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Sanções administrativas aplicáveis nos contratos administrativos

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Agenda 28/03/2021 às 16:16

1 INTRODUÇÃO

 

         O escopo do presente artigo jurídico é o exame detalhado das sanções administrativas aplicadas pela Administração Pública no âmbito dos contratos administrativos, à luz das diversas fontes do Direito, considerando, inclusive, a redação final do Projeto de Lei 4253/20 (PL da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos), aprovado pelo Senado Federal em 10/12/2020, fazendo-se mister destacar que a sua redação final foi apresentada no Parecer nº 10/2021 - PLEN/SF, com adequações de técnica legislativa.

         Quanto ao referido Projeto de Lei, impende esclarecer que confere à Administração Pública a opção de, até o decurso do prazo de 2 (dois) anos da publicação oficial da lei que resultar desse PL, licitar conforme essa nova lei ou segundo a Lei 8666 (Lei Geral de Licitações e Contratos atualmente vigente), a Lei 10520 (Lei do Pregão) ou os arts. 1º a 47-A da Lei 12462 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas), devendo indicar expressamente no instrumento convocatório a opção escolhida, segundo a qual, será regido o contrato respectivo por toda a sua vigência, proibida a aplicação combinada da Nova Lei Geral de Licitações com a Lei 8666, a Lei 10520 e os arts. 1º a 47-A da Lei 12462, normas essas que serão revogadas pela lei resultante do PL, quando ultimado esse prazo de 2 (dois) anos, com a ressalva de que a revogação dos arts. 89 a 108 da Lei 8666 está prevista para a data da publicação da nova lei.

 

2 SANÇÕES ADMINISTRATIVAS APLICÁVEIS NO ÂMBITO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

 

2.1 Aspectos gerais

 

         De acordo com o entendimento consolidado da doutrina administrativista, a prerrogativa estatal de aplicação de sanção administrativa ao contratado que incorrer em inexecução parcial ou total do contrato administrativo se consubstancia em cláusula exorbitante, que é intrínseca aos contratos administrativos, como determina o art. 58, IV, da Lei 8666.

         Tal prerrogativa estatal é expressão do Poder Disciplinar da Administração Pública, pautando-se na supremacia especial da Administração Pública contratante em relação ao contratado. A respeito segue lição do renomado doutrinador Rafael Oliveira:

O poder disciplinar é a prerrogativa reconhecida à Administração para investigar e punir, após o contraditório e a ampla defesa, os agentes públicos, na hipótese de infração funcional, e os demais administrados sujeitos à disciplina especial administrativa. O poder disciplinar é exercido por meio do Processo Administrativo Disciplinar (PAD). (OLIVEIRA, 2020, p. 295)

         Desse conceito doutrinário se extrai um ponto crucial: a necessidade da observância dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sob pena de nulidade (art. 5º, LIV e LV, da CRFB). Nesse sentido, o art. 87, caput, § 2º, da Lei 8666 prevê a garantia da prévia defesa.

         Outro aspecto geral importante é o princípio da independência das instâncias, segundo o qual, as instâncias administrativa, civil e penal são, em regra, independentes, despontando como exceção a decisão penal absolutória fundamentada na negativa da autoria ou na inexistência do fato, decisão essa que interfere nas demais instâncias. Ademais, é possível a responsabilização em todas as searas, como prevê o artigo 82 da Lei 8666.

 

2.2 Espécies de sanções administrativas

 

         O artigo 86 da Lei 8.666 disciplina a multa por atraso injustificado na execução do contrato. As demais sanções administrativas são previstas no caput do artigo 87 da Lei Geral de Licitações e Contratos, “in verbis”:

Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. (BRASIL, 1993, grifos inseridos)

         À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que consistem na acepção material do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CRFB), sendo, portanto, princípios constitucionais implícitos, a aplicação pela Administração contratante de sanção ao contratado deve ser razoável e passar pelo teste da proporcionalidade, isto é, deve ser adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

         Sob essa ótica, em consonância com o entendimento dos doutrinadores administrativistas, a exemplo de Rafael Oliveira, a advertência é aplicada para infração leve, a multa, para infração média, a suspensão de participação em licitação e impedimento de contratar, para infração grave e a declaração de inidoneidade, para infração gravíssima, sendo que, com fulcro na interpretação “a contrario sensu” do art. 87, § 2º, da Lei 8666, conclui-se que apenas a multa pode ser cumulada com outra dessas sanções.

