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Lei do abate

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Agenda 13/06/2021 às 14:30

Comentamos a intitulada Lei do abate no caso específico de tiro de destruição de aeronave hostil.

RESUMO: Neste artigo buscou-se realizar uma análise da intitulada Lei do Abate no caso específico de tiro de destruição de aeronave hostil. De início consideraram-se as discussões a respeito de sua constitucionalidade, sobretudo visando estabelecer se sua aplicabilidade prática constitui verdadeira pena de morte, proibida no Brasil em tempo de paz e condicionada a diversos outros requisitos em tempo de guerra. Esta análise é crucial, uma vez que o regramento tem sido utilizado com certa frequência, ainda que o Brasil não seja alvo de atentados terroristas, mas rota de aeronaves transportando drogas, tanto para consumo interno como para exportação, justificando-se assim a importância da matéria.

PALAVRAS-CHAVES: lei do abate; tiro de destruição; constitucionalidade; tráfico de drogas; pena de morte.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Breve histórico sobre a chamada Lei do Abate – 3. Aplicação da lei n. 9.614/98 e do Decreto n. 5.144/04. – 4. A discussão sobre a inconstitucionalidade formal – 5. A discussão sobre a inconstitucionalidade material. 5.1. Fundamentos pela inconstitucionalidade. 5.2. Fundamentos pela constitucionalidade. – 6. O tiro de destruição de aeronave hostil implica pena de morte? – 7. A realidade brasileira e casos que não ocorreriam no Brasil –8. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

A Lei n. 9.614/1988 incluiu o parágrafo segundo no art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica para indicar as hipóteses em que aeronaves consideradas hostis podem ser abatidas.

A regulamentação de todo o procedimento até chegar à medida extrema do tiro de destruição foi definida somente pelo Decreto n. 5.144/2004, com posteriores atualizações. Apesar do tempo decorrido desde a introdução e a regulamentação da lei no ordenamento jurídico até o momento, ainda pouco se escreveu sobre o instituto. Diversos pontos podem ser debatidos, como a competência para julgamento e a incidência de excludentes de ilicitude. Este trabalho opta por restringir-se à análise de constitucionalidade, tanto formal, quanto material, e se neste ponto em especial se trata de pena de morte.

A inconstitucionalidade formal é suscitada pelo fato de a regulamentação da Lei n. 9.614/1988 ter sido feita por decreto presidencial, o que importa na inaplicabilidade do art. 303, § 2º do Código Brasileiro de Aeronáutica, enquanto não disciplinado por lei em sentido estrito.

Alega-se inconstitucionalidade material sob o argumento de que o tiro de destruição contra aeronave hostil representaria a pena de morte do piloto, tripulantes e passageiros, em ofensa ao direito constitucional à vida e à proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada[1].

Impõe-se, portanto, perpassar pelo histórico da lei e dos decretos em comento, para em seguida analisar as correntes favoráveis e contrárias à sua constitucionalidade, encerrando o artigo com o estudo de alguns casos ocorridos até o momento.


2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A “LEI DO ABATE”

Desde a década de 70 do século passado, as Américas iniciaram políticas públicas, e com elas leis preventivas e repressivas, contra o tráfico de drogas.

O governo Nixon, nos EUA, iniciou a política de “lei e ordem” até o governo Clinton, que alterou o foco do combate para os países produtores e para a diminuição da capacidade do fluxo de entorpecentes através das fronteiras. Os EUA atuariam em três frentes: (a) assistência para que os países produtores impedissem a produção e o comércio de drogas; (b) combate internacional às organizações criminosas ligadas ao tráfico e (c) programas de interdição seletiva nas regiões produtoras, de trânsito e de fronteira.

A implementação dessas medidas exigia o monitoramento do espaço aéreo, em razão do uso de pequenos aviões pelos narcotraficantes, o que determinou o desenvolvimento de legislações destinadas a conter a rede aérea de transporte de drogas, como ocorreu no Peru e na Colômbia, conhecidos produtores de cocaína.

