Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O saneamento básico e o federalismo à brasileira:

Exibindo página 1 de 3

Examina-se a solução encontrada pelo STF com a modulação de efeitos em julgamento sobre repartição de competências federativas em regiões metropolitanas, a fim de evitar o caos na prestação dos serviços públicos de saneamento básico em vigor desde há muito tempo.

Ao estudarmos a autonomia municipal no Brasil, verificamos, desde logo, que o problema verdadeiro não é o de autonomia, mas o de falta de autonomia, tão constante tem sido, em nossa história, salvo breves reações de caráter municipalista, o amesquinhamento das instituições municipais.  A atrofia dos nossos municípios tem resultado de processos vários: penúria orçamentária, excesso de encargos, redução de suas atribuições autônomas, limitações ao processo da eletividade de sua administração, intervenção da polícia nos pleitos locais etc. (Victor Nunes Leal).[1]

RESUMO: Neste texto será feita uma breve análise acerca do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.842 realizado pelo Supremo Tribunal Federal, que analisa a constitucionalidade de legislação do Estado do Rio de Janeiro relativa à competência para a prestação do serviço público de saneamento básico. Serão abordados os principais fundamentos normativos e os relevantes argumentos jurídicos deduzidos nas postulações processuais e nos votos dos ministros do Tribunal, verificando se essas manifestações estão em harmonia com o ordenamento jurídico e sintonizadas com a realidade contextual. Especificamente, serão visitados os aspectos desse aludido feito judicial que versam sobre os temas do saneamento básico em consonância com os preceitos relativos ao federalismo brasileiro. Também serão levados em consideração as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional sobre o tema do saneamento básico.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Federalismo. Saneamento básico. Supremo Tribunal Federal. Congresso Nacional.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O federalismo à brasileira; 3. O saneamento básico: ordenamento jurídico e proposições legislativas; 4. ADI 1.842: postulações, manifestações e votos; 5. Conclusões; 6. Referências.


1 Introdução

O presente artigo tem como objeto o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.842[2], no qual o Supremo Tribunal Federal aprecia a validade jurídica da legislação do Estado do Rio de Janeiro relativa à competência para a prestação do serviço público de saneamento básico. Neste texto serão abordados os principais fundamentos normativos e os relevantes argumentos jurídicos deduzidos nas peças e manifestações processuais, bem como nos votos dos ministros do Tribunal. Será verificado se esses votos são harmônicos com o ordenamento jurídico e sintonizados com a realidade contextual.

Com efeito, serão visitados os aspectos desse aludido feito judicial que versam sobre o saneamento básico em consonância com o federalismo brasileiro, visto que esse tema do saneamento básico é de competência comum da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, nos termos do art. 24, inciso IX, Constituição Federal, e de interesse de toda a comunidade, tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas de direito privado.

Nessa análise, será visitada a legislação infraconstitucional, como, à guisa de exemplo, a Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico) e o respectivo decreto federal regulamentador (Decreto n. 7.217, de 21 de junho de 2010). Também serão surpreendidas as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional sobre o saneamento básico, como sucede, por exemplo, com o Projeto de Lei n. 4.162/2019[3], assim como o pertinente magistério doutrinário[4].

O tema se justifica tanto pelos aspectos estritamente normativos quanto pelos aspectos fáticos. No plano normativo constitucional, recorde-se que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, inciso XX, CF), que é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, inciso IX, CF), que compete ao sistema único de saúde participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, inciso IV, CF) e a exceção contida no art. 103, parágrafo único, ADCT[5], autorizando desapropriações para fins de necessidade pública nas áreas de saúde, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação de interesse social.

Portanto, a questão do saneamento básico envolve os interesses políticos de todos os entes federativos e de toda a sociedade, razão pela qual é uma das pautas mais relevantes de políticas públicas no Brasil. Com efeito, no parecer que proferiu na qualidade de relator na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei n. 3.261/2019, posteriormente apensado ao aludido Projeto de Lei n. 4.162, de 2019, o deputado federal Geninho Zuliani[6] assinalou:

Os números do saneamento básico no Brasil ainda são catastróficos, indicando que uma solução urgente precisa ser buscada para reverter essa situação. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que, no ano 2017, pouco mais de 80% da população brasileira tinham acesso a serviço de abastecimento de água, mas apenas metade dos cidadãos contava com serviço de coleta de esgotamento sanitário em suas casas. O tratamento de esgoto é outro problema sério, pois do total de esgoto coletado, pouco mais de 70% tiveram algum tipo de tratamento antes de serem lançados nos corpos d’água. Os números mostram que o déficit de coleta e tratamento de esgoto no Brasil é maior do que o de países com índices de desenvolvimento humano similares ao nosso.  