         A respeito do limite da multa, vale destacar que o Tribunal de Contas da União tem recente precedente no sentido de que a multa contratual resultante da inexecução total do objeto contratual está sujeita ao limite de 10% do valor do contrato, nos termos do artigo 9º do Decreto 22626/33, revigorado pelo Decreto s/no de 29/11/1991 (Acórdão 2274/2020, Plenário do TCU, Representação, Rel. Min. Raimundo Carreiro, que remete ao Acórdão 145/2004, Plenário do TCU, Rel. Ministro-Substituto Marcos Bemquerer). Já o Projeto de Lei 4253/20 (PL da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos) prevê para a multa o limite de 30% do valor do contrato, estabelecendo, ainda, patamar mínimo de 0,5%.

         Outro ponto relevante é que a Lei 8666 prevê, no seu art. 86, §§ 2º e 3º e no seu art. 87, § 1º, que a Administração contratante desconta da garantia o valor da multa, sendo que, se o valor da multa for superior ao da garantia, além da perda da garantia, a diferença será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração contratante ou cobrada pela via judicial. Por isso a doutrina administrativista aponta que a cobrança de multa aplicada nos contratos administrativos é autoexecutória, isto é, independe de manifestação do Poder Judiciário, sendo exceção, portanto, à regra de que a cobrança de multa pela Administração Pública não é dotada de autoexecutoriedade.
         Ademais, impende destacar que, por força do art. 87, § 3º, da Lei 8666, a sanção de declaração de inidoneidade é atribuição exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou do Secretário Municipal, a depender do âmbito federativo do contratante.
         Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, no MS 30.788/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno, j. 21.05.2015, DJe 152 04.08.2015, Informativo 786, decidiu que é constitucional o artigo 46 da Lei 8443, que prevê como atribuição do Tribunal de Contas da União a declaração de inidoneidade do licitante fraudador da licitação para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.
         Isso porque esse dispositivo legal instrumentaliza a missão constitucional do TCU de auxiliar o Legislativo no controle externo voltado à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública Federal, nos termos dos arts. 70 e ss. da CRFB. Ademais, o STF, em consonância com seu precedente firmado na Pet 3606 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 21.09.2006, entendeu que o artigo 46 da Lei 8443/92 não foi derrogado pelo artigo 87 da Lei 8666/93, uma vez que a declaração de inidoneidade prevista no artigo 46 da Lei 8443/92 não se confunde com o artigo 87 da Lei 8666/93, na medida em que esse dispositivo da Lei Geral de Licitações é dirigido somente ao controle interno da Administração Pública e apresenta aplicação mais abrangente, de forma que são dispositivos legais com objetivos e aplicações diferentes.
         Concluída a exposição inicial das sanções previstas na Lei 8666, cumpre citar o artigo da Lei do Pregão que prevê sanção administrativa:

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Art. 7º  Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais. (BRASIL, 2002, grifos inseridos)

         Por sua vez, o Projeto de Lei 4253/20 (PL da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos) prevê as seguintes sanções administrativas: advertência; multa; impedimento de licitar e contratar; declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
         A propósito, vale destacar que o PL 4253/20 prevê prazo máximo de 3 (três) anos do impedimento de licitar e contratar, bem como prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos para a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
         Em adicional, o PL 4253/20 alterou a competência exclusiva para aplicação da declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, determinando o seguinte: quando adotada por órgão do Poder Executivo, a competência exclusiva será de Ministro de Estado/Secretário e, quando aplicada por autarquia ou fundação, será da sua autoridade máxima; quando adotada por órgãos dos demais Poderes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública no exercício da função administrativa, será de competência exclusiva de autoridade de nível hierárquico compatível com as já citadas, na forma de regulamento.

         Ademais, desponta como novidade a previsão no PL 4253/20 de prazo prescricional para aplicação do impedimento de licitar e contratar e da declaração de inidoneidade para licitar ou contratar, prazo esse de 5 (cinco) anos contados da ciência da infração pela Administração.