As condições adversas da região amazônica não fazem do Brasil um grande produtor de cocaína, mas sua extensão continental permite fazer fronteira com países que o são, como Peru, Colômbia, Bolívia e Paraguai, colocando o País nas rotas de distribuição da droga e no contexto para também desenvolver programas de proteção aérea.

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 A partir desse cenário, o Projeto de Lei 1229-b/1995 buscava adequar a legislação aeronáutica brasileira. A exposição de motivos nº C-004/GM-3, de 3 de novembro de 1995, assinada pelos então Ministros Nelson Jobim, da Justiça, e Mauro José Miranda Gandra, da Aeronáutica, apontava a "legitimidade do direito de exercer a soberania no espaço aéreo sobrejacente aos territórios dos Estados, bem como das respectivas áreas marítimas".[2]

Uma proposta de emenda modificativa foi apresentada pelo deputado Domingos Dutra, justificando que a destruição de aeronave, em tempos de paz, era ato gravíssimo e, portanto, deveria ser tomada apenas pelo Presidente da República, por se tratar da defesa da soberania.

Contrariamente ao projeto de lei, pronunciou-se o deputado Fernando Gabeira nos seguintes termos:

“Mandava a sensatez que eu não viesse mais à tribuna falar sobre o tema, mas estou vendo tanto a esquerda brasileira, tão imbuída de seus princípios humanitários, como a direita brasileira, tão imbuída dos seus princípios de livre comércio, decretarem a pena de morte para contrabandistas e para traficantes de drogas a partir de uma análise perversa, oriunda dos Estados Unidos. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos declararam que a nova guerra seria contra a droga e determinaram que o papel do Brasil seria interceptar os aviões que saíssem da América Latina em direção àquele país. Na verdade, o Congresso brasileiro, incapaz de defender o nariz das crianças que cheiram cola no Brasil, mete-se agora numa aventura bélica, para defender o nariz dos norte-americanos que cheiram cocaína. [...] Neste momento, o Congresso brasileiro, pressionado pelos Estados Unidos, está prestes a votar uma proposição bélica, retrógrada, que vai nos jogar no período da Guerra Fria. Só que agora os adversários não são mais os comunistas; são os traficantes de drogas e os contrabandistas. Sabemos, pela nossa história, que os adversários inicialmente são o traficante de drogas e o contrabandista, mas, amanhã, podem ser outros, como os não-cooperativos. E os aviões serão derrubados.”

No entanto, constou na mensagem emanada pela Câmara dos Deputados ao PL 1129-b que:

“Na comissão de Defesa Nacional houve o acréscimo da expressão ‘após a autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada’. Portanto, restabelecemos o princípio da autoridade civil. […] Então, Sr. Presidente, nesse caso a lei garante todos os meios legais de emprego de persuasão e força física. A destruição só acontecerá em último caso. Principalmente nas situações extremas, o Presidente da República é quem autoriza, ou a autoridade delegada por ele.

Portanto, Sr. Presidente, entendemos, primeiro, que o substitutivo da Comissão de Defesa Nacional garante o princípio da autoridade civil. Segundo, que se estabelecem todas as salvaguardas, para que não fique à mercê de uma autoridade militar local a decisão da destruição da aeronave. Terceiro, que, no caso de essa destruição não ocorrer em face de um fato extremo, o Presidente da República, pelo § 3º, já que se mantém a expressão “a autoridade mencionada” , poderá ser criminalmente responsabilizado por um ato de aventura e irresponsabilidade.”[3]

O projeto foi aprovado por maioria na Câmara dos Deputados; no Senado Federal também não houve grandes objeções.

No dia 5 de março de 1998, a Lei n. 9.614 incluiu a hipótese de destruição de aeronave hostil ao acrescentar no art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica o parágrafo segundo, com a seguinte redação:

Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos:

I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim;

II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional;

III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis;

IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21);

V - para averiguação de ilícito.