Diante desses aludidos aspectos factuais dramáticos, são inquestionáveis os impactos das carências de saneamento básico na vida de milhões de brasileiros e os reflexos negativos em outros setores da vida em sociedade, inclusive com prejuízos econômicos, além dos inegáveis problemas de saúde pública para as pessoas mais carentes, que envergonham uma sociedade que se quer decente e civilizada.

Daí que, seja pelos aspectos normativos (a complexidade jurídica e política do marco legal do saneamento no federalismo brasileiro) seja pelos aspectos fáticos (a imperiosa necessidade de implementação e concretização de medidas administrativas, ações governamentais e políticas públicas), esse tema do saneamento básico merece uma reflexão a partir do citado processo da ação direta de inconstitucionalidade n. 1.842.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos


2. O federalismo à brasileira

No aspecto estritamente formal, a experiência normativa e política do federalismo brasileiro principia com a proclamação da República[7] e com a promulgação da Constituição de 1891[8]. Essa formalização constitucional do federalismo como modelo de repartição espacial das competências políticas teve como fonte inspiradora a experiência política dos Estados Unidos da América[9], cuja Constituição de 1787[10] reflete a divisão interna e espacial (ou territorial) do poder político entre os Estados e a União, com a reconhecida influência dos autores “Federalistas” [11].  

Tenha-se que, segundo José Alfredo de Oliveira Baracho[12], não há um único tipo de federalismo, mas há para cada Estado, seja República ou Monarquia, que escolhe adotar esse modelo de estrutura organizacional, o seu próprio federalismo, de sorte que em alguns há uma maior parcela de competências centralizadas na União, noutros há uma maior descentralização com atribuições de competências aos Estados e/ou aos Municípios, segundo as contingências históricas, políticas e culturais de cada povo. [13] Daí utilizar-se a expressão “federalismo à brasileira”, para deixar claro que o modelo federativo brasileiro e a sua prática é decorrência das circunstâncias e das necessidades que forjaram a nossa prática política.

Versando sobre os tipos de federalismo na experiência constitucional brasileira assinalou Celso de Mello[14]:

A autonomia dos Estados-membros constitui um dos elementos essenciais à própria conceptualização do Estado Federal, cujo tipo histórico, variável na evolução do constitucionalismo brasileiro – federalismo dual ou dualista (CF 1891), federalismo de cooperação (CF 1934), federalismo de integração (Carta de 1967) – enseja abordagens várias, quer a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada (federalismo de equilíbrio e federalismo hegemônico)...   

Nada obstante, mesmo sob a égide da Constituição de 1891, com o seu federalismo “dual”, estava prescrito o dever de a União socorrer os Estados, em caso de calamidade pública, bem como o dever dos Estados de respeitarem a autonomia dos seus Municípios, sob pena de intervenção federal. [15] Raul Machado Horta[16] leciona que os Estados federados atingiram o apogeu de autonomia política na Constituição de 1891, sem que houvesse, pelo menos no plano das formalidades constitucionais, mútua intromissão da União nos assuntos e temas dos Estados, destes nos assuntos e temas dos Municípios, e desses entes federativos nos assuntos de domínio da União[17]. Esse distanciamento territorial e dominial, pelo menos nos aspectos das formalidades constitucionais, vigeu até a Constituição de 1934.

A partir do constitucionalismo social[18] inaugurado, no Brasil, com a Constituição de 1934 surge o denominado “federalismo cooperativo”. Por constitucionalismo social entende-se o conjunto de preceitos normativos constitucionais dispondo sobre direitos e deveres sociais, e atribuindo ao Estado a missão de intervir em temas como educação, saúde, trabalho, família, cultura e outros assuntos que tradicionalmente não constavam nas constituições liberais.[19] Nessa Constituição de 1934 constavam preceitos que autorizavam acordos entre a União e os Estados para melhor coordenação e desenvolvimento dos respectivos serviços[20], bem como preceitos sobre a competência concorrente entre a União e os Estados ou preceitos que cuidavam da repartição das arrecadações de impostos pela União, pelos Estados e pelos Municípios[21].

