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Juiz de garantias ou garantias protegidas pelo juiz

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Agenda 22/08/2020 às 14:00

A criação do juiz de garantias representou o surgimento de um novo processo penal. O exíguo prazo de vacatio legis tornou a adaptação praticamente impossível de ser implementada.

Infelizmente é expressivo o grau de alienação do Congresso Nacional ao aprovar uma lei com tamanhas repercussões no âmbito processual penal. Para uns doutrinadores, significou praticamente um novo Código de Processo Penal. A situação se deu de forma leviana, posto que houve um exíguo prazo de vacatio legis[1], de apenas trinta dias, conforme prevê o artigo 20 da Lei 13.964/2019. A lei publicada em 24. de dezembro de 2019, isto é, em pleno recesso forense, e sua vigência se deu a partir do dia 23 de janeiro de 2020.

Convém relembrar que a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data de publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral (Vide Lei Complementar 95/98, artigo 6, §1º, incluído pela Lei Complementar 107/01).

Destaque-se que leis penais de menor importância para o processo penal, como a Lei 11.690/2008, que alterou dispositivos do CPP relativos à produção de prova, e a Lei 12.403/2011, que também alterou dispositivos do CPP relativos às medidas cautelares de natureza pessoal, tiveram a vacatio legis de sessenta dias, isto é, o dobro do fixado no artigo 20 da Lei 13.964/2019, que estabeleceu alterações mais profundas.

Em paralelo, além da vacatio de trinta dias para sua entrada em vigor, o artigo 3-F do CPP, também introduzido pela Lei 13.964/2019, fixa um prazo de cento e oitenta dias para que as autoridades disciplinem o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão prestadas, de modo padronizado e respeitada a programação normativa apontada no caput do referido artigo.

A exequibilidade imediata de toda a sistemática constante do chamado Projeto Anticrime, inclusive do juiz das garantias, esbararia, porém, em sérios obstáculos, como, por exemplo, a notável ausência de estrutura do Judiciário brasileiro, além da falta de previsão orçamentária, posto que muitas comarcas e subseções judiciárias contam com apenas um único juiz, isso quando existe. Soma-se a necessidade de criação de inúmeros cargos de juízes de direito para suprir a demanda necessária para implementar a nova sistemática de dois juízes para cada caso penal, um para a fase investigatória e, outro para a fase processual.

Evidentemente, portanto, a necessidade de concessão de prazo maior e dilatado para que os Tribunais brasileiros, seguindo as diretrizes de política judiciária que eventualmente venham a ser fixadas pelo Conselho Nacional de Justiça, possam, no exercício de sua autonomia e de acordo com suas características peculiares locais, estruturar e implementar adequadamente a figura do juiz de garantias, procedendo, inclusive, à alteração das diversas normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Foi com base nesses argumentos que o Ministro Dias Toffoli concedeu medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 6.298/DF para suspender a eficácia dos arts. 3-B, 3-C, 3-D, caput, 3-E e 3-F do CPP inseridos pela Lei 13.964/2019, até a efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, o que deverá ocorrer no prazo máximo de cento e oitenta dias, contados a partir da publicação da referida decisão.

É forçoso ainda reconhecer que os trintas dias fixados inicialmente se revelaram insuficientes para que os tribunais pátrios promovessem as necessárias adaptações para a implementação do juiz das garantias. Portanto, impunha-se o estabelecimento de regime de transição mais adequado e razoável, que viabilizasse, inclusive, sua adoção de forma progressiva e programada pelos Tribunais.

Logo, numa interpretação sistemática do microssistema do juiz das garantias, o prazo de cento e oitenta dias previsto no parágrafo único do artigo 3-A, que enuncia postulados básicos do sistema acusatório[2], devendo ter, portanto, eficácia na vacatio de 30 (trinta) dias.

Ressaltou, ademais, que essa transição do sistema deveria ocorrer resguardando-se as situações jurídica já definidas segundo as normas processuais até então vigentes.

Significando que as ações penais que estivesse em curso no primeiro grau de jurisdição, ao fim do prazo máximo de cento e oitenta dias não seriam alcançadas pela novatio legis processual, o que, em tese, teria o condão de preservar o princípio do juiz natural, a segurança jurídica e a própria confiança do cidadão perante a justiça brasileira.

Em menos de uma semana depois, porém, o Min. Luiz Fux (ADI 6.299 MC/DF, j. 22/01/2020), Relator prevento para o julgamento de todas as ADIs até então ajuizadas contra a Lei n. 13.964/19 – ADI n. 6.298, ADI 6.299, ADI 6.300 e ADI 6.305 – revogou a decisão monocrática proferida pelo Min. Dias Toffoli e suspendeu sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, da implantação do juiz das garantias e seus consectários (arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E, 3º-F, do Código de Processo Penal).

A aplicação imediata da nova sistemática do juiz das garantias às investigações e processos em andamento também viria de encontro ao próprio princípio tempus regit actum[3] constante do art. 2º do CPP, segundo o qual a lei processual penal aplica-se desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

Como é sabido, derivam do referido dispositivo dois efeitos fundamentais: a) os atos processuais praticados sob a vigência da lei anterior são considerados válidos; b) as normas processuais têm aplicação imediata, regulando o desenrolar restante do processo.

Atento à problemática em questão e, como forma de se buscar uma adequada regra de transição capaz de preservar a segurança jurídica e o princípio do juiz natural[4], conferindo à Lei n. 13.964/2019 uma incidência prospectiva, e não retroativa, afastando sua aplicação a atos já praticados, o Ministro Dias Toffoli, então no exercício do plantão judicial, deferiu medida cautelar no julgamento da ADI n. 6.298 (j. 15/01/2020) nos seguintes termos:

a) Processos penais já instaurados: no tocante aos processos penais que já tiverem sido instaurados no momento em que os tribunais efetivamente implementarem o juiz das garantias (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias fixado pela referida decisão), o início da eficácia da lei, ora protraído, não acarretará qualquer modificação do juízo competente.

Na visão do Ministro Toffoli, o fato de o juiz da causa ter atuado na fase investigativa não implicará seu automático impedimento, porque, segundo o art. 2º do CPP, a lei processual penal não pode retroagir.

Ademais, tratando-se de impedimento superveniente, esse não poderia atingir o juiz já legitimamente vinculado à ação penal, relacionando-se, portanto, com a garantia do juiz natural e o corolário da perpetuatio jurisdictionis.

