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A Lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família

1 - Introdução

A união de pessoas do mesmo sexo tem recebido certa proteção, na medida em que se apresenta com os requisitos de uma união estável. No entanto, essa proteção advém de uma construção jurisprudencial [01] e doutrinária, que flexibilizaram ainda mais o conceito de família, para abranger os casais homossexuais com ou sem filhos.

No Brasil, essa questão não havia sido enfrentada pela via legislativa, tanto que a doutrina moderna lamentou o fato do Código Civil de 2002 não ter disciplinado a união homoafetiva.

Nesse contexto, a Lei Maria da Penha apresenta um avanço em relação ao Direito Civil legislado e em consonância com a atual discussão doutrinária e jurisprudencial. Isso porque o seu art. 5º contém uma carga ideológica inovadora, por permitir uma interpretação de reconhecimento da entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo.

Antes de analisarmos a inovação acima mencionada, convém trazer uma rápida abordagem acerca da evolução das formas familiares.


2 - Evolução das formas familiares

O conceito de família representa a plurivalência semântica, que é um fenômeno normal do vocabulário jurídico, ou seja, vários juristas, de diferentes épocas e lugares, apresentaram diferentes definições sobre família. Com o passar do tempo, sempre se desatualizavam. No Brasil, até a idéia de família expressa pelo atemporal Clóvis Beviláqua (1976) não se apresenta compatível com a realidade. Afirma o civilista que a família "É o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo de consangüinidade, cuja eficácia se entende, ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outras vezes porém, designa-se, por família, somente os cônjuges e a respectiva progênie". Conforme será demonstrado a seguir, esse conceito, apegado à consangüinidade, não tem respaldo na realidade atual.

Durante séculos, a família fora um organismo extenso e hierarquizado. Em terra brasilis, esse modelo é bem ilustrado por Gilberto Freire (2004), em sua obra Casa Grande & Senzala, ao apresentar a família patriarcal. A família brasileira apresentava um caráter nitidamente extenso, submetendo-se seus membros à autoridade soberana do pai. Em torno dele, girava toda a vida familiar. O patriarca constituía o centro de gravidade de seus domínios e das pessoas que os habitavam. (FREYRE, 2004)

Antes de chegarmos na família monogâmica, formas mais antigas existiram, como a família consangüínea, a família punaluana, a família sindiásmica ou de casal e a família patriarcal. (MORGAN, 1970:56-57).

O antigo Código Civil brasileiro (Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916), apesar de sua qualidade técnica, foi elaborado ainda sob a influência do individualismo que comungava com o modelo de família patriarcal. Dessa forma, para o Direito, o conceito de família esteve sempre ligado a dois elementos fundamentais: consangüinidade e casamento formal e solene.

No entanto, a partir da segunda metade do século XIX, a família patriarcal foi se esvaecendo. O processo de urbanização acelerada, os movimentos de emancipação das mulheres e dos jovens, a industrialização e as revoluções tecnológicas, as profundas modificações econômicas e sociais ocorridas na realidade brasileira e as imensas transformações comportamentais havidas puseram fim à instituição familiar nos moldes patriarcais, para surgir uma instituição organizada com base no modelo nuclear, restrita a um número reduzido de pessoas. A família extensa foi eliminada pela família nuclear, especialmente nas grandes cidades do País. Além disso, difundiram-se novos arranjos familiares, desvinculados da união legal.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, sensível à nova realidade, a proteção assegurada ao casamento, foi estendida à família. A CR/88 trouxe o conceito de "entidade familiar (art. 226, §§3º e 4º); instituiu novas regras para o instituto do divórcio (art. 226, §6º); apregoou a equiparação dos cônjuges em direitos e deveres (art. 226, §5º); previu o planejamento familiar (art. 226, §7º) e a assistência à família (art. 226, §8º), além de instituir a absoluta igualdade entre os filhos. Trouxe, ainda, um rol exemplificativo de entidades familiares, quais sejam, a instituída pelo casamento, pela união estável e a família monoparental.

Todavia, o casamento não deixou de ser a forma clássica para se constituir família. Logicamente, não é, atualmente, a única forma de vida familiar. Acerca da primazia do casamento na geração de relações familiares, apregoa Caio Mário da Silva Pereira (2004:24):

"É o casamento que gera as relações familiares originariamente. Certo é que existe fora do casamento, produzindo conseqüências previstas e reguladas no Direito de Família. Mas, além de ocuparem plano secundário, e ostentarem menor importância social, não perdem de vista as relações advindas do casamento, que copiam e imitam, embora a contrastem freqüentemente. A preeminência do casamento emana substancialmente de que originam dele as relações havidas do casamento, como a determinação dos estados regulares e paragonais que, sem excluírem outros, são os que a sociedade primordialmente considera, muito embora, a Constituição de 1988 tenha proibido quaisquer designações discriminatórias (art. 227, §6º)".

