de Junior Apud Carvalho e Coutinho[100] «o primeiro pilar da função garantista do direto penal e processual é o monopólio legal e jurisdicional da violência repressiva. A justiça negociada viola desde logo esse primeiro pressuposto fundamental pois (...) não passa mais pelo controle jurisdicional e tampouco submete-se aos limites da legalidade, senão que esta nas mãos do Ministério Público e submetido à sua discricionariedade».
Tendo sido proposta e consequentemente aceito o acordo é necessário, nos termos do parágrafo 7.º do art. 4.º homologação judicial tanto da delação quanto do acordo, que aferirá a regularidade e voluntariedade do acordo podendo o juiz, inclusive, ouvir sigilosamente o delator, ou colaborador, acompanhado de seu defensor[101].
O juiz pode ainda recusar homologação à proposta de acordo (§ 8.º do art. 4.º da Lei 12.850) ou adequá-la ao caso concreto.
Ainda, o artigo 5.º da Lei 12.850 garante os direitos do colaborador[102] e nesse contexto, o art. 19 da mesma lei prevê a penalização daquele que imputa falsamente, com o objetivo de obter benefícios com a colaboração, atos ou fatos a terceiros, cuja redação do mencionado artigo diz que «imputar falsamente, sob pretexto de colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas» é crime com previsão de reclusão de 1 a 4 anos.