Ressaltou, ademais, que se assim não fosse, ter-se-ia a necessidade de redistribuição de grande parte das ações penais em curso no país.

A atuação do juiz das garantias na fase investigatória deve se pautar por uma postura totalmente suprapartes, não no sentido de estar acima das partes, mas sim, na ideia de que deve estar para além dos seus interesses, de absoluto alheamento aos interesses do Estado na identificação de fontes de prova, agindo apenas diante de prévia provocação do Ministério Público, da Polícia ou do próprio ofendido (este, nos crimes de ação penal privada).

Não deve o juiz de garantias, portanto, exercer qualquer atividade de orientação da investigação preliminar, nem tampouco presenciar a produção de eventuais elementos informativos, salvo, quando, logicamente, sua presença se revelar necessária, a exemplo do que ocorre diante da designação de audiência para a produção de provas antecipadas.

Enfim, a intervenção do juiz das garantias na fase investigatória deve ser contingente e excepcional. Justifica-se porque, na dicção da melhor doutrina, o inquérito policial pode iniciar, desenvolver-se e ser concluído sem a intervenção do juiz.

Pois o julgador não é um sujeito necessário na fase pré-processual e será chamado quando a excepcionalidade do ato exigir a autorização ou controle jurisdicional; ou ainda, quando o sujeito passivo estiver sofrendo restrições no seu direito de defesa, à prova, acesso aos autos, etc, por parte do investigador.


Competências criminais do Juiz das Garantias

A leitura do art. 3º-B do CPP, incluído pela Lei n. 13.964/2019, informa que são duas as responsabilidades do juiz das garantias:

a) controle da legalidade da investigação criminal: tal controle é feito a partir do momento em que o magistrado for informado acerca da instauração de qualquer investigação criminal (CPP, art. 3º-B, IV).

Dentro desse controle, poderá, por exemplo, determinar o trancamento do inquérito policial[5] quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento (inciso IX), bem como deliberar sobre a rejeição ou recebimento da peça acusatória (inciso XIV);

b) salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário: decidir sobre matérias protegidas pela denominada cláusula de reserva de jurisdição (com por exemplo, busca domiciliar, interceptação telefônica, medidas cautelares pessoais ou reais, etc.).

O art. 3º-B contempla ainda, em seus incisos, um rol de matérias que estão sujeitas à competência do juiz das garantias. Indica também através da utilização do advérbio “especialmente” no caput do referido dispositivo, trata-se de rol exemplificativo.

Tanto é verdade que o próprio inciso XVIII dispõe que compete ao referido magistrado a apreciação de outras matérias inerentes às atribuições definidas no art. 3º-B, significando, que se refira à legalidade da investigação criminal e à salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Judiciário. Atuando como um guardião das garantias do custodiado ou investigado.

Verifica-se, então, tais competências, a saber:

Receber a comunicação imediata da prisão: de acordo com o art. 5º, inciso LXII, da Constituição Federal vigente, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por este indicada.

Cumpre enfatizar que o texto constitucional brasileiro não faz qualquer distinção quanto à espécie de prisão[6], portanto, toda prisão deve ser comunicada, doravante, ao juiz das garantias, do que se conclui que toda e qualquer prisão deva ser objeto de comunicação, seja ela preventiva, temporária, ou flagrante, e inclusive de natureza extrapenal (v.g., prisão civil do devedor de alimentos).

No caso específico da prisão em flagrante, esta comunicação imediata, a ser realizada mesmo quando a autoridade policial conceder ao flagranteado liberdade provisória com fiança (CPP, art. 322), o que não se confunde com o posterior encaminhamento do respectivo auto (APF).

São situações distintas, ocorrentes em momentos diferentes. Conforme a Constituição Federal vigente dispõe em seu art. 5º, LXII, a comunicação deve ser imediata, ou seja, tão logo haja o cerceamento à liberdade de locomoção, o juiz competente deve ser comunicado acerca da prisão (CPP, art. 306, caput).

Outro fato relevante, é a posterior remessa do auto de prisão em flagrante delito, em até 24 (vinte e quatro) horas depois da captura (CPP, art. 306, §1º).

A comunicação imediata informa a autoridade judiciária de que há uma pessoa que está detida sem que haja prévia autorização judicial, possibilitando que o juiz das garantias, a partir de então, passe a controlar o procedimento adotado pela autoridade policial, até mesmo no que toca à conclusão do auto de prisão em flagrante no prazo legal de 24 (vinte e quatro) horas;

Receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código: como exposto anteriormente, o art. 306, §1º, 1ª parte, do CPP, prevê que, em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, deverá ser encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante.

Pelo menos até a implementação da audiência de custódia[7] Brasil afora, o magistrado apenas recebia o auto de prisão em flagrante, sem que houvesse a necessidade de apresentação do custodiado, oportunidade em que lhe cabia proceder à convalidação judicial da prisão em flagrante[8], determinando, assim, o relaxamento da prisão em flagrante, sua conversão em preventiva (ou temporária), ou concedendo liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada (ou não) com as cautelares diversas da prisão (CPP, art. 310, I, II e III).

 Enfim, atualmente, por força do art. 310, caput, §§1º, 2º, 3º e 4º, incluídos pela Lei n. 13.964/2019 –, o recebimento do auto de prisão em flagrante deverá ocorrer com a apresentação do preso para fins de realização da audiência de custódia, proporcionando, em tese, um contato mais próximo com o juiz das garantias, elevando, sensivelmente, seu nível de cientificidade, tendo, pois, melhores condições para fazer a triagem daqueles flagranteados que efetivamente devem ser mantidos presos;

Zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo: a liberdade de locomoção é um dos dogmas do Estado de Direito.

Conclui-se que é absolutamente natural que a Constituição Federal brasileira vigente e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabeleçam diversas regras de modo a tutelar a figura do preso[9].

Dentre estas, podemos citar, a título de exemplo, o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX), a vedação do uso de algemas (súmula vinculante n. 11), a comunicação imediata da prisão à família do preso ou à pessoa por ele indicada (CF, art. 5º, LXII, in fine), o direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), o direito à assistência da família e de advogado (CF, art. 5º, LXIII, in fine), o direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório (CF, art. 5º, LXIV), etc.

De modo constatar o respeito aos direitos do preso, o juiz das garantias poderá determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo.

O dispositivo, nesse ponto, assemelha-se ao art. 656, caput, do CPP, que dispõe que recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar.

