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Gestação e maternidade no sistema prisional.

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Agenda 25/02/2023 às 10:00

4. O cumprimento da pena de mães e gestantes

4.1. Na perspectiva teórica

Atualmente no ordenamento jurídico há diversas previsões legais a respeito do cumprimento da pena, e ao decorrer do tempo mais especificidades são regulamentadas, contudo, ainda não existe uma legislação própria que abarque o cumprimento da pena de mães, gestantes e mulheres em estado puerperal, logo, torna-se necessário analisar os raros e característicos dispositivos esparsos nas legislações.

4.1.1 Previsão na Constituição da República

A CRF/88 estabelece no artigo 5°, XLV[43]que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Significa dizer que a pena deve ser cumprida somente por aquele que o cometeu o crime, não podendo ultrapassar a pessoa deste. O inciso XLVIII[44]prevê que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”, sendo assim, o Estado deve garantir a existência dos tipos de estabelecimentos previstos em lei, e estudos no capítulo anterior para que na hora de ser levada reclusa a mulher tenha o local adequado para cumprir sua sanção. O inciso XLIX[45] é extremamente importante pois estabelece que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. ” Tal previsão impõe que a presa deve conservar sua dignidade ao cumprir sua pena, não podendo ser submetida a falta de condições integras.

O artigo 5°, L[46], é voltado especialmente paras as lactantes e determina que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. É explicito que o Estado deve trabalhar para que a mães possam amamentar seus filhos, garantindo não só o direito da mulher, mas inclusive da criança. Pode-se de perceber ligação com o já visto inciso XLV, uma vez que a criança que perde o direito de amamentar por falta de condições do cumprimento da pena de sua mãe, cumpre indiretamente a pena desta.

4.1.2 Previsão no Código Penal

O Código Penal no artigo 37[47] leciona que “as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste Capítulo. ” Trata-se de uma reafirmação do artigo 5°, XLVIII, CF/88, visto que estabelece que deve ser observada a condição de mulher e a também a condição que ela se encontra para poder cumprir a pena. Sendo assim, seria necessário considerar se a mulher é gestante ou lactante para que nenhum direito seja violado.

4.1.3 Previsão na Lei 7219/84 – Lei de Execução Penal - LEP

O artigo 3° indica que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”, isso posto quer dizer que a mulher reclusa perde seu direito à liberdade, contudo, os demais prevalecem, afinal, “estão, por lei, privadas do direito à liberdade, não da maternidade”[48].

Em continuidade o artigo 10° e seguintes determinam que:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - Material;

II - À saúde;

III – Jurídica;

IV - Educacional;

V - Social;

VI - Religiosa.

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Interpretando de forma conjunta, o Estado tem o dever de fornecer assistência (social, material e a saúde) de todos os reclusos, observando suas condições pessoais.

Face o exposto, é extremamente importante voltar a atenção para as mulheres gestantes e lactantes, visto que precisam de acompanhamento mensalmente com médicos especializados, atendimentos psicológicos, e em alguns casos individuais de fisioterapeutas. Essas mulheres, por suas condições mais sensíveis também precisam de mais itens de limpeza e higiene, que inclusive contribuem para boa manutenção da saúde. E assim prevê o artigo 14 §3°: “Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. ”

Nesse sentido determina o artigo 23 que:

Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:

I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames;

II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido;

Uma interpretação extensiva e voltada ao assunto desta pesquisa seria de que o serviço de assistência social deve ter conhecimento das consultas médicas, exames e respectivos resultados das apenadas para que observe tais fatores, podendo assim propor políticas que considere a particularidade da presa ao impor o cumprimento da sanção.

Incluído posteriormente a Lei de Execução Penal os parágrafos do artigo 82 prescreve que:

Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.

§ 2o Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009)

§ 3o Os estabelecimentos de que trata o § 2o deste artigo deverão possuir, exclusivamente, agentes do sexo feminino na segurança de suas dependências internas. (Incluído pela Lei nº 12.121, de 2009).

Tal previsão faz-se imprescindível, pois uma vez que a criança nasce de uma mãe que está reclusa precisa ser assegurado o direito de mãe e filho de possuírem um convívio mínimo e digno. Á vista disso, é preciso considerar as recomendações do Ministério da Saúde a respeito da amamentação já que esta é de suma importância para um desenvolvimento saudável do bebê.