         Outra inclusão que merece destaque é a previsão no PL 4253/20 da possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica quando utilizada com abuso de direito a fim de facilitar, esconder ou dissimular a prática dos atos ilícitos ou visando à confusão patrimonial, de forma que a desconsideração em tela acarreta a extensão de todos os efeitos das sanções sofridas pela pessoa jurídica aos seus administradores, aos seus sócios com poderes de administração, à pessoa jurídica que a suceder e à empresa da mesma área com relação de coligação ou controle, de fato ou de direito, com o penalizado, observados os princípios do contraditório e da ampla defesa e a obrigatoriedade de análise jurídica prévia. Nesse sentido já era o entendimento doutrinário e jurisprudencial, valendo citar precedente da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RMS 15.166/BA) e precedente do Plenário do Tribunal de Contas da União (Acórdão 2.958/12), respectivamente:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. - A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. - A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. - Recurso a que se nega provimento. (BRASIL, 2003, grifos inseridos)

A declaração de inidoneidade de determinada empresa só pode ser estendida a outra de propriedade dos mesmos sócios quando restar demonstrada ter sido essa última constituída com o propósito deliberado de burlar a referida sanção.

O relator (...) Acrescentou que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar RMS 15166/BA, considerou possível estender os efeitos da “sanção de inidoneidade para licitar” a outra empresa com o mesmo objeto social, mesmos sócios e mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar. Ressaltou, no entanto, que tal solução pressupõe a caracterização de burla à licitação (BRASIL, 2012, grifos inseridos)

 

2.3 Abrangência da suspensão temporária de participação em licitação e do impedimento de contratar com a Administração (art. 87, III, da Lei 8666), da declaração de inidoneidade (art. 87, IV, da Lei 8666), do impedimento de licitar e contratar (artigo 7º da Lei 10520) e das sanções correlatas previstas no PL 4253/20

 

         Existe intenso dissenso doutrinário, bem como entre o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas da União, no que tange à amplitude dos efeitos da sanção de suspensão de participação em licitação e impedimento de contratar e da penalidade de declaração de inidoneidade. Despontam três teses doutrinárias a respeito.

         A primeira é no sentido dos efeitos restritivos dessas sanções, isto é, seu âmbito de aplicação é limitado ao ente estatal em que foram aplicadas. Isso com fulcro na autonomia federativa (art. 18 da CRFB), que é corolário do princípio federativo (art. 1º, caput e art. 60, §4º, I, ambos da CRFB), na diretriz de Hermenêutica Jurídica no sentido de que norma restritiva, como a sancionadora, deve ser interpretada restritivamente e no princípio da competitividade (art. 3º, §1º, I, da Lei 8666), na medida em que maior amplitude dessas sanções acarretaria o afastamento dos sancionados dos certames licitatórios, restringindo a competitividade e consequentemente diminuindo a probabilidade de a Administração Pública obter proposta mais vantajosa. Nesse sentido é o entendimento do doutrinador Marcos Juruena Villela Souto.

         Enquanto que, de acordo com a segunda tese doutrinária, a sanção de suspensão de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração tem efeitos restritivos, incidindo somente em relação ao ente que aplicou a sanção, enquanto que a declaração de inidoneidade tem efeitos extensivos, isto é, sobre a Administração Pública Direta e Indireta de todos os âmbitos federativos.

         Isso com base na interpretação sistemática do art. 87, III e IV com o art. 6º, XI e XII, todos da Lei 8666, considerando que o inciso III do artigo 87 prevê que a suspensão se aplica à “Administração”, sendo que, de acordo com o inciso XII do artigo 6º, esse termo significa “órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”, enquanto que o inciso IV do artigo 87 estabelece que a declaração de inidoneidade se aplica à “Administração Pública”, que, nos termos do inciso XI do artigo 6º, é “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”. Nessa linha é o entendimento de Jessé Torres Pereira Junior.

         Já conforme a terceira tese, as sanções em tela apresentam efeitos extensivos à Administração Pública Direta e Indireta de todas as searas federativas, pautando-se nos seguintes argumentos: imprecisão da diferença entre as expressões “Administração Pública” e “Administração”, especialmente considerando que a doutrina concebe tais expressões como sinônimas; não há ofensa à autonomia federativa (corolário do princípio federativo), na medida em que o caput do artigo 37 da CRFB estabelece que toda a Administração Pública deve observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, de forma que um ente federativo/órgão público contratar sancionado por outro ente federativo/órgão público atenta contra tais princípios, sendo irrazoável entender que a contratação de uma empresa sancionada arrisque apenas o ente sancionador. Nesse sentido entendem Rafael Carvalho Rezende Oliveira e José dos Santos Carvalho Filho.