Na eventualidade de não ser possível a apresentação do preso (como por exemplo, por motivo de doença), nada impede que o juiz das garantias se desloque até ao local em que o preso se encontre, aplicando-se, por analogia, o quanto disposto no art. 657, parágrafo único, do CPP.

À evidência, em se tratando de preso em flagrante, preventivo ou temporário, esta apresentação do custodiado ao juiz das garantias já deverá ter ocorrido anteriormente, haja vista a obrigatoriedade de realização da audiência de custódia nessas hipóteses, ex vi dos arts. 287, e 310, caput, do CPP.

Por isso, esta determinação de condução do preso à presença do juiz das garantias a que se refere o art. 3º-B, III, do CPP deve ser interpretada como referente à outra modalidade de prisão não submetida à audiência de custódia (como por exemplo, prisão civil), ou nas hipóteses em que, após a realização da audiência de custódia, o juiz reputar relevante, por algum motivo superveniente, a apresentação do preso preventivo ou temporário (como por exemplo, denúncia de maus-tratos, etc.);

O juiz de garantias deve ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal é previsto no inciso IV do art. 3º-B do CPP, introduzido pela Lei n. 13.964/2019, representa uma novidade no ordenamento jurídico pátrio.

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Na sistemática anterior não havia nenhum dispositivo legal que determinasse que a mera instauração de uma investigação criminal tivesse que ser comunicada à autoridade judiciária.

Até então, o juiz tomava conhecimento de uma investigação em andamento tão somente quando sua intervenção se revelasse necessária, como, por exemplo, para fins de decretação de uma medida cautelar (como por exemplo, prisão temporária). Doravante, a mera instauração de uma investigação criminal deverá ser objeto de comunicação ao juiz das garantias.

Assim, lavrada pelo Delegado de Polícia uma portaria inaugural de um inquérito policial diante da existência de fundamento razoável, sua instauração deverá ser informada ao juiz das garantias, pouco importando se, naquele momento, havia (ou não) necessidade de autorização judicial para a prática de determinada diligência.

Ainda, quanto ao dispositivo sob comento a qualquer investigação criminal, o ideal é concluir que a expressão abrange não apenas os inquéritos policiais, mas também outros instrumentos vocacionados à identificação de fontes de prova[10] e colheita de elementos de informação de determinada infração penal, como, por exemplo, um procedimento investigatório criminal instaurado pelo Ministério Público.

Em conclusão, é interessante notar que o inciso IV do art. 3º-B do CPP passa a prever que o juiz das garantias deve ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal, mas não estabelece, pelo menos expressamente a finalidade exata desta ciência, ou seja, o porquê de se comunicar ao juiz acerca da deflagração de um procedimento investigatório, se ainda não há, pelo menos por ora, necessidade de intervenção judicial para a adoção de determinada medida sujeita à cláusula de reserva de jurisdição.

Por isso, a boa doutrina crê que o ideal é conjugar o inciso em análise com o inciso IX do mesmo art. 3º-B, do que se conclui que o juiz das garantias há de tomar ciência da instauração de qualquer investigação criminal para que possa determinar seu trancamento, se acaso entender que não haveria fundamento razoável para sua deflagração ou prosseguimento.

Por derradeiro, referindo-se a lei sobre a necessidade de se informar ao juiz das garantias a instauração de qualquer investigação criminal, é de rigor grave e traz a conclusão que permanece com o Judiciário a gestão do registro da instauração dos autos de inquérito policial, apesar de não mais existir o controle judicial de eventual arquivamento determinado pelo órgão ministerial (CPP, art. 28, caput, com redação dada pela Lei n.13.964/2019).

Aliás, não por outro motivo, uma vez determinado pelo órgão ministerial o arquivamento, este deverá dar ciência da sua decisão[11] ao juiz das garantias, o qual deverá, então, dar baixa na distribuição ou nos registros, bem como proceder à revogação de eventuais medidas cautelares em curso;

Decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo: consoante disposto no art. 282, §2º, do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019, as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Firmada a premissa de que toda e qualquer cautelar pessoal pressupõe, pelo menos em regra, autorização judicial prévia, é de todo evidente que, na eventualidade de tal medida, ser requerida durante a investigação criminal pela autoridade policial, pelo Ministério Público ou pelo ofendido (apenas em crimes de ação penal privada), ao juiz das garantias caberá a apreciar o referido pedido.

Levando-se em conta que a competência do juiz das garantias está restrita à fase investigatória da persecução penal, cessando com o recebimento da denúncia (CPP, art. 3º-C, §1º), é de se concluir que eventual requerimento de medida cautelar apresentado no curso do processo judicial deverá ser apreciado pelo juiz da instrução e julgamento.

O inciso V do art. 3º-B do CPP faz remissão ao §1º do mesmo artigo (“§1º O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência”).

Ocorre que tal parágrafo acabou sendo vetado pelo Presidente da República, que entendeu que a supressão da possibilidade de realização da audiência por videoconferência geraria insegurança jurídica, porquanto incongruente com outros dispositivos do mesmo CPP, a exemplo dos arts. 185 e 222, que permite a sua adoção.

Destarte, considerando-se que o veto em questão não foi derrubado pelo Congresso Nacional, subsiste a validade do inciso V do art. 3º-B do CPP, admitindo-se, todavia, na eventualidade de o juiz reputar relevante a realização de audiência para a apreciação do requerimento de medida cautelar, que o ato em questão seja feito por videoconferência se presente uma das hipóteses listadas nos diversos incisos do §2º do art. 185 do CPP;

Prorrogar a prisão provisória[12] ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente: o inciso em análise guarda certa relação com o art. 282, §5º, do CPP, segundo o qual o juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

O inciso VI do art. 3º-B do CPP vai, porém, um pouco mais além, porquanto passa a assegurar, no caso da prorrogação da prisão provisória (ou de outra medida cautelar), o exercício do contraditório em audiência pública e oral, o que, em tese, visa a permitir que o afetado possa alargar o campo cognitivo judicial.

Destarte, para fins de prorrogação de cautelar pessoal na fase investigatória, o juiz das garantias deverá designar, em fiel observância à regra geral do contraditório prévio às medidas cautelares (CPP, art. 282, §3º), a realização de uma audiência pública e oral, oportunidade em que o preso e seu defensor serão chamados para opinar e contra argumentar em face do pedido de prorrogação, demonstrando, por exemplo, que os motivos que deram ensejo à medida em questão não mais subsistem.