Nesse sentido, traz o artigo 89 a seguinte disposição:

Art. 89. Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa. (Redação dada pela Lei nº 11.942, de 2009)

Parágrafo único. São requisitos básicos da seção e da creche referidas neste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)

I – Atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas; e (Incluído pela Lei nº 11.942, de 2009)

II – Horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à sua responsável.

Tal artigo corrobora o que já foi dito sobre a importância de um local adequado para a gestante e lactante e ainda introduz a adoção da creche para recolher as crianças que necessitam de tal amparo, contudo deixou a lacuna do tempo que essas crianças podem permanecer no local.

4.1.4 Previsão na Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

O ECA, protege os direitos da criança e do adolescente preocupando com estes desde o momento em que estão sendo gerados, e para isso assegura os direitos das gestantes. Tal regulamentação pode ser vista nos consecutivos artigos:

Art. 8°. É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde

§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

§ 5º A assistência referida no § 4 o deste artigo deverá ser prestada também a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como a gestantes e mães que se encontrem em situação de privação de liberdade.

§ 7º A gestante deverá receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o desenvolvimento integral da criança.

§ 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança.

Percebe-se o cuidado na previsão do tratamento das gestantes e puérperas, pois depende desta para o pleno desenvolvimento da criança.

O Art. 9º, ratifica o que já foi dito em relação ao local adequado para amamentação da criança: “O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade”.

Para finalizar, mas fugindo o foco principal deste estudo, o artigo 10° prescreve que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”. Tem-se aqui a compreensão de que a criança que permanece com a mãe no sistema prisional deve ter seus direitos conservados, de fato que não seja visto como aquele que também esteja cumprindo a pena.

4.1.5 Previsão no Manual Técnico do pré-natal e puerpério – Diretriz do Ministério da Saúde

Segundo o referido manual (p. 9/10) “a atenção obstétrica e neonatal deve ter como características essenciais a qualidade e a humanização. É dever dos serviços e profissionais de saúde acolher com dignidade a mulher e o recém-nascido, enfocando-os como sujeitos de direitos. ”

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Tal dispositivo, assim como os demais já abordados no capítulo, reafirma o direito de uma gestação e consequentemente um estado puerperal digno, e para isso estabelece as seguintes recomendações (p. 11)[49]:

1. Captação precoce das gestantes com realização da primeira consulta de pré-natal até 120 dias da gestação;

2. Realização de, no mínimo, seis consultas de pré-natal, sendo, preferencialmente, uma no primeiro trimestre, duas no segundo trimestre e três no terceiro trimestre da gestação;

3. Desenvolvimento das seguintes atividades ou procedimentos durante a atenção pré-natal:

3.1 Escuta ativa da mulher e de seus (suas) acompanhantes, esclarecendo dúvidas e informando sobre o que vai ser feito durante a consulta e as condutas a serem adotadas;

3.2 Atividades educativas a serem realizadas em grupo ou individualmente, com linguagem clara e compreensível, proporcionando respostas às indagações da mulher ou da família e as informações necessárias;

3.3 Estímulo ao parto normal e resgate do parto como ato fisiológico;

3.4 Anamnese e exame clínico-obstétrico da gestante;

3.5 Exames laboratoriais:

3.6 Imunização antitetânica: aplicação de vacina dupla tipo adulto até a dose imunizante (segunda) do esquema recomendado ou dose de reforço em gestantes com esquema vacinal completo há mais de 5 anos;

3.7 Avaliação do estado nutricional da gestante e monitoramento por meio do SISVAN;

3.8 Prevenção e tratamento dos distúrbios nutricionais;

3.9 Prevenção ou diagnóstico precoce do câncer de colo uterino e de mama;

3.10 Tratamento das intercorrências da gestação;

3.11 Classificação de risco gestacional e detecção de problemas, a serem realizadas na primeira consulta e nas subseqüentes;

3.12 Atendimento às gestantes com problemas ou comorbidades, garantindo vínculo e acesso à unidade de referência para atendimento ambulatorial e/ou hospitalar especializado;

3.13 Registro em prontuário e cartão da gestante, inclusive registro de intercorrências/urgências que requeiram avaliação hospitalar em situações que não necessitem de internação.

