O tema violência doméstica ainda é bastante menosprezado, encarado com certo desdém e, não raro, como um "cortina de fumaça" feminista.
As estatística pós pandemia, de acordo com o Monitor da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher no Período de Isolamento Social, do Instituto de Segurança Pública (ISP), apontam mais de 122 mil casos de lesão corporal decorrente de agressão doméstica em 2020 no Brasil. Mas, na verdade, o número é bem superior, considerando que muitas vítimas mantém os maus-tratos em segredo, seja por vergonha, medo ou por dependência emocional ou financeira.
Entretanto, a agressão física não é o único tipo de violência doméstica e familiar.
Observe a terminologia: Domestica e familiar, não inclui apenas relação em casal. É aquela que ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.
Esclarecendo os conceitos:
Violência familiar é a violência que acontece dentro da família, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).
O conceito de Violência Doméstica diz que todo tipo de violência praticada entre os membros que habitam um ambiente familiar em comum, podendo carregar laços de sangue (pais e filhos) ou unidas de forma civil (como marido e esposa, cunhado (s) ou genro e sogra, padrasto), podendo acontecer em espaços públicos como privados.
No Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V, da Lei nº 11.340/2006, estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
Em regra, a violência contra a mulher é caracterizada por qualquer conduta (ação ou omissão) de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial.
Os cinco tipos de violência doméstica, com o aprimoramento da doutrina e da jurisprudência, tiveram desdobramentos quanto aos atos praticados. Basicamente são:
Violência física: ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa.
Violência moral: ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da vítima.
Violência patrimonial: ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.
Violência psicológica: ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.
Violência sexual: ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com o uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.
Exemplos de Situações de Violência
Como explicado anteriormente, a Lei Maria da Penha também prevê as situações de violência psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Alguns exemplos:
1. Humilhar, xingar e diminuir a autoestima
Condutas como humilhação, desvalorização moral ou deboche público (presencial ou online) constam como tipos de violência emocional.
2. Fazer a mulher achar que está ficando louca
Termo usado na psicologia: Gaslighting. Muito sutil, perversa e contínua. Uma forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir situações para deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade. O termo gaslighting foi baseado no filme Gaslight, de 1944, onde o marido manipula sua mulher com sutileza, até convencê-la de que ela imagina coisas e a fez duvidar da sua sanidade.
3. Controle e Opressão
Aqui o que conta é o comportamento obsessivo do homem sobre a mulher, como querer controlar o que ela faz, controlar o que ela vestirá, não a deixar sair, isolar sua família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail. As condutas descritas podem caracterizar violência psicológica.
4. Exposição da vida íntima
Falar sobre a vida do casal para outros é considerado uma forma de violência moral, como, por exemplo, vazar fotos íntimas nas redes sociais por vingança ou como forma de manipulação.
5. Arremessar objetos, sacudir e apertar os braços
Nem toda violência física é o espancamento, tapas, socos ou pontapés. São considerados também como abuso físico as tentativas de arremessar objetos com a intenção de machucar, sacudir e segurar com força a pessoa.
6. Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigar aborto
O ato de impedir uma mulher de usar métodos contraceptivos, como a pílula do dia seguinte ou o anticoncepcional, é considerado uma prática da violência sexual, assim como obrigar uma mulher a abortar.
7. Controle Financeiro ou retenção de documentos (Passaporte, RG, CPF, etc)
A conduta de tentar controlar, guardar ou tirar o dinheiro da mulher contra a sua vontade, assim como reter documentos pessoais, configura a violência patrimonial.
8. Quebra de objetos ou joga-los fora
Outra forma de violência ao patrimônio é causar danos, de propósito, a objetos dela: quebrar, rasgar, atear fogo, jogar no lixo ou pela janela, etc.
9. Interferir na liberdade de ir e vir
Exigências como horários para ir e vir, troca de fechaduras, trancar a porta para impedir a entrada ou saída de casa também são exemplos de violência.
Todas essas atitudes podem gerar o chamado dano psíquico, caracterizado quando observados sintomas relacionados ao transtorno de estresse pós-traumático, diagnosticado através de critérios da Organização Mundial da Saúde e por profissional habilitado.
Aos que desfrutam de relações saudáveis, as atitudes acima descritas soam como um completo disparate, um filme de terror ou uma novela de mau gosto.
Entretanto, a violência doméstica e familiar não escolhe gênero ou classe social, nem merece os olhos de julgamento da sociedade, tampouco dos magistrados. Cada situação é única e merece ser observada com respeito e empatia.
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