Ante o veto ao art. 3º-B, §1º, do CPP, é perfeitamente possível que tal audiência seja realizada por videoconferência, desde que presente uma das hipóteses listadas no art. 185, §2º do CPP.

 O exercício desse contraditório em audiência pública e oral, no caso de prorrogação de medida cautelar na fase investigatória, deverá, doravante, ser a regra a ser observada pelo juiz das garantias, haja vista os termos peremptórios do inciso em comento (“assegurado o exercício do contraditório em audiência pública e oral”). Não se trata, porém, de regra absoluta.

A boa doutrina entende que, em situações excepcionais devidamente fundamentadas, como, por exemplo, o acúmulo de comarcas na condição de juiz das garantias por um mesmo magistrado, há de se admitir a possibilidade de não realização dessa audiência pública e oral, hipótese em que o contraditório prévio continuaria sendo observado, porém por meio de manifestação escrita da defesa antes de eventual prorrogação, à semelhança, aliás, do procedimento constante do §3º do art. 282 do CPP;

Decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral: o inciso VII do art. 3º-B do CPP, incluído pela Lei n. 13.964/2019, versa sobre duas espécies de provas diversas, a prova antecipada e a não repetível.

Diversamente do art. 156, inciso I, do CPP, que autoriza a iniciativa acusatória do juiz no tocante à produção antecipada dessas provas consideradas urgentes e relevantes, o inciso sob comento deixa expresso que o juiz das garantias deve decidir sobre o requerimento de tais provas, ou seja, jamais poderá fazê-lo de ofício, sob pena, aliás, de violação ao art. 3º-A do CPP.

Ante a existência de diferenças substanciais entre as duas espécies de provas citadas no inciso VII, convém analisarmos a atuação do juiz das garantias em ambas as hipóteses separadamente:

a) provas antecipadas: são aquelas produzidas com a observância do contraditório real, perante a autoridade judicial, em momento processual distinto daquele legalmente previsto, ou até mesmo antes do início do processo, em virtude de situação de urgência e relevância.

Para a sua realização, é indispensável prévia autorização judicial: do juiz das garantias, quando decretadas na fase investigatória; do juiz da instrução e julgamento, quando em curso o processo penal.

Levando-se em consideração a urgência ou o risco de perecimento de uma fonte de prova importante, o procedimento a ser adotado para jurisdicionalizá-la, outorgando-lhe, pois, o status de prova, é o incidente de produção antecipada de provas.

É o caso do denominado depoimento ad perpetuam rei memoriam, previsto no art. 225 do CPP: supondo-se que determinada testemunha presencial do delito esteja hospitalizada, em grave estado de saúde, afigura-se possível a colheita antecipada de seu depoimento, o que será feito com a presença do juiz, e com a participação das partes sob contraditório em audiência pública e oral.

Caso ainda não haja uma pessoa formalmente apontada como suspeita da prática do delito, deve o magistrado diligenciar para que a defesa técnica seja patrocinada por um advogado dativo.

Nesse caso, o depoimento ficará integrado aos autos com o mesmo valor legal que teria caso fosse prestado no curso da instrução.

A Lei n. 13.431/2017 também dispõe que o depoimento especial, assim compreendido o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária, deverá ser realizado uma única vez, sempre que possível, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado (art. 11, caput).

Aliás, consoante disposto em seu art. 11, §1º, o depoimento especial deverá seguir o rito cautelar de antecipação de prova: I – quando a criança ou adolescente tiver menos de 7 (sete) anos; II – em caso de violência sexual;

b) provas não repetíveis: essa expressão “prova não repetível”, que já constava do art. 155, caput, do CPP, com redação dada pela Lei n. 11.690/2008, é utilizada pela doutrina para se referir àquela espécie de prova que, uma vez produzida, não poderá ser novamente coletada ou produzida, em virtude do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória (como por exemplo., documentos).

Pelo menos teoricamente, tais provas podem ser produzidas na fase investigatória e em juízo. Assim, suponha-se que alguém tenha sido vítima de lesões corporais de natureza leve.

O exame pericial levado a efeito imediatamente após a prática do delito dificilmente poderá ser realizado novamente, já que os vestígios deixados pela infração penal provavelmente irão desaparecer com o decurso do tempo.

Ante o perigo de que haja dispersão dos elementos probatórios em relação aos fatos transeuntes, a realização dessa prova não repetível independe de prévia autorização judicial, podendo ser determinada pela própria autoridade policial imediatamente após tomar conhecimento da prática delituosa.

Conforme dispõe o art. 6º, inciso VII, do CPP, logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá, dentre outras diligências, determinar que se proceda a exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias.

No mesmo sentido, ao tratar da cadeia de custódia, os arts. 158-A, 158-B, 158-C, 158-D, 158-E e 158-F, do CPP, introduzidos pela Lei n. 13.964/19, não condicionam a realização de exames periciais à necessidade de prévia  autorização judicial, a qual se faz necessária, quando pertinente, tão somente para eventual descarte, assim compreendido como o procedimento referente à liberação do vestígio (CPP, art. 158-B, X).

À semelhança do que ocorre com as denominadas “provas cautelares”[13] (como por exemplo, interceptação telefônica), o contraditório será exercido, em relação às provas não repetíveis, de maneira diferida.

Para que possam ser utilizadas no curso do processo, imperiosa será a observância do contraditório sobre a prova, permitindo que as partes possam discutir sua admissibilidade, regularidade e idoneidade.

Não há, todavia, necessidade de realizá-las novamente no curso do processo penal, até mesmo porque provavelmente isso não seria possível.

Mas se as provas não repetíveis não dependem de prévia autorização judicial, como, então, explicar o teor do art. 3º-B, inciso VII, do CPP, que determina que cabe ao juiz das garantias decidir sobre o requerimento de produção antecipada de tais provas?

A não ser que se queira chegar à conclusão  que seria absurda, ao nosso pensar, de que o legislador teria estabelecido a obrigatoriedade de autorização judicial prévia para a realização de um simples exame de corpo de delito, clássico exemplo de prova não repetível, o ideal é concluir que a intervenção do juiz das garantias será necessária tão somente quando a realização da prova não repetível em questão que, efetivamente, demandar autorização judicial prévia (como por exemplo, exame pericial em celular apreendido para fins de extração de conversas registradas no whatsapp, e-mail ou redes sociais), ou, quando, diante da negativa do Delegado em determinar a realização de uma prova não repetível que lhe fora requerida pelo investigado com base no art. 14 do CPP, hipótese, então, em que o defensor poderia requerer sua realização ao juiz das garantias.