4. Atenção à mulher e ao recém-nascido na primeira semana após o parto, com realização das ações da “Primeira Semana de Saúde Integral” e da consulta puerperal, até o 42° dia pós-parto.

Tais recomendações visam garantir o pleno desenvolvimento do feto, gerando um nascimento sadio. Preocupa-se com a saúde da mulher, que independentemente de estar reclusa deve ser respeitada e cuidada já que encontrasse sob a tutela do Estado, sendo dependente deste para as necessidades básicas.

4.1.6 Previsão nas Diretrizes para a Convivência Mãe-Filho/a no Sistema Prisional

A referida diretriz[50] é totalmente voltada as presas gestantes e em estado puerperal, preocupa em assegurar boas condições para que essas mulheres possam ser tratadas com dignidade e por isso prevê que:

Devem ser desenvolvidas rotinas e protocolos de atendimentos da equipe técnica interdisciplinar, formada por profissionais das áreas de saúde, psicologia, serviço social, nutrição, pedagogia, segurança e outros, adequados às necessidades das mulheres encarceradas e de seus/suas filhos/as. Ações específicas de interação, cuidado e estímulo ao desenvolvimento psicomotor, afetivo, de linguagem e cognitivo das crianças devem ser implementadas. As equipes interdisciplinares devem ser proporcionais ao número de mulheres e crianças em ambientes intramuros. A assistência material deve atender às demandas de alimentação, vestuário e itens de higiene pessoal adequados às gestantes, mães e crianças, incluindo enxoval básico para as parturientes e recém-nascidos. (p. 17)

Em relação a assistência à saúde é dito que:

A atenção em saúde é responsabilidade da gestão penitenciária, a quem cabe a articulação com os serviços de saúde e assistência social extramuros para garantir às mulheres privadas de liberdade os mesmos direitos das mulheres livres, no que diz respeito ao pré-natal; parto e nascimento; puerpério e atenção integral à saúde da criança. (p. 18).

Sobre o pré-natal é previsto que:

A todas as gestantes deve ser assegurado o acesso à primeira consulta de pré-natal o mais precoce possível, com a oferta de teste rápido para HIV e sífilis no primeiro e no terceiro trimestres, além dos demais exames pré-natais recomendados pelo Ministério da Saúde. As gestantes deverão receber recomendações sobre dieta, da parte de profissionais da área de saúde. Devem ser garantidas a suplementação vitamínica e alimentação adequada, orientada por nutricionista, para cada etapa da gestação, incluindo a suplementação com ácido fólico e sulfato ferroso. Deve ser ofertado às mulheres programa de preparação para o parto que contemple informações sobre as fases da gravidez, o pré-parto, o parto e os cuidados consigo e com o/a recém-nascido/a. (p.19).

Por fim, no tocante ao parto:

Não será admitida a realização de partos nas dependências do estabelecimento penitenciário. Todo parto deve ser realizado em hospital ou maternidade de referência. Em caso de parto na unidade prisional, recomenda-se a instauração de inquérito administrativo para apurar o ocorrido, de modo a salvaguardar o direito da mulher de ter atendimento adequado seguro e humanizado no momento do parto. A presença de acompanhante junto à parturiente deve ser autorizada, durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, conforme a Lei nº 11.108, de 7 de abril de 200511. O/a acompanhante da mulher presa deve ser indicado/a com antecedência e ser cadastrado/a no rol de visitantes do estabelecimento prisional. A família deve ser avisada quando do encaminhamento da parturiente ao hospital ou maternidade. (p.20)

Ainda é importante discorrer que essa diretriz deixa bem explicito que as mães e gestantes necessitam de seguranças e procedimentos especiais e por isso dispõe que:

As normas e procedimentos de segurança devem ser reduzidos, flexibilizados e simplificados para gestantes, parturientes e mães com filhos/as. As gestantes e parturientes devem ser conduzidas ao hospital/maternidade em carro adequado à sua condição, sendo expressamente proibida a condução em carro cofre na parte traseira e o uso de algemas desde sua saída da unidade prisional até o seu retorno. Caso a condução não seja realizada pela administração penitenciária, esta deve articular junto aos órgãos responsáveis pelo transporte a observância desta regra. Em nenhuma hipótese a gestante será transportada e mantida algemada antes, durante e depois do parto. Para garantir a privacidade no momento do parto a escolta, mesmo que feminina, deverá permanecer do lado de fora da sala de parto. Em nenhuma hipótese as gestantes, mães com filhos ou em período de amamentação devem ser colocadas em isolamento. (p.20).