Por outro lado, o movimento de mulheres e a disseminação dos métodos contraceptivos concretizaram o que Juliet Mitchell (1972, 263/264) afirmou sobre a conquista da pílula anticoncepcional: "libertará as experiências sexuais das mulheres de muitas ansiedades e inibições que sempre as afligiram. Romperá definitivamente com aquela complementaridade tradicionalmente necessária entre sexualidade e procriação". Associados aos resultados da evolução da engenharia genética permitiram o rompimento do paradigma: casamento, sexo e procriação.

Com todos esses avanços, a realidade nos mostra uma outra noção de família. Não significa que crise ou abolição da família, mas sim uma pluralidade de instituições, onde são reconhecidos outros arranjos familiares (MITCHELL, 1972: 273). O elemento da consangüinidade deixou de ser fundamental para a constituição da família, tanto que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a existência da família substituta, visualizada no instituto da Adoção.

Roudinesco (2003:198) afirma que as novas formas de unidade familiar, que são consideradas ameaçadoras para alguns, não impedem que a família seja reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar. Afirma ainda, que todas as pesquisas sociológicas mostram que a família é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições.

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O que deve ser frisado é que a questão da família vai além de sua positivação nos ordenamentos jurídicos. Tanto é, que ela sempre existiu e continuará existindo, desta ou daquela forma, em qualquer tempo ou espaço. O que muda são apenas as formas de sua constituição. Nas palavras de Roudinesco (2003:199) "a família do futuro deve ser mais uma vez reinventada". O que é confirmado por Pereira (2004: 30) ao afirmar que "A família está se transformando sob os nossos olhos".

A explicação para essas transformações nos é fornecida pelo psicanalista francês Jaques Lacan, que afirma ser a família um fenômeno cultural e não natural. Por isso é que ela se apresenta das mais variadas formas, de acordo com as diferentes culturas. Para ele, a família não se constitui apenas de um homem, uma mulher e filhos, ainda que casados solenemente. A família é, primordialmente, uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar definido. Lugar do pai, da mãe, dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente ligados biologicamente ou por qualquer ato formal. (PEREIRA, 1995)

A opinião de que a família é um fenômeno natural é sedimentada no mundo jurídico. No entanto, novos doutrinadores, especialmente, estudiosos do Direito de Família, como Vilela (1979) e Pereira (1975), defendem ser a mesma um fenômeno cultural. Pereira, seguindo o entendimento de Lacan, explica que a família "não se constitui de um macho, de uma fêmea e de filhos. Ela é uma estruturação psíquica, onde cada membro tem um lugar definido. Para se ocupar o lugar do pai, da mãe ou do filho, não é necessário laço biológico" e, a decorrência desse passo para o simbólico, que só o homem deu, é que nos diferencia dos outros animais e que nos permite constituir uma família, ou melhor, compor uma estruturação familiar.

A estrutura familiar é algo complexo que precede o Direito e que este procura legislar no sentido de proteger esse instituto, que é célula básica da sociedade. A família é fonte de companheirismo e afeto, com valorização de cada membro, para permitir o desenvolvimento da personalidade de todos. É na família que se estrutura o sujeito e estabelecem-se as primeiras leis psíquicas. Quando estas se ausentam, faz-se necessária a lei jurídica para sobrevivência do próprio indivíduo e da sociedade.

A realidade demonstra que a unidade familiar não se resume apenas a casais heterossexuais, as uniões homoafetivas já galgaram o status de unidade familiar. A legislação apenas acompanha essa evolução para permitir que, na ausência de sustentação própria, o Estado intervenha para garantir a integridade física e psíquica dos membros de qualquer forma de família.


3 - Breves considerações acerca da Lei 11.340, de 07.08.2006, "Lei Maria da Penha"

No dia 7 de agosto de 2006, foi sancionada a lei n.º Lei 11.340, que "cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências".

Esta lei recebeu o nome de "lei Maria da Penha" como forma de homenagear a mulher,Maria da Penha Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica.

Em breves linhas, aquela mulher sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido. Primeiro, levou um tiro enquanto dormia, sendo que o agressor alegou que houve uma tentativa de roubo. Em decorrência do tiro, ficou paraplégica. Como se não bastasse, duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de recuperação, Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu ex-marido, sabendo de sua condição, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava.