O fato é que até a vigente Constituição de 1988, ora com maior ou menor grau, tem havido uma mútua invasão nas relações políticas e jurídicas entre os entes federativos. [22] Com efeito, os capita dos artigos 1º[23] e 18[24] da Constituição de 1988 prescrevem a forma federativa como estrutura político-constitucional da República brasileira e enunciam, em preceitos normativos similares, que a República é una, independente e soberana, e que a Federação é indissolúvel e com autonomias constitucionais da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

A soberania[25] é atributo exclusivo da República e significa o poder incontrastável que tem o Brasil de impor, em seus domínios territoriais, as suas decisões políticas e normativas. A autonomia[26] é concessão da República à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, e significa o direito que cada um desses entes federativos tem de autogoverno, segundo os limites estabelecidos na Constituição da República.  

Em suma, a República[27] é soberana, enquanto União[28], Estados[29], Municípios[30] e Distrito Federal[31] são autônomos. Na Constituição, também há as figuras dos Territórios[32] (art. 33, CF) e das Regiões[33] (art. 43, CF), mas nem estas nem aqueles usufruem do direito constitucional de autonomia política. A República[34] é o todo político-normativo, e a Federação[35] é a fragmentação interna desse todo político-normativo chamado República.   Soberania é o poder (força capaz de impor sua decisão e vontade) da República, enquanto autonomia é direito (exercício regular e autorizado de possibilidade fática) dos entes federativos.[36] E esse direito está constitucionalmente delineado. [37]

Na Constituição de 1988 há um catálogo de dispositivos que enunciam as competências de cada um desses entes federativos. Nos artigos 21[38], 22[39], 23[40] e 24[41],  25[42], 30[43] e 32[44] lê-se o rol explícito de preceitos que cuidam dos vários tipos de competências constitucionais (exclusivas, privativas, concorrentes e comuns) [45]. Além desses artigos referidos, há vários dispositivos constitucionais esparramados que também enunciam competências dos entes federativos, em decorrência daquele rol explícito, como sucede, por exemplo, com os artigos 179[46] e 180[47].

À luz do texto constitucional, em alguns casos há poucas dúvidas e complexidade, como sucede, por exemplo, com a competência exclusiva e indelegável da União para, em nome da República, manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais ou para declarar a guerra e celebrar a paz (art. 21, incisos I e II, CF). Todavia dúvidas podem surgir nas competências privativas e delegáveis da União em legislar sobre normas gerais de licitação e contratação pública (art. 22, inciso XXVII, CF). Nessa linha, a complexidade aumenta em face das competências comuns e cooperativas, como sucede com o dever de preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, inciso VII, CF) e também se amplifica nas competências legislativas concorrentes, como, por exemplo, na relativa à proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, inciso VII, CF).

 Nessa perspectiva, a questão das competências constitucionais se torna complexa e suscita dúvidas, inclusive na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[48], sobretudo em face das competências comuns e concorrentes, como se viu das discussões encetadas por ocasião das políticas públicas, medidas administrativas e ações governamentais para o enfrentamento da calamidade pública decorrente da COVID-19[49].

Daí que, diante do esquadro constitucional, o tema do saneamento básico é de alta complexidade normativa, visto que, conforme já assinalado, envolve competências exclusivas, comuns e concorrentes de todos os entes federativos, e para a sua normatização há uma pletora legislativa em vigor e tramitam projetos de lei visando estabelecer marcos regulatórios e normativos para a regulação desse serviço público, reveladores das peculiaridades caracterizadoras do “federalismo à brasileira”.


3. O saneamento básico: ordenamento jurídico e proposições legislativas

Recorde-se que no texto constitucional compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, inciso XX, CF), que é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23, inciso IX, CF), que compete ao sistema único de saúde participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, inciso IV, CF).  No art. 103, parágrafo único, ADCT, consta autorização para desapropriações para fins de necessidade pública nas áreas de saúde, educação, segurança pública, transporte público, saneamento básico e habitação de interesse social.

No plano legal, há a Lei Federal n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico) e o Decreto federal n. 7.217, de 21 de junho de 2010, que regulamenta a referida Lei 11.445/2007. Não se olvide da Lei Federal n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade). Some-se aos citados diplomas normativos federais uma pletora de leis estaduais e municipais que regulam os respectivos planos de saneamento básico. À maneira de exemplo, a Lei Complementar n. 1.025, de 7 de dezembro de 2007, do Estado de São Paulo, ou com a Lei n. 14.934, de 18 de junho de 2009, do Município de São Paulo. Portanto, legislação normatizando o tema do saneamento básico há às mancheias, como a própria legislação do Estado do Rio de Janeiro que foi impugnada perante o STF nos autos da citada ADI 1.842.

Pois bem. Nos termos do art. 3º[50] da referida Lei 11.445/2007, o saneamento básico consiste no conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário, de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza e fiscalização das redes urbanas.