É de suma importância que esta diretriz seja amplamente divulgada e que existam políticas públicas para o correto cumprimento, pois só assim com um cumprimento de pena digno, é possível a esperança da ressocialização.

4.1.7 Previsão nas Regras de Bangkok

Essas regras foram instituídas pela Organização das Nações Unidas, logo, trata-se de um instrumento em nível internacional.

De acordo com Ronchi (2017, p.14)[51] traz diretrizes a serem adotadas no tratamento de mulheres grávidas, com filhos ou lactantes. Dentre as garantias para as grávidas e lactantes, estão: instalações especiais, além de que sejam tomadas medidas para que o parto seja realizado em hospital. Sobre o tratamento do filho da presa, estão as diretrizes de que crianças na prisão não podem ser tratadas como presas e devem passar o maior tempo possível na companhia de suas mães.

Apesar de o Brasil ser signatário das normas acima citadas, até o momento elas não foram materializadas em políticas públicas no país.

Face a todo exposto, é explicito que o ordenamento jurídico possui inúmeras normas para regulamentar o tratamento diferenciado que as mulheres mães e gestantes devem receber, sendo assim, não há no que se falar sobre omissão legislativa, cabe ao Estado observar e cumprir.

4.2. Na perspectiva prática

No item anterior foi visto o que se espera em um cumprimento de pena por mães e gestantes, logo, “se pode deduzir que a legislação vigente garante o respeito dos direitos fundamentais para todas as pessoas, inclusive aquelas privadas de liberdade. No entanto, a materialização da execução penal prejudica as garantias, visto que as condições de encarceramento no Brasil, se distanciam do sancionado pelos preceitos legislativos. Resta afirmar que os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade “se encontram desvalorizados em comparação com a tutela que possuem esses mesmos direitos quando se referem àqueles que vivem em liberdade”[52]”.

Nana Queiroz em sua obra Presos que menstruam [53] realizou um estudo nas penitenciarias do Brasil e ao ouvir as detentas pode ilustrar a realidade que essas mulheres vivem. Abaixo é possível visualizar um dos trechos da entrevista:

“Quando a polícia finalmente pôs as mãos em Gardênia, ela estava já com a gravidez avançada. Não que isso, em momento algum, tenha lhe rendido tratamento especial. “Quando foi detida, Gardênia foi jogada com violência dentro da viatura e teve uma bolsa pesada atirada contra sua barriga. — Aiiii! — Tá reclamando do quê? Isso é só outro vagabundinho que vem vindo no mundo aí! Quatro dias depois de chegar à delegacia, a pressão emocional e as más condições adiantaram o parto em dois meses. Começou a sentir as contrações e pedir ajuda, mas os policiais alegaram que não havia viatura disponível para levá-la ao hospital.” (p. 41).

Neste trecho a interna reclama do tratamento desde o momento em que foi abordada pela polícia, logo, as más condições começaram antes mesmo da chegada ao sistema prisional. No próximo fragmento a mesma mulher relatou de como foi o tratamento quando a criança nasceu:

“Não deixaram nem que Gardênia segurasse a filha. Só conseguiu, de relance, conferir que era menina, como havia anunciado a médica. “Até nisso é diferente a gente presa do que a gente solta. Solta, você pega seu filho, vê. E eu nem consegui olhar os dedos da mão e do pé, pra ver se não tava faltando nenhum”, ficou se repetindo” (fls.42)

Nesse sentido, a agente penitenciária MLSR[54], entrevistada neste estudo e que é servidora no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade – CRGPL em Minas Gerais, disse que assim que o bebê nasce e retorna para a Unidade prisional, a assistente social entra em contato com a família avisando do nascimento e que família pode fazer visita aos domingos, mas são poucas as internas que recebem visitas.