§ 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado.

 § 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614, de 1998)

§ 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório.

Não obstante a entrada em vigor da lei em meados de 1998, era preciso regulamentar em que situações a medida de destruição poderia ser tomada.

Reaflorando as discussões sobre o tema, de um lado criticava-se o modelo de guerra às drogas e as consequências jurídicas da autorização para derrubar aeronaves civis, e de outro alertava-se sobre a importância da defesa da soberania nacional e o combate ao narcotráfico.

Em 2013, o Projeto de Lei n. 1.219/2003, proposto pelo Deputado Federal Átila Lins, pretendia revogar a Lei n. 9.614/98, sob os seguintes termos: “Primeiro, que confere à autoridade administrativa competência para julgar quanto à natureza da infração e quanto ao momento oportuno para o abate da aeronave considerada invasora do espaço aéreo nacional, o que invade área de competência exclusiva conferida ao Poder Judiciário, por imperativo constitucional. Em segundo lugar, a referida Lei nº 9614 contém uma clamorosa inconstitucionalidade, pois, ao permitir o tiro de abate, introduz a aplicação da pena de morte no Brasil, o que é expressamente vedado, segundo o mandamento do Art. 5º, alínea XLVII-a, da Constituição.”[4]

Contudo, após pareceres das Comissões de Viação e Transportes, de Relações Exteriores e de Defesa Nacional rejeitando a proposta, o próprio deputado retirou o projeto em 8 de julho de 2005.

Em 17 de outubro de 2004, o Decreto n. 5.144 entrou em vigor.

Já em 2014, devido à realização de eventos de repercussão mundial, como a Copa do Mundo, o Decreto Presidencial n. 8.265, de 11 de junho de 2014, delegou ao Comandante da Aeronáutica a competência para autorizar a aplicação do tiro de destruição de aeronave, especialmente para o período de 12 de junho a 17 de julho de 2014.

A novidade trazida pelo decreto de 2014 estava na autorização para o abate sobre áreas densamente povoadas, observando-se o dever de proteção. Isso porque o decreto de 2004 permite a execução da medida de segurança apenas em locais desabitados.[5]

Em 2017, o Decreto n. 9.077 atualizou a redação dos incisos I e III do art. 6º do Decreto n. 5.144/2004, onde constava “Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro – COMDABRA”, passando a constar “Comando de Operações Aeroespaciais do Comando da Aeronáutica”.

Por fim, o Decreto n. 8.265/14 foi revogado pelo Decreto n. 9.917/2019.


3. APLICAÇÃO DA LEI N. 9.614/98 E DO DECRETO N. 5.144/04

O Decreto n. 5.144 entrou em vigor com a seguinte redação:

Art. 1o Este Decreto estabelece os procedimentos a serem seguidos com relação a aeronaves hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins, levando em conta que estas podem apresentar ameaça à segurança pública.

Art. 2o Para fins deste Decreto, é considerada aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins aquela que se enquadre em uma das seguintes situações:

I - adentrar o território nacional, sem Plano de Vôo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; ou

II - omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação, ou não cumprir determinações destes mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas.

Art.3o As aeronaves enquadradas no art. 2o estarão sujeitas às medidas coercitivas de averiguação, intervenção e persuasão, de forma progressiva e sempre que a medida anterior não obtiver êxito, executadas por aeronaves de interceptação, com o objetivo de compelir a aeronave suspeita a efetuar o pouso em aeródromo que lhe for indicado e ser submetida a medidas de controle no solo pelas autoridades policiais federais ou estaduais.

§ 1o As medidas de averiguação visam a determinar ou a confirmar a identidade de uma aeronave, ou, ainda, a vigiar o seu comportamento, consistindo na aproximação ostensiva da aeronave de interceptação à aeronave interceptada, com a finalidade de interrogá-la, por intermédio de comunicação via rádio ou sinais visuais, de acordo com as regras de tráfego aéreo, de conhecimento obrigatório dos aeronavegantes.