Aliás, a prova cabal disso, é o próprio caput do art. 3º-B, que determina que o juiz das garantias é responsável pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.

Portanto, se a prova não repetível em questão dispensar prévia autorização judicial, não há necessidade de intervenção do juiz das garantias;

Prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo: consoante disposto no art. 10, caput, do CPP, se o investigado estiver preso, o inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão.

De se lembrar que tal prazo tem natureza material, é dizer, o dia do início deve ser incluído no cômputo do prazo, conforme previsto no art. 10 do CP.

Daí, aliás, os termos expressos do art. 2º, §8º, da Lei da Prisão Temporária, com redação determinada pela nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei n. 13.869/2019), segundo o qual inclui-se o dia do cumprimento do mandado de prisão no cômputo do prazo de prisão temporária.

Outrossim, quando o investigado estiver solto, o prazo para a conclusão do inquérito será de 30 (trinta) dias, sendo que, pelo menos até o advento da Lei n. 13.964/2019, a prorrogação do prazo só era admitida nesse caso (CPP, art. 10, §3º).

Doravante, porém, o Código de Processo Penal passa a admitir que, a depender das razões apresentadas pelo Delegado de Polícia, ouvido o Ministério Público, poderá o juiz das garantias prorrogar, uma única vez, o prazo de duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, ainda que o investigado esteja preso.

Como se pode observar, 15 (quinze) dias é o prazo-limite para uma única prorrogação, do que se conclui que o juiz pode conceder a autorização por prazo inferior, caso entenda ser tal prazo suficiente para auxiliar nas investigações.

Ter-se-á, portanto, um prazo inicial de 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito policial quando o investigado estiver preso, que  poderá ser prorrogado uma única vez, por mais 15 (quinze) dias, totalizando-se, assim, 25 (vinte e cinco) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada (CPP, art. 3º-B, §2º).

Outrossim, em ortodoxa observância ao princípio da especialidade, outros prazos para a conclusão de inquéritos policiais previstos na legislação extravagante continuam válidos (como por exemplo, Lei de Drogas, Justiça Federal, crimes contra a economia popular, etc.);

Determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento: a instauração de um inquérito policial contra pessoa determinada traz consigo inegável constrangimento.

Esse constrangimento, todavia, pode ser tido como legal, caso o fato sob investigação seja típico (formal e materialmente), ilícito e culpável, cuide-se de crime cuja punibilidade não esteja extinta, havendo indícios de envolvimento dessa pessoa na prática delituosa. Em tais casos, a investigação deverá prosseguir.

No entanto, verificando-se que a instauração do inquérito policial foi manifestamente abusiva, o constrangimento causado pelas investigações deve ser tido como ilegal, afigurando-se possível, pois, o trancamento do inquérito policial, doravante a ser determinado exclusivamente pelo juiz das garantias.

O referido trancamento não se confunde com o arquivamento do inquérito policial. Enquanto este é objeto de determinação interna corporis do próprio Ministério Público, não mais sujeito a qualquer controle judicial (CPP, art. 28, caput, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019), o trancamento é uma medida de força que acarreta a extinção prematura do procedimento investigatório, determinada pelo juiz das garantias de ofício, ou em virtude de requerimento da defesa, tal qual previsto no art. 3º-B, inciso IX, do CPP, ou por força da impetração de habeas corpus, se acaso à infração penal for cominada pena privativa de liberdade, hipótese que melhor se enquadra ao inciso XII do art. 3º-B.

Quando determinado o trancamento de ofício, ter-se-á verdadeiro habeas corpus de ofício, desafiando, como meio de impugnação, pois, o denominado reexame necessário previsto no art. 574, I, do CPP.

Logo, considerando-se que nenhum juiz pode conhecer de ordem de habeas corpus contra ato que praticou (ou confirmou), expressa ou implicitamente (CPP, art. 650, §1º), este habeas corpus de ofício do juiz das garantias jamais poderá recair sobre investigação em relação à qual tenha ele decretado determinada medida invasiva (como por exemplo, prisão preventiva[14]).

Cabe afirmar que o juiz das garantias poderá até revogar a cautelar em questão, mas jamais, poderá conceder habeas corpus contra si próprio, pois, sendo ele mesmo a autoridade coatora, competente será o Tribunal que lhe for imediatamente superior.

Outrossim, para não se incorrer no risco de coarctar as atividades próprias da polícia investigativa e do Ministério Público, inviabilizando a apuração de condutas delituosas, o trancamento do inquérito policial deve ser utilizado como medida de natureza excepcional, que só é possível quando evidente o constrangimento ilegal sofrido pelo investigado, nas seguintes hipóteses:

a) manifesta atipicidade formal ou material da conduta delituosa;

b) presença de causa extintiva da punibilidade;

c) instauração de inquérito policial em crime de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação (como por exemplo, estelionato, pelo menos em regra), sem prévio requerimento do ofendido ou de seu representante legal.

Em síntese, convém destacar que, diversamente do quanto previsto no inciso IV do art. 3º-B do CPP, que faz referência ao dever de se informar ao juiz das garantias a instauração de qualquer investigação criminal, o inciso IX do mesmo artigo menciona apenas o inquérito policial. Sem embargo das expressões diversas utilizadas pelo legislador, não há nenhuma justificativa razoável para se autorizar o trancamento de um inquérito policial pelo juiz das garantias, não o admitindo, porém, se se tratar de procedimento investigatório diferente, como, por exemplo, um termo circunstanciado de ocorrência.

Com efeito, seja para o bem ou para o mal, de ser investigado no curso de um inquérito policial presidido pela autoridade de polícia judiciária, e não por meio de procedimento investigatório diverso, não se apresenta como critério razoável para se estabelecer essa distinção.

Ressalve-se, todavia, que, em se tratando de procedimento investigatório criminal instaurado pelo Ministério Público, não terá o juiz das garantias competência para determinar seu trancamento.

Justifica-se, pois, ante a possibilidade de haver o reconhecimento da prática de algum crime por parte do Promotor de Justiça em questão, a exemplo daquele previsto no art. 27 da nova Lei de Abuso de Autoridade[15], caberá exclusivamente ao Tribunal competente para o processo e julgamento do referido órgão ministerial determinar o trancamento da investigação;

Requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação: de modo a se evitar o desvirtuamento da própria introdução do juiz das garantias no âmbito processual penal, permitindo-se, assim, que tal magistrado possa se imiscuir na investigação criminal, sem qualquer requerimento das partes nesse sentido, há de se interpretar o presente inciso com muita cautela.