A seguir, mais uma passagem do livro da autora Olga Espinoza:

“Tem mulher que até dá à luz algemada na cama. Como se ela pudesse levantar parindo e sair correndo. Só homem pode pensar isso. Porque mesmo que ela pudesse levantar, qualquer policial com uma perna só andaria mais rápido que ela.” (fls.43)

Neste, o direito da mulher é totalmente violado, já que como visto no tópico anterior é expressamente proibido o uso de algema na hora do parto. Na próxima passagem é o retrato da falta de recurso do Estado:

“Já nasceu muita criança dentro do presídio porque a viatura não chegou a tempo, ou porque a polícia se recusou a levar a gestante ao hospital, já que provavelmente não acreditou — ou não se importou — que ela estava com as dores de parto. Aconteceu, em alguns casos, conta Heidi, de as próprias presas fazerem o parto, ou a enfermeira do presídio.” (fls.43)

MLSR também fez revelações nesse sentido no decorrer de sua entrevista, dizendo que no local em que trabalha as internas são acompanhadas pelas enfermeiras e são agendadas consultas no Hospital Sofia Feldman, na Faculdade de medicina FASEH, no hospital das Clinicas, porém, às vezes, devido ao baixo número de servidores e algumas intercorrências, outros serviços têm que ser priorizados dificultando a regularidade dos atendimentos pré-natais e similares. A agente ainda disse que pela sua percepção a maior dificuldade enfrentada pelas gestantes e lactantes é o acesso limitado a alguns recursos e a dependência das agentes para intermediarem suas necessidades, já que não podem decidirem quando e como resolver os problemas.

O próximo relato demonstra a triste realidade das crianças que nascem atrás das grades e que acabam cumprindo a pena junto a mãe:

“Grades e jaulas fazem parte do pequeno mundo de Cássia, são tudo o que ela conhece. Sua mãe, Francisca, foi detida ainda grávida, no Rio Grande do Sul, e deu à luz na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba. Cássia nasceu presa, como centenas de outros bebês brasileiros.” (fls.65)

Neste último fragmento do livro é retratado descontentemente um dos diversos casos que ocorrem no país de abuso de autoridade, de covardia e desumanidade:

“— Bater em grávida é algo normal para a polícia — respondeu Aline. — Eu apanhei horrores e tava grávida de seis meses. Um polícia pegou uma ripa e ficou batendo na minha barriga. Nem sei qual foi a intenção desse doido, se era matar o bebê ou eu. A casa penal me mandou pro IML para fazer corpo delito, mas não deu nada. Relatos de outras presas confirmaram o que disse Aline. Michelle, já de barrigão protuberante, apanhou de uma escrivã, outra mulher. Na hora da detenção, Mônica recebeu socos de um policial, que disse que filho de bandida tinha que morrer antes de nascer.” (fls.66)

Diante de tais relatos é possível perceber que existem mulheres que desde o momento que são apreendidas ou abordadas, ou seja, que tem o contato inicial com a polícia recebem tratamento com teor de tortura.

Vários fatores levam a precariedade dos estabelecimentos prisionais, um deles é que o encarceramento feminino a cada dia aumenta mais, gerando números alarmantes, como expõe a estatística do SISDEPEN[55] do último ano:

Figura 1 CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA; Painel de dados sobre as inspeções penais em estabelecimentos prisionais, 2019. Disponível em <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shIPGraficos >

Contudo, apesar de o índice de mulheres privadas de liberdade aumentar, as vagas nos estabelecimentos femininos não acompanham na mesma proporção, e continuam voltadas para os presídios masculinos, como indica o gráfico abaixo:

Figura 2 CNJ - CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA; Painel de dados sobre as inspeções penais em estabelecimentos prisionais, 2019. Disponível em <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shIPGraficos >

Abaixo é possível perceber em número a quantidade de mulheres gestantes e lactantes que compõe o sistema prisional:

Figura 3 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

Também é possível perceber que existem presídios sem as mínimas condições para receber mulheres em condições de maternidade.

Figura 4 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017 <disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

Nesse próximo é perceptível que existem estados totalmente despreparados para lidar com a mulher gestante, pois não possui o mais básico dos elementos para cumprir uma pena digna, qual seja, a cela. Além de não possuírem alojamentos adequados para as mulheres, também não possuem para os filhos destas.