         O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é na mesma linha da terceira tese, como se depreende da decisão prolatada no REsp 151.567/RJ, “in verbis”:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA. DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA. LEGALIDADE. LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III. - É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras. - A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum. - A limitação dos efeitos da suspensão de participação de licitação não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. - Recurso especial não conhecido. (BRASIL, 2003, grifos inseridos)

         O atual entendimento do Tribunal de Contas da União diverge parcialmente do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como se depreende de trecho do voto do relator do Acórdão 2530/2015 do Plenário do TCU (Min. Bruno Dantas), Acórdão esse prolatado com fundamento no voto do relator:

8. No meu entender, a Lei 10.520/2002 criou mais uma sanção que pode integrar-se às previstas na Lei 8.666/1993. Se pode haver integração, não há antinomia. A meu ver, o impedimento de contratar e licitar com o ente federativo que promove o pregão e fiscaliza o contrato (art. 7º da Lei 10.520/2002) seria pena mais rígida que a mera suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com um órgão da Administração (art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993) e mais branda que a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com toda a Administração Pública (art. 87, inciso IV, da Lei 8.666/1993).

9. Tal entendimento possui amparo em diversas deliberações apontadas pelo Acórdão 2081/2014-TCU-Plenário e pela unidade instrutiva, como, por exemplo, os Acórdãos 3.243/2012, 3.439/2012, 3.465/2012, 408/2013, 739/2013, 842/2013, 1.006/2013, 1.017/2013, 2.073/2013, 2.242/2013, 2.556/2013 e 1.457/2014, todos do Plenário. (BRASIL, 2015, grifos inseridos)

         Contrariamente ao STJ, o TCU atualmente entende que a sanção de suspensão de participação de licitação e de impedimento de contratar (art. 87, III, da Lei 8666) apenas impede o sancionado de participar de licitações e de contratar junto ao órgão ou entidade que a aplicou (Acórdãos do Plenário do TCU 266/2019, 2962/2015, 2242/2013 e 842/2013). Em acréscimo, impende destacar que, no Acórdão 2788/2019, o Plenário do TCU corroborou esse entendimento, aplicando, ainda, o princípio da unidade administrativa, entendendo que a sanção constante no art. 87, III, da Lei 8666 aplicada pelo Exército produz efeitos perante a Marinha e a Aeronáutica, tendo em vista que, segundo o artigo 20 da LC 97 e o art. 142 da CRFB, os Comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica integram o Ministério da Defesa, como órgão federal, fazendo-se mister, portanto, o respeito ao princípio da unidade administrativa.

         Já no tocante à sanção de impedimento de licitar e contratar prevista no artigo 7º da Lei 10520, a jurisprudência do TCU é no sentido de que os seus efeitos não incidem somente sobre o órgão/entidade sancionador, e sim sobre toda a esfera do respectivo ente federativo (Acórdãos do Plenário do TCU 269/2019, 819/2017 e 2081/2014).

         Como se constata no Acórdão 2530/2015 do Plenário do TCU, o Tribunal de Contas da União, assim como o STJ, entende que a declaração de inidoneidade se aplica à Administração Pública Direta e Indireta de todos os âmbitos federativos, cumprindo mencionar que o fundamento adotado pelo TCU é a interpretação sistemática do art. 87, IV com o art. 6º, XI, ambos da Lei 8666.

         Analisando o PL 4253/20, constata-se que o legislador substituiu a sanção prevista no art. 87, III, da Lei 8666 pela disposta no artigo 7º da Lei 10520 (ressalvada a redução do prazo máximo de cinco para três anos), determinando que produz efeitos perante a Administração Pública Direta e Indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, seguindo, portanto, a jurisprudência do TCU quanto à sanção prevista no artigo 7º da Lei 10520.

         Neste ponto, cabe uma consideração. Segundo o Acórdão 269/2019 do Plenário do TCU, o impedimento de participar de licitação em virtude do art. 38, II, da Lei 13303/2016 (Estatuto das Estatais) se refere apenas à suspensão aplicada pela própria empresa estatal (art. 83, III, da Lei 13303), de forma que a sanção de impedimento de licitar e contratar prevista no PL 4253/20 não produziria efeitos perante as empresas públicas e as sociedade de economia mista, uma vez que, de acordo com a doutrina, a exemplo de Flávio Tartuce, o critério da especialidade prevalece sobre o cronológico.