§ 2o As medidas de intervenção seguem-se às medidas de averiguação e consistem na determinação à aeronave interceptada para que modifique sua rota com o objetivo de forçar o seu pouso em aeródromo que lhe for determinado, para ser submetida a medidas de controle no solo.

§ 3o As medidas de persuasão seguem-se às medidas de intervenção e consistem no disparo de tiros de aviso, com munição traçante, pela aeronave interceptadora, de maneira que possam ser observados pela tripulação da aeronave interceptada, com o objetivo de persuadi-la a obedecer às ordens transmitidas.

Art. 4o A aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins que não atenda aos procedimentos coercitivos descritos no art. 3º será classificada como aeronave hostil e estará sujeita à medida de destruição.

Art. 5o A medida de destruição consiste no disparo de tiros, feitos pela aeronave de interceptação, com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do vôo da aeronave hostil e somente poderá ser utilizada como último recurso e após o cumprimento de todos os procedimentos que previnam a perda de vidas inocentes, no ar ou em terra.

Art. 6o A medida de destruição terá que obedecer às seguintes condições:

I - emprego dos meios sob controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro - COMDABRA;

I - emprego dos meios sob controle operacional do Comando de Operações Aeroespaciais do Comando da Aeronáutica; (Redação dada pelo Decreto nº 9.077, de 2017)

II - registro em gravação das comunicações ou imagens da aplicação dos procedimentos;

III - execução por pilotos e controladores de Defesa Aérea qualificados, segundo os padrões estabelecidos pelo COMDABRA;

III - execução por pilotos e controladores de defesa aérea qualificados segundo os padrões estabelecidos pelo Comando de Operações Aeroespaciais do Comando da Aeronáutica;(Redação dada pelo Decreto nº 9.077, de 2017)

IV - execução sobre áreas não densamente povoadas e relacionadas com rotas presumivelmente utilizadas para o tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; e

V - autorização do Presidente da República ou da autoridade por ele delegada.

Art. 7o O teor deste Decreto deverá ser divulgado, antes de sua vigência, por meio da Publicação de Informação Aeronáutica (AIP Brasil), destinada aos aeronavegantes e de conhecimento obrigatório para o exercício da atividade aérea no espaço aéreo brasileiro.

Art. 8o As autoridades responsáveis pelos procedimentos relativos à execução da medida de destruição responderão, cada qual nos limites de suas atribuições, pelos seus atos, quando agirem com excesso ou abuso de poder.

Art. 9o Os procedimentos previstos neste Decreto deverão ser objeto de avaliação periódica, com vistas ao seu aprimoramento.

Art. 10. Fica delegada ao Comandante da Aeronáutica a competência para autorizar a aplicação da medida de destruição.

Art. 11. O Ministério da Defesa, por intermédio do Comando da Aeronáutica, deverá adequar toda documentação interna ao disposto neste Decreto.

Art.12. Este Decreto entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação.           

O Decreto n. 5.144/04 estabelece que é considerada aeronave suspeita de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins aquela que (I) adentrar o território nacional sem plano de voo aprovado, oriunda de regiões reconhecidamente fontes de produção ou distribuição de drogas ilícitas; (II) ou omitir aos órgãos de controle de tráfego aéreo informações necessárias à sua identificação; (III) ou não cumprir determinações desses mesmos órgãos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuição de drogas ilícitas.

O combate ao narcotráfico deve ser visto à luz do Estado Democrático de Direito; por isso deve-se seguir a série de medidas detentivas anteriores, a fim de salvaguardar os bens jurídicos tutelados, quais sejam, a segurança pública (é uma atividade de polícia e não de conflito armado) e a saúde da coletividade.