Figura 5 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017 Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

A agente MLSR [56] reforçou tais dados em sua entrevista e disse que o sistema prisional no todo, está longe do ideal na promoção do cumprimento de pena, não só na unidade de gestantes, como também em outras unidades. Isso se dá por baixos recursos, lentidão nos processos e superlotação que está deixando o sistema sobrecarregado. Ainda finalizou dizendo que atualmente o que precisaria ser mudado no sistema prisional para melhor adequação dessas mulheres seria a melhora no espaço físico, nos recursos materiais e humanos, além de maior agilidade nos processos judiciais das internas privadas de liberdade.

No documentário Nascer na prisão: Gestar, nascer, cuidar [57] , além das detentas, advogados, agentes penitenciarias, a diretora de um estabelecimento prisional, promotora de justiça, juíza, entre outros profissionais foram ouvidos e pontuaram as dificuldades da maternidade no cárcere.

A detenta Maria [58] relatou no referido documentário que o problema mais grave que teve foi quando o filho nasceu e logo em seguida precisou ficar internado para tratamento de sífilis. Maria disse que a criança ficou onze dias hospitalizado e só teve contato com ele dois dias, sendo que o segundo foi no dia em que o menino teve alta médica.

O pediatra Thiago Alves, ouvido, comentou que muitas crianças nascem com enfermidades em decorrência da mãe não ter recebido o tratamento adequado de saúde durante a gestação. Nesse sentido, a diretora do estabelecimento prisional, Maria de Lourdes Portela, disse que é difícil administrar o pré-natal de todas as detentas com a falta de recursos que recebem, a falta de médicos dentro do próprio estabelecimento e baixo número de viaturas para transporte aos hospitais.

No mesmo documentário Rebeca [59], privada de liberdade, disse que teve o filho há poucos dias e que a criança, diferente das que não estão com a mãe cumprindo pena, não havia realizado os exames necessários aos recém-nascidos, bem como, não havia tomado as vacinas recomendadas pelos médicos.

O pediatra em contrapartida contou que as alas destinadas a saúde nos estabelecimentos são precárias, alguns nem contam com essa ala, que as verbas são restritas e por isso não possuem os aparelhos necessários a todos os exames, assim é preciso que as mulheres e até as crianças que estão sob suas guardas sejam levadas a hospitais, o que não ocorre sempre.

A assistente social Marilene da Silva e a diretora afirmaram que o transporte de presas a hospitais é dificultoso, haja vista que recebem ordens para tratar com prioridade presas que precisam comparecer a audiências ou outros atos processuais, o que ocupa as viaturas disponíveis.

Carolina [60], por sua vez disse que o maior medo que passa com a filha durante sua permanência no cárcere é não ter para quem entregar a menina quando o período de amamentação passar. Contou que passou a infância em abrigos e com onze anos foi abusada sexualmente, contou para os responsáveis, mas ninguém acreditou, por esse motivo fugiu do local. A mãe teme que a filha tenha o mesmo destino, caso seus familiares não aceitem ficar com a guarda.

Todas as mulheres ouvidas que pretendiam passar a guarda da criança para algum familiar, além de temerem pela aceitação da guarda, tinham a preocupação se os familiares levariam os filhos para visita-las.

Maria do Carmo Leal, coordenadora da pesquisa[61], expôs que grande parte das mulheres privadas de liberdade não recebem visitas. Para as mães e gestantes, o cenário é pior, visto que são poucos os estabelecimentos destinados a maternidade, na maioria das vezes longe de onde se encontravam e de suas famílias, que teriam uma despesa consideravelmente alta para irem a visitas regularmente. O Estado não se preocupa com o fato e não promove a assistência de quem precisa dessa locomoção entre comarcas para a ida aos presídios, o que por consequência acaba afetando os laços familiares.

Assim destaca-se que a prisão feminina traz grande impacto na família, porque geralmente é a mulher que realiza a manutenção do lar, no sentido de que desde os tempos primórdios ser considerada a cuidadora do lar, quando é posta atrás das grandes, essa responsabilidade se dissolve, ocasionando uma dispersão da família. Por consequência, e unido aos fatores onerosos e econômicos da visita em comarcas distintas da residência dos familiares, a mulher gravida costuma ter uma gravidez de solidão, um parto desacompanhado, seguido por um puerpério isolado.

A promotora Camila Barbosa e a advogada Lucina Simas, ao serem entrevistadas frisaram também sobre o fato da maioria das famílias serem de baixa renda, e que além de não visitarem, não podem contribuir com assistência material para as detentas e seus filhos, assistência essa que deveria ser promovida pelo Estado que se omite diante de suas obrigações, deixando essas pessoas a abandonadas a própria sorte.