A punição do agressor só se deu 19 anos e 6 meses após o ocorrido. Essa situação injusta provocou a formalização de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA – órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais, pelo Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima.

Diante da denúncia, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001, que dentre outras constatações, recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, a fim de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil. (ALVES, 2006)

A sanção dessa lei representa, assim, um avanço na proteção da mulher vítima de violência familiar e doméstica, incluindo-se, também, uma inovação legal quanto às formas familiares já positivadas.


4 - Inovação legal no conceito de Família

Conforme já afirmado, a doutrina e a jurisprudência admitem a união homoafetiva, respeitando-se os requisitos da união estável, como entidade familiar. No entanto, não havia uma lei federal que permitisse uma interpretação nesse sentido.

Até o advento da lei Maria da Penha, a resistência do legislador brasileiro em enfrentar a questão da união homoafetiva, principalmente após o advento do Código Civil de 2002, que nada versou sobre o tema, foi expresso por Caio Mário da Silva Pereira (2004:3):

"Desta feita, o legislador demonstrou nítido esforço em adaptar-se às novas conquistas. Sua coragem não foi suficiente para impulsioná-lo aos avanços dos sistemas jurídicos mais adiantados; optou pelo esforço de buscar um questionável equilíbrio em meio às controvérsias já enfrentadas pela Doutrina e pela Jurisprudência no dia-a-dia dos Tribunais. Mirando ao longe as modificações que se faziam necessárias, preferiu recuar numa atitude marcada pela dificuldade de confrontar-se com o novo".

A existência de relações constituídas com base no afeto, mas que extrapolam a estrutura normativa, é realçada por Viveiros de Castro e Benzaquém (1989:133):

"A antropologia vem-se debatendo nos braços de uma dicotomia: o ‘direito’ versus o ‘afeto’, isto é, a estrutura social concebida como sistema de relações jurais entre pessoas versus aspectos da vida social não-redutíveis a ela, consistindo em sentimentos e emoções, em condutas individualizadas e processos que transgrediam as fronteiras da estrutura normativa".

Nesse cenário, a lei Maria da Penha reconheceu uma situação que já está presente na sociedade, tanto que reproduzido nos meios de difusão cultural. No Brasil, esse assunto já foi retratado, com aceitação do público, em novelas, que são vistas, discutidas e influenciam grande parte da população brasileira.

Vainfas (1997:130) relata, com base em documentos do Tribunal do Santo Ofício, a existência de lesbianismo já no Brasil colonial. Dentre os relatos apresentados pelo autor, um apresenta a violência no contexto da relação homossexual feminina, estabelecida entre Isabel "a do veludo" e sua parceira, Francisca Luiz:

"Francisca Luiz, sua parceira, era negra forra que também viera do Porto, abandonada pelo marido, e abrigaria Isabel por algum tempo. Eram amigas do Porto, quando não já amantes, e continuariam a sê-lo na Bahia. O romance parece ter sido muito difícil. Tornou-se motivo de escândalo público, sobretudo depois que Isabel, "a do veludo", resolveu sair com um homem. Quando ela voltava de um de seus encontros, Francisca Luiz a interpelou na porta da casa onde moravam e começou a gritar: "Velhaca! Quantos beijos dás a seu coxo e abraços não me dás um!? Não sabes que quero mais um cono (vagina) do que quantos caralhos aqui há?!". Descontrolada, Francisca passou dos insultos às vias de fato, pegando Isabel pelos cabelos e arrastando-a porta adentro com pancadas e bofetões, tudo à vista dos vizinhos."

Nesse sentido, a lei Maria da Penha, em seu art. 5º supriu a lacuna legislação da seguinte forma:

"Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - omissis

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual." (grifou-se)

O reconhecimento legal da família constituída por vontade expressa, permite uma interpretação no sentido de englobar um casal homossexual, no presente caso, especificamente o casal composto por mulheres.

Acerca da situação até então vigente, com a exclusão legal de reconhecimento da união homoafetiva entre mulheres, Alves (2006) preleciona que "são elas, portanto, cônjuges "autoconsiderados", porque, perante si mesmos e perante a sociedade, mas à margem da lei, ambas têm um vínculo íntimo sólido, com envolvimento sexual e afetivo tal qual um casal heterossexual. Além disso, mesmo que o Direito não as reconheça como tal, elas o fazem, mediante ato voluntário de manifestação de vontade".

O relato de Alves demonstra a existência da manifestação de vontade expressa na constituição da relação homoafetiva feminina. Dessa forma, os casais homossexuais conjugam o mesmo afeto, os mesmos planos comuns, as mesmas vontades e os mesmos interesses que o fariam um casal heterossexual.