No art. 2º[51] da citada Lei 11.445/2007 estão elencados os princípios fundamentais de como os serviços públicos de saneamento básico devem ser prestados, como o acesso universal, proteção à saúde pública e ao meio ambiente, eficiência e sustentabilidade econômica, respeito às peculiaridades locais e regionais, dentre outros. Há comando que direciona a integração das infraestruturas e serviços de saneamento básico com a gestão eficiente dos recursos hídricos, bem como a adoção de medidas de fomento à moderação do consumo de água. Nessa Lei, no art. 4º, está prescrito que os recursos hídricos não integram os serviços públicos de saneamento básico.

Em tópico que está diretamente relacionado à ADI 1.842, está prescrito no art. 8º da Lei 11.445/2007 que os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços por meio de consórcios públicos. Nada obstante, foram editadas as Medidas Provisórias ns. 844 e 868, respectivamente de 6 de julho, e de 27 de dezembro, todas do ano de 2018, que alteraram a redação do aludido art. 8º estabelecendo que os Municípios e o Distrito Federal são os titulares desses agitados serviços públicos, bem como determinando que na hipótese de interesse comum, o exercício da titularidade dos serviços de saneamento básico seria realizado por meio de colegiado interfederativo formado a partir da instituição de região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, ou de instrumentos de gestão associada, por meio de consórcios públicos ou de convênios de cooperação. Essas MPvs 844/2018 e 868/2018 caducaram e houve repristinação normativa da redação originária do art. 8º da Lei 11.445/2007.

Ante essa situação legislativa e diante da necessidade de atualização dos marcos normativos regulatórios, está tramitando o mencionado Projeto de Lei n. 4.162/2019[52]. A ambiciosa pretensão desse referido PL consiste em assegurar a necessária segurança jurídica para que os investidores, públicos ou privados, se interessem em canalizar os recursos necessários para a melhoria dos serviços públicos de saneamento básico e para a universalização deles. Sem segurança jurídica, não há condições para a concretização dos direitos fundamentais sociais que exigem um conjunto de ações, medidas, estruturas e esforços para a sua materialização, como sucede com o saneamento básico, que é um tema de extrema dramaticidade social e de alta relevância política. [53]

As proposições legislativas contidas nesse PL 4.162/2019 que imediatamente interessam serão visitadas. Com efeito, atribui-se à Agência Nacional de Águas – ANA a competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico por seus titulares e suas entidades reguladoras e fiscalizadoras.  Se essas proposições legislativas forem aprovadas, a ANA terá o dever de zelar pela uniformidade regulatória e pela segurança jurídica na prestação dos serviços de saneamento básico, devendo essa Agência, inclusive, contribuir para a articulação entre os planos nacionais de saneamento básico, de resíduos sólidos e de recurso hídricos. 

No concernente à titularidade desses serviços de saneamento básico e no tocante aos modelos de sua prestação, nesse PL 4.162/2019 há proposta no sentido de deixar clara que a titularidade é do Município e do Distrito Federal, no caso de interesse local, ou do Estado, em conjunto com os Municípios, que compartilhem instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Também se autoriza a criação de autarquia intermunicipal com a finalidade de prestar os serviços para mais de um Município. Há no PL 4.162/2019 incentivos para que os serviços de saneamento básico sejam prestados de modo regionalizado. Esses incentivos se justificam sobretudo pelos altos investimentos necessários para uma adequada e eficiente prestação.

Nesse PL 4.162/2019 há proposições que visam garantir a segurança jurídica das convenções vigentes, de sorte a não prejudicar atos jurídicos perfectibilizados nem afugentar investidores, demonstrando estabilidade normativa e boa-fé administrativa, requisitos indispensáveis para atrair os necessários recursos para fazer face aos desafios do problema saneamento básico. Em síntese, as proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional ambicionam modificar os parâmetros normativos e os paradigmas político-administrativos relativos ao saneamento básico.

Esse PL 4.162/2019 teve como umas das causas políticas indiretas o julgamento da citada ADI 1.842, que passaremos a analisar.

Sobre os autores
Christianne Dias Ferreira

Presidente da Agência Nacional de Águas; professora universitária, mestra e doutoranda em Direito das Políticas Públicas, Centro Universitário de Brasília.

Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Christianne Dias; ALVES JR., Luís Carlos Martins. O saneamento básico e o federalismo à brasileira:: Uma breve análise acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.842. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6383, 22 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87319. Acesso em: 24 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!