Na expectativa de ajudar, muitas mulheres tentam trabalhar dentro do cárcere para enviar a renda obtida a seus parentes, contudo, para que isso aconteça também dependem de o Estado firmar parcerias com empresas que queiram investir na área e que precisam de mão de obra, de programas de trabalho ou do fornecimento direto de materiais pelo Estado, e diante disso encontram mais uma dificuldade.

De acordo com o Relatório Temático sobre mulheres privadas de liberdade[62], “a atividade laboral também influência positivamente na saúde psíquica e física da custodiada, desta forma a possibilidade de trabalho é um direito que não deve ser negado a pessoa privada de liberdade.”

Figura 6 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

Fica claro com o quadro que não chega a 50% o número de mulheres que conseguem exercer atividade laborativa, dentro desse número, são raras as que são gestantes ou que possuem filhos, mesmo porque os estabelecimentos que são voltados para elas (isto é, quando existem), não possuem dupla estrutura, voltada para maternidade e trabalho.

Outra opção que essas mulheres encontram para colaborar suas famílias é com o auxílio-reclusão, contudo, conforme o Relatório Temático sobre mulheres privadas de liberdade o “o auxílio-reclusão, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o benefício devido apenas aos dependentes do segurado do INSS preso em regime fechado ou semiaberto, durante o período de reclusão ou detenção. O segurado não pode estar recebendo salário, nem outro benefício do INSS. Para que os dependentes tenham direito, é necessário que o último salário recebido pelo trabalhador esteja dentro do limite previsto pela legislação. Caso o último salário do segurado esteja acima do valor limite estabelecido, não há direito ao benefício. Quando o trabalhador cumpre pena em regime aberto, não há direito ao auxílio-reclusão. A duração do benefício é variável conforme a idade e o tipo de beneficiário.

Figura 7 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

Com os quadros, conclui-se que o número de mulheres que conseguem de fato auxiliar suas famílias financeiramente, seja com o auxílio reclusão ou com atividade laborativa remunerada é extremamente baixo.

Ainda sobre a precariedade no sistema prisional, outra causa a ser pontuada é a superlotação, que como já dito, a quantidade de estabelecimentos e respectivamente de vagas não acompanham a demanda de mulheres que ingressam nos presídios, todavia, é preciso pontilhar que esse desmoderado crescimento da criminalidade também afeta o Poder Judiciário, que já gasto, não consegue dar seguimento em todos os processos com celeridade, ocasionando na demora na análise de procedimentos e atos que poderiam colocar determinadas mulheres em liberdade. Fato este que pode ser visto no gráfico abaixo que demonstram que a maior parte das mulheres presas ainda não foram sentenciadas.

Figura 8 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

A falta de informação e de explicação em relação ao processo e as demandas judiciais pertinentes, bem como aos seus direitos, também colocam as mulheres em situação de calamidade, isso sobrevém do baixo nível de escolaridade:

Figura 9 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL; Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Atualização – Junho, 2017. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf >

Constata-se que quase 50% das mulheres não possuem o ensino fundamental completo e que menos de 1% possuem ensino superior. Índices esses alarmantes.

Concomitante a situação da desinformação é a falta de profissional especializado na área jurídica para prestar atendimento, auxiliando individualmente e assegurando o direito da coletividade nos estabelecimentos, haja vista que um advogado particular despende de valores que muitas reclusas não possuem condições de pagar.

Diante todo o exposto neste tópico é visível que essas mulheres são totalmente dependentes do Estado, e que este possui diversas obrigações e responsabilidades, que quando cumpridas ou não, interferem diretamente na finalidade e objetivos da pena. Desta forma, uma pena cumprida observando todos os preceitos legais, gera uma expectativa de ressocialização para que quando colocada em liberdade a mulher tenha uma vida longe da criminalidade, entretanto, quando a pena não observa os direitos previstos e deixa as reclusas em condições precárias e humilhantes, fazendo que sejam duplamente penalizadas.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Gabriele. Gestação e maternidade no sistema prisional.: Análise das legislações comparadas à realidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7178, 25 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83256. Acesso em: 22 dez. 2024.

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