O tráfico de drogas gera mais dinheiro do que o petróleo. Em 2011, uma pesquisa realizada pela Global Financial Integrity (GFI) constatou que as organizações criminosas que atuam nesse segmento operam cerca de 650 bilhões de dólares ao ano, o que equivale a uma quantia superior ao PIB (Produto Interno Bruto) de diversos países.[6]

Desde 1991, o Brasil é signatário da Convenção de Viena Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, comprometendo-se assim a reprimir o tráfico de drogas. As medidas de detenção foram elaboradas para dar efetividade à obrigação internacional, assim como já disciplinado por outros países.

Não obstante, como já exposto, o referido decreto regulou situações além das de suspeita de tráfico de drogas, por ocasião das olimpíadas realizadas no Brasil.

É importante destacar que qualquer sobrevoo no espaço aéreo necessita de um plano de voo previamente definido e aprovado, procedimento adotado não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A razão precípua para isso é a garantia de segurança, seja para calcular o consumo de combustível, seja para orientar pilotos e evitar a colisão de aeronaves.

Veja-se que até este ponto o controle de tráfego aéreo em solo tentará uma comunicação via rádio, como comumente acontece, e somente quando omitidas as informações necessárias para identificação da aeronave é que se iniciará uma operação mais enérgica.

Havendo suspeita por qualquer dos motivos elencados acima, são previstas três medidas anteriores ao tiro de destruição.

A primeira delas é averiguação, pela qual se busca determinar ou confirmar a identidade da aeronave, ou vigiar seu comportamento. Para isso haverá aproximação ostensiva da aeronave de interceptação e inicia-se novamente comunicação via rádio, cuja frequência (121.50MHZ) é exposta em uma placa na aeronave da FAB e visível ao piloto interceptado. Fazem-se sinais visuais conhecidos e padronizados aos pilotos. Neste momento são colhidas maiores informações, como a matrícula, o tipo de aeronave e demais características.

Não havendo êxito passa-se para a medida de intervenção, na qual se determina que a aeronave interceptada modifique a rota e pouse em aeródromo determinado, a fim de que as medidas de identificação e controle sejam tomadas em solo.

Novamente inexitosa a manobra, inicia-se o estágio da persuasão, no qual são disparados tiros de aviso, mas com munição traçante, de forma a serem vistos pela tripulação, a fim de que, voluntariamente, pousem em aeródromo para averiguação.

Somente após o não cumprimento dessa terceira forma de interceptação é que a aeronave será considerada hostil, passando a estar sujeita à medida extrema. Na chamada medida de destruição são novamente disparados tiros, desta vez com a finalidade de provocar danos e impedir o prosseguimento do voo. É necessário registrar as comunicações, as imagens dos procedimentos e certificar que a execução ocorrerá em área não densamente povoada.

Nessa fase há o controle operacional do Comando de Operações Aeroespaciais do Comando da Aeronáutica, por intermédio de pilotos qualificados, após autorização do Comandante Supremo das Forças Armadas, o Presidente da República, ou de autoridade por ele delegada.

Este é outro ponto positivo da regulamentação: o poder de decisão é do Presidente da República ou de autoridade por ele delegada (que tem sido o Comandante da Aeronáutica), centralizado em quem detém maior perspectiva política e prática a tomada de decisão.

Vale lembrar que, se a aeronave logo apresentar comportamento hostil (exemplo: atirar primeiro contra a aeronave militar), a abordagem pode ser iniciada diretamente segundo o art. 303, § 2º do Código Brasileiro de Aeronáutica.

Por fim, reafirmam-se as regras de direito administrativo, de responsabilidade civil e de direito penal ao prever que as autoridades que agirem com excesso ou abuso de poder responderão no limite de suas atribuições.

Sobre a autora
Cristiane Pereira Machado

Assessora Jurídica de Procurador do Ministério Público do Estado do Paraná. Especialista em Direito pela Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná - EMAP. Especialista em Direito penal e processual penal pela academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Cristiane Pereira. Lei do abate. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6556, 13 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91038. Acesso em: 27 dez. 2024.

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