Ora, não sendo o juiz das garantias o titular da ação penal pública, por qual motivo poderia requisitar documentos, laudos e informações ao Delegado de Polícia sobre o andamento da investigação? Questionamento instigante e não respondido, infelizmente.

Ao agir dessa forma, não estaria, portanto, evidenciando uma certa iniciativa acusatória na fase de investigação, incompatível com o próprio art. 3º-A do CPP, que veda a substituição da atuação probatória do órgão de acusação?

Isto posto, buscando uma certa coerência entre o presente inciso e o art. 3º-B, caput, do CPP, imperioso é concluir que os documentos ou laudos em questão estariam relacionados as eventuais diligências investigatórias já documentadas nos autos do procedimento investigatório, mas cujo acesso estaria sendo indevidamente negado à defesa, tal qual previsto no inciso XV do art. 3º-B do CPP;

Decidir sobre os requerimentos de:

Na interceptação telefônica[16], do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação: consoante disposto no art. 5º, XII, da Constituição Federal vigente, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Na mesma linha, o art. 1º, caput, da Lei n. 9.296/96 determina que a interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza, para a prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Tratando-se, pois, de meio de obtenção de prova sujeito à cláusula de reserva de jurisdição, se acaso decretada durante a fase investigatória, a competência será do juiz das garantias.

No caso de afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico: no tocante ao sigilo fiscal, o Código Tributário Nacional (art. 198, §1º, incisos I e II) dispõe que não constitui quebra do sigilo fiscal a requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça[17], nem tampouco as solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa (CTN, art. 198, § 1º, incisos I e II).

Quanto ao sigilo de dados bancários e financeiros, o art. 3º, caput, da Lei Complementar n. 105/01 determina que serão prestadas pelo  Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder Judiciário, preservado o seu caráter sigiloso mediante acesso restrito às partes, que delas não poderão se servir para fins estranhos à lide.

Na sequência, a alínea “b” do inciso XI do art. 3º-B do CPP faz referência, genericamente, ao “afastamento do sigilo de dados”, sem especificar, porém, o conteúdo, o que acaba dificultando sobremaneira a tarefa do intérprete.

Afinal, tomando por base o fato de que a intervenção do juiz das garantias se faz necessária tão somente para a salvaguarda dos direitos fundamentais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Judiciário (CPP, art. 3º-B, caput), que dados seriam este cujo acesso está sujeito à cláusula de reserva de jurisdição?

Por fim, o dispositivo também faz referência ao afastamento do sigilo de dados telefônicos, que não se confunde com a interceptação das comunicações telefônicas: esta diz respeito a algo que está acontecendo; aquela guarda relação com chamadas telefônicas pretéritas, já realizadas, ou seja, está relacionada aos registros documentados e armazenados pelas companhias telefônicas, tais como data da chamada telefônica, horário da ligação, número do telefone chamado, duração do uso, informações acerca das estações rádio base (CPP, art. 13-B, caput, incluído pela Lei n. 13.344/2016), etc.

Diversamente da interceptação telefônica, a quebra do sigilo de dados telefônicos[18] não está submetida à cláusula de reserva de jurisdição.

Logo, além da autoridade judiciária competente, Comissões Parlamentares de Inquérito também podem determinar a quebra do sigilo de dados telefônicos com base em seus poderes de investigação (CF, art. 58, § 3º), desde que o ato deliberativo esteja devidamente fundamentado.

Quanto à obtenção dos dados telefônicos pelo órgão do Ministério Público, o poder de requisição previsto no art. 129, VI, da Constituição Federal, autoriza que o Parquet tenha acesso aos registros de ligações anteriores, independentemente de prévia autorização judicial.

Não se tratando de captação de comunicações telefônicas em andamento – em relação às quais o art. 5º, XII, da Carta Magna, exige prévia autorização judicial, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos pela Lei nº 9.296/96, mas sim, da obtenção dos registros de ligações pretéritas, tidas como documentos como outros quaisquer, é indiscutível a possibilidade de requisição direta pelo Ministério Público;

Busca e apreensão domiciliar, lembremos que de acordo com o art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Por se tratar de meio de obtenção de prova sujeito à cláusula de reserva de jurisdição, na eventualidade de a busca domiciliar ser decretada durante a fase investigatória, deverá recair sobre o juiz das garantias a competência para a apreciação de eventual requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público;

Acesso a informações sigilosas: a presente alínea deve ser interpretada com a ressalva de que a intervenção do juiz das garantias revela-se necessária tão somente quando a violação aos direitos e garantias individuais depender de prévia autorização judicial, consoante disposto no art. 3º-B, caput, do CPP.

Logo, se a informação for sigilosa, como, por exemplo, o prontuário médico de um paciente, ou o acesso ao posicionamento das estações rádio-base (CPP, art. 13-B, caput), faz-se necessária autorização prévia do juiz das garantias.

Por outro lado, se o acesso a tais informações não estiver sujeito à cláusula de reserva de jurisdição[19], como ocorre, por exemplo, no tocante a dados cadastrais que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço do investigado (Lei n. 12.850/2013, art. 15; CPP, art. 13-A), ou o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira do COAF com os órgãos de persecução penal, sequer haverá necessidade de intervenção do juiz das garantias;

Outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado: como o legislador jamais conseguiria listar todos meios de obtenção de prova capazes de restringir direitos fundamentais do investigado sujeitos à autorização judicial prévia, similares, nesse sentido, àqueles já elencados nas demais alíneas do inciso XI do art. 3º-B do CPP, a exemplo da interceptação telefônica e da busca domiciliar, sua alínea “e” faz uso de verdadeira espécie de interpretação analógica, permitindo, assim, a ampliação do alcance da norma.

Atento, pois, ao princípio da legalidade, o legislador detalhou, inicialmente, as situações que pretende regular, estabelecendo fórmulas casuísticas – alíneas “a” a “d” –, para, na sequência, por meio da fórmula genérica da alínea “e”, também do inciso XI do art. 3º-B do CPP, permitir que tudo aquilo que àquelas for semelhante também possa ser abrangido pelo mesmo dispositivo legal.