         No que tange à abrangência da sanção de declaração de inidoneidade, o PL 4253/20 adotou o entendimento do STJ e do TCU, ao prever que produz efeitos perante a Administração Pública Direta e Indireta de todos os entes federativos.

         Na mesma linha do PL 4253/20, também vale citar a Súmula 51 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo:

SÚMULA Nº 51 - A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar (artigo 87, IV da Lei nº 8.666/93) tem seus efeitos jurídicos estendidos a todos os órgãos da Administração Pública, ao passo que, nos casos de impedimento e suspensão de licitar e contratar (artigo 87, III da Lei nº 8.666/93 e artigo 7º da Lei nº 10.520/02), a medida repressiva se restringe à esfera de governo do órgão sancionador. (BRASIL, 2016)

         No que tange à fonte de pesquisa da eventual aplicação das sanções em comento, impende citar o Acórdão 1793/11, Plenário do TCU, Rel. Min. Valmir Campelo, 06.07.2011, Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos do TCU no 70:

Para o fim de exame quanto à eventual declaração de inidoneidade anteriormente aplicada a empresa participante de licitação, cabe à Administração Pública, em complemento à consulta dos registros constantes do Sicaf, consultar o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - (Ceis) (BRASIL, 2011, grifos inseridos)

         Por fim, é imperioso ressaltar que, independentemente da amplitude dos efeitos da declaração de inidoneidade, o entendimento que prevalece na doutrina e na jurisprudência é no sentido de que tal sanção tem efeitos “ex nunc” (efeitos temporais futuros), não retroagindo, de forma automática, para atingir os contratos administrativos já celebrados, o que, todavia, não impede a Administração Pública contratante de rescindir contrato já assinado, desde que observadas as formalidades legais (arts. 77 a 80 da Lei 8666). Nesse sentido: STJ, MS 13.964/DF, 2008/0250430-0, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Data de Julgamento 13/05/2009, S1 – 1ª Seção, Data de Publicação 20090525, DJe 25/05/2009.

         A respeito, vale, ainda, citar precedente do Plenário do Tribunal de Contas da União (Acórdão 1.340/2011):

A declaração de inidoneidade possui efeito ‘ex-nunc’, cabendo às entidades administrativas medidas com vistas à rescisão de contrato que possuam com a empresa julgada inidônea, caso entendam necessário. Contudo, no caso do certame que levou à aplicação da sanção, a instituição pública deve adotar as providências necessárias, com vistas à pronta rescisão do contrato decorrente. (BRASIL, 2011)

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

         Pelo exposto, conclui-se que, mediante o PL 4253/20 (PL da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos), o legislador se propôs a resolver a acentuada divergência doutrinária e jurisprudencial referente à amplitude da sanção de suspensão de participação em licitação e impedimento de contratar e à abrangência da sanção de declaração de inidoneidade, seguindo a mesma linha da Súmula 51 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

         Quanto à abrangência da sanção de impedimento de licitar e contratar nele constante, o PL 4253/20 adotou o entendimento do TCU acerca da amplitude da sanção de impedimento de licitar e contratar prevista no artigo 7º da Lei do Pregão, de maneira que seus efeitos se restringem à Administração Pública Direta e Indireta do sancionador, valendo ressaltar que, conforme o Acórdão 269/2019 do Plenário do TCU, pautado no artigo 38 da Lei 13303, considerando, ainda, o critério da especialidade, esse impedimento de licitar e contratar não atingirá as empresas públicas e as sociedades de economia mista, já que, segundo o art. 38, caput, II, da Lei 13303, só estão impedidas de licitar e contratar com empresa estatal as empresas suspensas pela estatal contratante (art. 83, III, da Lei 13303).

         Por fim, no tocante à amplitude da sanção de declaração de inidoneidade, o PL 4253/20 adotou o mesmo entendimento do TCU e do STJ, ao determinar que tem efeitos sobre a Administração Pública Direta e Indireta de todos os âmbitos federativos.

 

Sobre a autora
Gabriela dos Santos Barros

Procuradora do Estado do Tocantins, discente do Mestrado Profissional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da Universidade Federal do Tocantins em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense, aluna da Pós-Graduação em Direito Administrativo do Curso Fórum 2020/2021 e Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Gabriela Santos. Sanções administrativas aplicáveis nos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6479, 28 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88879. Acesso em: 21 mai. 2024.

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