Constata-se, portanto, que as uniões homoafetivas são constituídas por vontade expressa, o que as inclui na previsão legal retro citada. Inclusive, admitir de forma contrária poderia levar ao absurdo da hipocrisia, pois uma mulher vítima de violência familiar pela sua parceira não poderia obter a proteção legal.

Ademais, nos termos do art. 5º, III, as uniões homoafetivas, entre mulheres, também estão englobadas pela presente lei. Isto porque esse tipo de união apresenta-se como uma relação íntima de afeto. Reforçado encontra-se, portanto, a previsão legal da nova forma de entidade familiar acima expressa.

Ademais, para sanar qualquer dúvida, o parágrafo único do art. 5º assegura que "as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual". O legislador, de forma expressa, extirpou qualquer possibilidade de interpretação diversa da aqui estabelecida. Uma interpretação sistemática do inciso II com o parágrafo único do mesmo artigo 5º permite afirmar que a lei reconheceu a união homoafetiva entre mulheres, que, por analogia, também haverá de ser aplicado aos casais homossexuais do sexo oposto.

Essa interpretação está em consonância com a previsão constitucional de proteção à família nos termos do art. 226 da CR/88 "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado". Hoje, a família é entendida com um núcleo de afetividade, logo, o afeto não se restringir às uniões entre pessoas do sexo oposto.

Corroborando esse entendimento, Paulo Luiz Lobo (2002:95) assegura que a enumeração constitucional é meramente exemplificativa, o que não permite excluir qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensividade. Dessa maneira, por mais que abrangente, o rol constitucional não é exauriente, na medida em que não elencou todos os arranjos familiares merecedores de proteção. Assim sendo, os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm uma relação pautada pelo afeto, merecem a devida proteção e reconhecimento previstos na CR/88.


5- Conclusão

A lei Maria da Penha, além de inovar no conceito de família, também, rompe com a dicotomia público/privado evidenciada pelo antigo ditado "em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher". O espaço doméstico que estava destinado exclusivamente à mulher era inatingível. Isso gerou um sentimento de impunidade pela violência doméstica, como se o que acontecesse dentro da casa não interessasse a ninguém. A autoridade do marido, no moldes da família patriarcal, permitia o direito de dispor do corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. Essa autoridade do homem/marido sempre foi respeitada de forma que a Justiça parava na porta do lar, e a polícia sequer podia prender o agressor em flagrante.

Dessa forma, considera-se que a lei Maria da Penha representa um marco na proteção da família e um resgate da cidadania feminina, na medida em que a mulher ficará a salvo do agressor e, assim, poderá denunciar as agressões sem temer que encontrará com o agressor no dia seguinte e poderá sofrer conseqüências ainda piores.

No tocante ao reconhecimento legal de uniões homoafetivas femininas, a lei institucionaliza uma situação inegável e com clara constatação fática, além de significar um avanço para romper com os preconceitos existentes.

A família homoafetiva é uma realidade. O conservadorismo do legislador brasileiro quanto à evolução no conceito de família representa a influência daqueles pessimistas que pensam que a civilização corre o risco de ser engolida por clones, bárbaros bissexuais ou delinqüentes da periferia, concebidos por pais desvairados e mães errantes. Um conservadorismo que fecha os olhos para a realidade e se omite em dar sustentação ao instituto já previsto na norma inclusiva, que é o art. 226 da CR/88.

Aceitar novos modelos familiares não significa dizer que a família será destruída. Conceber apenas a família nuclear composta pelo casal heterossexual e filhos como o único modelo de família aceitável, é incompatível com a natureza afetiva da família. A noção de família como núcleo de afetividade e base da sociedade deve ser encarada, como de fato é, como um fator cultural. E, dessa maneira, a legislação deve acompanhar a evolução da sociedade e, conseqüentemente, dos arranjos familiares.

Efetivamente, a família, como fruto da cultura, é constantemente reinventada e, hoje, se reiventa para propiciar o alcance da felicidade de seus membros.


Bibliografia

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Nota

01 EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70011120573, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 10/06/2005). Disponível in http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/ementa.php. Acesso em 25 de agos. 2006.

Sobre os autores
Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo

advogada em Viçosa (MG), mestranda em Economia Familiar pela Universidade Federal de Viçosa

Rodrigo Viana Saraiva

advogado em Viçosa (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, Iglesias Fernanda Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1170, 14 set. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8911. Acesso em: 25 dez. 2024.

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