Por conseguinte, havendo requerimento de decretação de meio de obtenção de prova na fase investigatória condicionado à autorização judicial prévia, incumbirá ao juiz das garantias apreciá-lo.

São vários os exemplos que podem ser apontados, tais como a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos (Lei n. 9.296/96, art. 8º-A, incluído pela Lei n. 13.964/2019), infiltração virtual de agentes de polícia na internet com o fim de investigar crimes previstos na Lei das Organizações Criminosas e a eles conexos (Lei n. 12.850/2013, art. 10-A, caput, e §2º, incluído pela Lei n. 13.964/2019), etc.;

Julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia: ao introduzir a figura do juiz das garantias no Pacote Anticrime, estendendo sua competência até o recebimento da denúncia, e não mais até o seu oferecimento, como estava previsto no projeto do novo Código de Processo Penal (Projeto de Lei do Senado n. 156/2009, art. 15, caput, e §§1º e 2º), o legislador deveria, então, ter alterado a redação do presente inciso no mesmo sentido, ou seja, para dizer que a competência do juiz das garantias para o processo e julgamento de eventual habeas corpus estende-se até o recebimento da denúncia, e não até o oferecimento, como equivocadamente acabou constando da redação final do inciso XII.

Por isso, firmada a premissa de que a competência do juiz das garantias cessa apenas com o recebimento da peça acusatória (CPP, art. 3º-C, caput, e §2º), a correta leitura do inciso XII há de ser feito nesse sentido, ou seja, de que este terá competência para julgar o habeas corpus impetrado antes do recebimento da denúncia (ou da queixa-crime).

Noutro giro, a despeito de não constar do inciso XII qualquer ressalva nesse sentido, é de rigor analisarmos se a autoridade apontada como coatora no habeas corpus em questão não seria dotada de foro por prerrogativa de função, pois, nesse caso, e desde que o crime tenha sido cometido durante o exercício do cargo e relacionado às funções por ele desempenhadas (STF, Questão de Ordem na Ação Penal n. 937), ao respectivo Tribunal caberá o julgamento do writ.

A título de exemplo, suponha-se que um Promotor de Justiça em Belém venha estendendo injustificadamente um procedimento investigatório criminal com o objetivo deliberado de prejudicar o investigado, haja vista a existência de problemas pessoais entre os dois.

Nesse caso, na hipótese de o investigado impetrar um habeas corpus objetivando o trancamento desse procedimento investigatório, ante a possibilidade de reconhecimento da prática de possível crime de abuso de autoridade por ocasião do julgamento do writ  in casu, o delito do art. 31 da Lei n. 13.869/1978 – ao Tribunal de Justiça local caberá o julgamento do remédio heroico, ex vi do art. 96, III, da Constituição Federal.

Por fim, considerando-se que nenhum juiz pode conhecer de ordem de habeas corpus contra ato que praticou (ou confirmou), expressa ou implicitamente (CPP, art. 650, §1º), supondo que  o juiz das garantias tenha decretado a prisão temporária de determinado investigado, poderá até revogá-la na sequência, mas jamais poderá conceder habeas corpus contra si próprio, pois, sendo ele mesmo a autoridade coatora, competente será o Tribunal que lhe for imediatamente superior;

Determinar a instauração de incidente de insanidade mental: quando, no curso da investigação criminal, surgir dúvida a respeito da integridade mental do investigado, o juiz das garantias ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão, ou de seu cônjuge, que o imputado seja submetido a exame médico-legal (CPP, art. 3º-B, inciso XIII, c/c art. 149, caput).

Essa dúvida sobre a integridade mental do acusado, capaz de autorizar a instauração do incidente de insanidade mental, refere-se ao seu estado de saúde mental tanto à época do fato delituoso quanto ao momento atual, isto é, durante o curso do inquérito policial. Afinal, a depender do momento em que surgiu a doença mental, se ao tempo do fato delituoso ou durante a tramitação do inquérito ou do processo, as consequências serão distintas;

Decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 CPP: uma vez oferecida a peça acusatória pelo Ministério Público nos crimes de ação penal pública, ou pelo querelante nos crimes de ação penal de iniciativa privada, poderá o magistrado rejeitá-la, se acaso presente uma das hipóteses constantes dos incisos I, II e III do art. 395 (inépcia da peça acusatória; ausência dos pressupostos processuais ou das condições da ação penal; ou falta de justa causa para o exercício da ação penal), ou deliberar pelo seu recebimento.

Na dicção do art. 3º-B, inciso XIV, do CPP, incluído pela Lei n. 13.964/2019, este juízo de admissibilidade da peça acusatória deverá ser feito, doravante, pelo juiz das garantias, evitando-se, assim, o contato do juiz da instrução e julgamento com os elementos informativos produzidos no curso da investigação preliminar, o que, em tese, visa resguardar sua imparcialidade para formar seu convencimento exclusivamente com base nas provas produzidas em contraditório judicial, provas não repetíveis, provas antecipadas e meios de obtenção de prova (CPP, art. 3º-C, §3º, incluído pela Lei n. 13.964/2019);

Assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento: consoante disposto no art. 7º, inciso XIV, da Lei n. 8.906/1994, com redação dada pela Lei n. 13.245/2016, o advogado tem direito de examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração (grifo meu), autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.

O dispositivo em questão vem ao encontro do art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, que assegura ao preso – leia-se, ao imputado, preso ou em liberdade – a assistência de advogado.

Por esse motivo pelo qual o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula vinculante nº 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

A negativa de acesso do advogado aos autos da investigação preliminar, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo também implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente(Lei nº 8.906/94, art. 7º, § 12º, incluído pela Lei nº 13.245/2016).

Nesse caso, o acesso deverá ser requerido ao juiz das garantias, consoante disposto no art. 3º-B, inciso XV, do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/2019. Por fim, convém ressaltar que o acesso do defensor aos elementos de informação já documentados nos autos do procedimento investigatório independe de prévia autorização judicial.

No entanto, em se tratando de investigação referente a organizações criminosas, uma vez decretado o sigilo da investigação pela autoridade judicial competente, para garantia da celeridade e da eficácia das diligências investigatórias, o acesso do defensor aos elementos informativos deverá ser precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento (Lei nº 12.850/2013, art. 23, caput);

Deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia: a figura do assistente técnico, outrora prevista apenas no processo civil, foi introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n. 11.690/2008.

