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Responsabilidade civil extracontratual do Estado de Pernambuco pelos danos causados pela Polícia Militar nos protestos

Agenda 01/06/2021 às 14:30

Nos protestos pacíficos ocorridos em 29 de maio do corrente ano, a Polícia Militar de Pernambuco agiu de forma violenta e provocou lesões em alguns dos manifestantes. Poderia o lesado optar por ajuizar a ação indenizatória diretamente contra o agente público que causou o dano? Ou somente frente ao Estado?

INTRODUÇÃO

Tratava-se de um ato pacífico, buscando cumprir regras sanitárias e que acontecia na mais perfeita paz. Eis que, sem qualquer razão aparente, a Polícia Militar do Estado de Pernambuco abordou os manifestantes e começou a atirar balas de borracha.

Resultado: dentre alguns feridos, dois deles, que sequer estavam no protesto, foram atingidos nos olhos e ficaram com sequelas definitivas na visão.

A dúvida que fica é: quem deve responder civilmente pelo dano acima mencionado? É o que presente artigo, por meio de uma metodologia exploratória, tem como objetivo responder.


1. Da responsabilidade extracontratual do Estado pelos atos praticados pelos seus agentes.

A responsabilidade extracontratual da Administração Pública é aquela que não decorre de um contrato público, tal como o caso mencionado na introdução, onde um transeunte perdeu a visão de um olho após ser atingido por uma bala de borracha atirada por um policial militar.

Quanto ao tema, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incube de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos[1].

Pelo conceito do autor supracitado, podemos perceber que o estudo da Responsabilidade Extracontratual se baseia na análise da responsabilização civil do Poder Público pelos danos decorrentes dos atos praticados pela Administração, sejam atos lícitos ou ilícitos, sejam atos omissivos ou comissivos.

Nesse sentido, a nossa Constituição atual, no parágrafo 6º do artigo 37, afirma:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, conforme o texto constitucional supra, as pessoas jurídicas de direito público responderão pelos atos praticados pelos seus agentes no exercício da função, ao menos como regra, de forma objetiva, ou seja, independentemente da comprovação de dolo ou culpa,

Desta feita, os atos praticados pelo agente público no exercício da função devem ser imputados ao próprio Poder Público, seja em face da Teoria do Órgão[2], seja em face do princípio da impessoalidade[3], seja em face do princípio da imputação volitiva[4].

Desse modo, quando o policial militar atirou, quem atirou foi o próprio Estado de Pernambuco, devendo esse último ser responsabilizado civilmente pelo dano causado.

Mas, como se dá a responsabilidade civil do próprio militar? É o que analisaremos no próximo tópico.


2. Da responsabilidade civil do Policial Militar causador do dano.

O mesmo parágrafo 6º do artigo 37, acima mencionado, afirma que ficará “assegurado o direito do regresso nos casos de dolo ou culpa”. Desta feita, o dispositivo acima adotou o entendimento de que o funcionário que praticou o ato não responderá de forma objetiva, e sim, tão somente, se ficar comprovado que agiu com dolo ou culpa.

Desse modo, para que o agente causador do dano seja responsável civilmente urge a necessidade dos seguintes requisitos:

- Comprovação de que agiu com dolo ou culpa e que dessa ação foi gerado um dano;

- A condenação da Administração Pública ao pagamento dos prejuízos decorrentes do referido dano;

- O pagamento efetivo realizado pela Administração, uma vez que não há o que se falar em ressarcimento se não houve prejuízo por parte para essa última.

Assim, ao final, quem vai arcar com o valor da indenização é o autor do dano. Desse modo, surge uma outra indagação: poderia o lesado optar por entrar com a ação indenizatória diretamente contra o agente público que causou o dano?

O Supremo Tribunal Federal entende que não! Segundo nossa Suprema Corte, não seria possível a responsabilização “per saltum” do servidor público, devendo esse último responder apenas por meio de uma ação de regresso, devido ao fato do mencionado § 6º do artigo 37 da CF prever uma dupla garantia: uma para o lesado, de ser ressarcido e outra para o servidor, de só responder por meio de uma ação de regresso. (vide: Recurso Extraordinário 327.904).

No mais, sobre o caso estudado neste artigo, urge a necessidade de lembrar das já clássicas palavras do personagem Capitão Nascimento no filme Tropa de Elite II: “O que eu posso afirmar é que o policial não puxa esse gatilho sozinho.”

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Assim, deve ser apurado também quem deu a ordem a para a Polícia Militar de Pernambuco dispersar um ato pacífico com uso de violência, pois os mandantes (ou comandantes) também devem arcar com o valor das indenizações cabíveis.

Por fim, frise-se que estamos analisando aqui a responsabilidade civil, devendo os agentes responsáveis responderem, também, na esfera penal e na esfera administrativa, sempre sendo assegurado o contraditório e a ampla defesa.


CONCLUSÃO

Um ato pacífico não pode ser inibido, principalmente com violência. A repressão estatal que aconteceu em 29 de maio de 2021, em Recife, foi uma falha inaceitável e que deve ter consequências em diversas esferas, inclusive na política.

O presente trabalho, no entanto, focou no estudo da responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados pela ação policial e concluiu que cabe ao próprio Estado de Pernambuco arcar com os valores das indenizações devidas e, sem seguida, cobrar os valores regressivamente dos agentes públicos responsáveis, que não deve ser apenas quem atirou.

A responsabilização do Poder Público e de seus agentes não é uma forma de voltar atrás os acontecimentos, mas sim, uma forma de fazer com que eles não se repitam.


REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ªed. São Paulo: Atlas, 2020.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2004.


[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso De Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros. 2004. p.917.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.684.

[3] ARAGÃO, Alexandre Santos. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p.71.

[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ªed. São Paulo: Atlas, 2020. p.13.

Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo) com título reconhecido no Brasil pela Universidade de Marília. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Ricardo Russell Brandão. Responsabilidade civil extracontratual do Estado de Pernambuco pelos danos causados pela Polícia Militar nos protestos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6544, 1 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90908. Acesso em: 21 nov. 2024.

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