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Resenha baseada no livro Racismo Estrutural, de Silvio de Almeida

Agenda 25/09/2020 às 15:15

O livro de Silvio de Almeida elucida diferentes tipos de racismo e enfatiza o amplo alcance da questão no Brasil.

Ultimamente, vários veículos de comunicação disseminaram alguns vídeos de práticas racistas, trazendo à tona um debate antigo, mas cada vez mais necessário. Diria que urgente, face à onda obscurantista liderada por populistas/nacionalistas que tentam, a todo o custo, legitimar o ódio em escala internacional.

Acontece que, com o advento das mídias sociais, as chamadas milícias digitais também ganharam espaço, fazendo com que o ódio seja espalhado por todo o mundo em fração de segundos. Angariando, dessa forma, diversos aliados engajados com o fim do espaço democrático (apesar de se utilizarem desse mesmo espaço democrático para poderem alastrar seus ressentimentos).

Com isso, exsurge o tema do racismo estrutural, que, por sua vez, fica cada vez mais evidente. No entanto, o que seria o racismo estrutural?

Na definição do brilhante Silvio de Almeida ele diz, antes de tudo, que o racismo é sempre estrutural, ou seja, ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma,

(...) o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. (...)

Isto é, podemos concluir dessa leitura que existem sociedades que têm na sua própria estrutura a discriminação, privilegiando algumas raças em detrimento das outras.

Por conseguinte, em função de sua complexidade, o referido autor divide o racismo em três aspectos. O primeiro deles seria o individualista. Segundo essa concepção, o racismo seria uma espécie de “patologia” ou anormalidade. Seria um fenômeno ético ou psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a grupos isolados. Sob este ângulo, não haveria sociedades ou instituições racistas, mas indivíduos racistas, que agem isoladamente ou em grupo.

O segundo aspecto é chamado de racismo institucional, que, apesar de um certo grau de aparência com o conceito de racismo estrutural, com esse não se confunde, pois que sociologicamente as definições de instituição e estrutura descrevem eventos distintos.

O racismo institucional está atrelado ao funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça.

Nesse sentido, conforme as lições do ilustre mestre, os conflitos raciais também são parte das instituições. “Assim, a desigualdade racial é uma característica da sociedade não apenas por causa da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses políticos e econômicos. ”

Para diferenciar o racismo individual do institucional, o exemplo trazido pelo autor após citar obra de autores americanos (Charles V.Hamilton e Kwame Ture) é bastante elucidativo. Vejamos:

[...] Quando terroristas brancos bombardeiam uma igreja negra e matam cinco crianças negras, isso é um ato de racismo individual, amplamente deplorado pela maioria dos segmentos da sociedade. Mas quando nessa mesma cidade- Birmingham, Alabama –quinhentos bebês negros morrem a cada ano por causa da falta de comida adequada, abrigos e instalações médicas, e outros milhares são destruídos e mutilados física, emocional e intelectualmente por causa das condições de pobreza e discriminação, na comunidade negra, isso é uma função do racismo institucional. Quando uma família negra se muda para uma casa em um bairro branco, e é apedrejada, queimada ou expulsa, eles são vítimas de um ato manifesto de racismo individual que muitas pessoas condenarão- pelo menos em palavras. Mas é o racismo institucional que mantém os negros presos em favelas dilapidadas, sujeitas às pressões diárias de exploradores, comerciantes, agiotas e agentes imobiliários discriminatórios. [...]

 É por isso que, nessa seara, o racismo se torna “menos evidente, muito mais sutil, menos identificável em termos de indivíduos específicos que cometem os atos. ”

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O terceiro e talvez mais complexo aspecto é o chamado racismo estrutural, que, na definição de Silvio de Almeida, seria “uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional.”

Nessa esteira, o racismo se manifesta como processo político e histórico, de tal forma que cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática.

Nesse toar, concluiu o autor que, “ainda que os indivíduos que cometam atos racistas sejam responsabilizados, o olhar estrutural sobre as relações raciais nos leva a concluir que a responsabilização jurídica não é suficiente para que a sociedade deixe de ser uma máquina produtora de desigualdade racial.”

Isso porque podemos destacar que o preconceito encontra-se tão arraigado no tecido social de uma comunidade que apenas a punição não trará uma solução para esse câncer, somente mudando e repensando a própria concepção da realidade de uma nação é que se poderá falar em soluções.

Noutras palavras, é através do debate público, da compreensão de que grande parte das sociedades, sobretudo as ocidentais, construíram suas riquezas mediante o mais perverso sofrimento alheio, mediante a exploração de mão-de-obra escrava, mediante tortura e violência perpetrada, mormente, pelo homem branco em face da pessoa negra e de outros tantos grupos sociologicamente considerados minoritários, é que poderíamos apontar soluções a longo prazo.

Por isso mesmo, se partirmos de uma concepção de direito como forma de dominação e poder, isto é, sob a ótica Foucaultiana de sujeição e docilização social, compreenderemos que o racismo faz parte de toda essa estrutura de poder.

Em recente e importantíssima pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado do Rio de janeiro, constatou-se que oito em cada dez presos em flagrante são negros, e dos 23.497 homens e mulheres conduzidos a audiências de custódia de setembro de 2017 a setembro de 2019 ouvidos pela instituição, cerca de 80% declararam-se pretas ou pardas. O grupo também tem mais dificuldade de obter liberdade provisória (27,4% contra 30,8% de brancos) e sofre mais agressões (40% ante 34,5% de brancos). ¹

A pesquisa, infelizmente, retrata uma realidade que pode ser facilmente percebida no dia a dia, basta observar quem ocupa a maior parte do sistema carcerário, quem possui os piores empregos, quem habita as áreas periféricas do país assoladas pela violência doméstica e institucionalizada, bem como quem faz parte do arcabouço ignorado pelo Estado.

 Florestan Fernandes nos chamava atenção para o fato de que o brasileiro teria “uma espécie de preconceito contra o preconceito”, uma vez que prefere negar a reconhecer e atuar. É necessário que sejamos atuantes, o processo democrático e a Constituição Federal o exigem, basta ver os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estampados no artigo 3° da Carta. ²

Todavia, esses objetivos fundamentais encontram barreiras justamente no racismo, que, como dito alhures, é sempre estrutural. Desse modo, o processo de desmistificação da chamada “democracia racial” encontra-se quase que inviabilizado, ou, no mínimo, bastante obstaculizado.

Por fim, vale destacar que o filósofo norte americano e ativista negro Cornel West, disse, recentemente, que os EUA são um “experimento social fracassado”, pois que quando se trata de pessoas negras e pobres, sua economia capitalista falha; o Estado militarizado falha; sua cultura mercantil, em que tudo e todos estão à venda, falha. Se o pensador disse isso em terra norte americana, então o que falar do nosso Brasil? Parece que em terras brasilis não chegamos nem na fase de experimentação! ³


Bibliografia:

  1. https://www.conjur.com.br/2020-ago-05/cada-10-presos-flagrante-rio-sao-negros-estudo.
  2. Sobre o Autoritarismo Brasileiro/ SCHWARCZ LILIA MORITZ, 1°ed./ São Paulo: Companhia das Letras, 2019, PAG.18
  3. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/06/caso-george-floyd-os-eua-sao-um-experimento-social-falido-critica-filosofo-engajado-contra-o-racismo.ghtml

Sobre o autor
Gabriel Barros Vieira Santos

Acadêmico em Direito da Faculdade de Aracaju.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Gabriel Barros Vieira. Resenha baseada no livro Racismo Estrutural, de Silvio de Almeida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6295, 25 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85565. Acesso em: 22 nov. 2024.

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