Deve ser compreendido como um auxiliar das partes, logo, parcial, dotado de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, responsável por trazer ao processo informações especializadas pertinentes ao objeto da perícia.

Pelo menos até o advento da Lei n. 13.964/2019, era firme o entendimento doutrinário no sentido de que sua atuação, condicionada à autorização judicial prévia (CPP, art. 159, §3º), estaria restrita à fase judicial.

Isso porque, segundo o art. 159, §5º, inciso II, do CPP, durante o curso do processo judicial, seria permitido às partes, quando à perícia, indicar assistentes técnicos que poderiam apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. Não se admitia, portanto, a intervenção do assistente na fase investigatória.

Então surgira, a Lei n. 13.964/2019, que passa a prever, dentre as atribuições do juiz das garantias, a possibilidade de deferimento de pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia.

Ora, levando-se em consideração que a atuação de tal magistrado está restrita à fase investigatória da persecução penal (CPP, art. 3º-B caput), forçoso é concluir que, doravante, a admissão do assistente técnico indicado pelas partes poderá se dar desde então, e não mais apenas na fase processual, como ocorria até a entrada em vigor do Pacote Anticrime[20].

Nesse caso, aplicando-se subsidiariamente o quanto disposto no art. 474 do CPC, o juiz das garantias deverá dar ciência às partes da data e do local por ele designados (ou indicados pelo perito) para ter início a produção da prova.

De se ressaltar, porém, que isso não significa dizer que a realização de uma simples perícia na fase investigatória (v.g., exame cadavérico) estaria, então, condicionada à prévia indicação de assistente técnico.

Fosse assim, bastaria a inércia da parte em indicar o assistente para obstar a realização da perícia, o que, a depender do exame em questão, não poderia ser realizado em momento ulterior diante do desaparecimento dos vestígios deixados pela infração penal.

É o que ocorre, por exemplo, com a autópsia, que deve ser feita pelo menos 6 (seis) horas do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo (CPP, art. 162, caput).

Portanto, o ideal e o justo é concluir que o inciso XVI do art. 3º-B do CPP autoriza o juiz das garantias a deferir a admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia já na fase investigatória, mas não transforma essa intervenção em requisito para a realização de exames periciais neste momento da persecução penal;

Decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação: o acordo de não persecução penal, objeto de análise no Título atinente à investigação preliminar, e o acordo de colaboração premiada, a ser estudado no Título referente às provas, estão sujeitos à homologação judicial[21], consoante disposto, respectivamente, no art. 28-A, §§4º e 6º, do CPP, incluídos pela Lei n. 13.964/19, e no art. 4º, §7º, da Lei n. 12.850/13, com redação dada pelo Pacote Anticrime.

Quando esses dois negócios jurídicos[22] forem celebrados na fase investigatória, recairá sobre o juiz das garantias a competência para homologá-los (apondo da relevante condição de eficácia ao negócio jurídico processual);

Outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo: tendo em conta a impossibilidade de o legislador prever todas as matérias sujeitas à competência do juiz das garantias e que seriam similares àquelas já elencadas entre os incisos I e XVII, o inciso XVIII do mesmo dispositivo legal faz uso de verdadeira interpretação analógica para admitir, expressamente, a ampliação de sua competência para outras matérias, desde que observadas as atribuições definidas no caput do art. 3º-B, quais sejam, o controle da legalidade da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário.

Bom exemplo de aplicação desse inciso refere-se à necessidade de notificação do acusado para apresentação da denominada “defesa preliminar[23]”, leia-se, uma espécie de oportunidade procedimental que o acusado tem de ser ouvido pelo magistrado antes do juízo de admissibilidade da peça acusatória, a ser apresentada entre o oferecimento e o recebimento da peça acusatória.

No âmbito criminal, está prevista apenas em alguns procedimentos especiais, quais sejam Lei de Drogas (art. 55, caput, da Lei n. 11.343/06), procedimento originário dos Tribunais (art. 4º da Lei n. 8.038/90), Juizados Especiais Criminais (art. 81 da Lei n. 9.099/95) e crimes funcionais afiançáveis (CPP, art. 514).

Não consta do teor art. 3º-B do CPP nenhuma menção à competência do juiz das garantias para determinar a notificação do acusado para apresentar a defesa preliminar.

Porém, se levarmos em consideração que a ele compete decidir sobre o recebimento da peça acusatória (CPP, art. 3º-B, XIV), e, consequentemente, também sobre os atos procedimentais que eventualmente lhe antecedam, há de se concluir que também será dele a competência para notificar o acusado para fins de apresentação da defesa preliminar[24] nos procedimentos especiais acima citados.

Consoante disposto na primeira parte do art. 3º-C, caput, do CPP, introduzido pela Lei n. 13.964/19, a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo.

Esta simples assertiva, de que a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, certamente terá o condão de provocar várias controvérsias[25], dentre estas a (in) existência de juiz das garantias nos Tribunais, no âmbito do Tribunal do Júri, na Justiça Militar e na Justiça Eleitoral, no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher, nos juízos colegiados, (in) existência de Ministério Público das Garantias, etc.

Constata-se, portanto, separadamente, cada uma dessas questões. Antes, porém, convém destacarmos a única ressalva expressa feita pelo Pacote Anticrime no tocante à aplicação do juiz das garantias, qual seja, as infrações penais de menor potencial ofensivo.

De acordo com o disposto no art. 3º-C, caput, do CPP, introduzido pela Lei n. 13.964/19, “a competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código” (meu grifo).

Teoricamente, se justifica plenamente a ressalva feita pela lei as infrações de menor potencial ofensivo, pois dão ensejo em geral à lavratura de mero termo circunstanciado, e não propriamente à instauração de inquéritos policiais.

Portanto, se não existe a investigação criminal, mas apenas a colheita de dados necessários à identificação dos envolvidos (autor e vítima), além de testemunhas, bem como a descrição resumida do fato delituoso, sendo bem remota a possibilidade de adoção dos meios de obtenção de provas tais como a interceptação telefônica, ou de medidas cautelares de natureza pessoa ou real, como por exemplo, a prisão temporária, não faz sentido a implementação do juiz das garantias nesses expressos casos.

Enfim, a introdução da figura do juiz das garantias no Código de Processo Penal pela Lei n. 13.964/19 deverá provocar grande discussão quanto a sua (in) constitucionalidade formal e material.

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. Juiz de garantias ou garantias protegidas pelo juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6261, 22 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84672. Acesso em: 24 nov. 2024.

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