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O conceito de “dia” e a execução de mandado de busca e apreensão domiciliar.

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Agenda 16/09/2021 às 11:01

3. Possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar a noite com o consentimento do morador.

O art. 245, caput, do Código de Processo Penal, estabelece que “as buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite”.

Quando a Constituição Federal diz que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”, a interpretação que se faz, a contrário senso, é a de que, em havendo permissão do morador, a qualquer momento, pode ser cumprido o mandado de busca e apreensão domiciliar.

O Código de Processo Penal está em consonância com o texto constitucional. Assim como o constituinte, o legislador infraconstitucional não impôs nenhuma restrição ao consentimento do morador. A entrada na casa, independentemente do horário, se encontra na orbita de disposição da vontade do morador.

Ora, mesmo sem mandado judicial, a qualquer momento, seja dia ou seja noite, pode a polícia adentrar a casa, caso haja permissão válida do morador. Porque seria diferente no caso de existir um mandado de busca e apreensão domiciliar e o morador, livre de qualquer coação, autorize a entrada dos policiais? Não há motivos para estabelecer diferença entre as situações. Não considerar válido o mandado de busca e apreensão domiciliar executado a noite com o consentimento do morador é privilegiar o menos com mais, ferindo o princípio da proporcionalidade.

Nesse sentido, o caput do art. 22 da Lei nº 13.869/19, é enfático a estabelecer que a entrada na casa que fere a norma penal é a clandestina, astuciosa ou à revelia da vontade do seu ocupante.

A autorização do morador, nesses casos, funciona como verdadeira causa supralegal de exclusão da tipicidade da conduta do agente. Não há crime e a prova obtida deve ser considerada lícita.

No entanto, para que o consentimento do ofendido funcione como causa excludente da tipicidade, a doutrina e jurisprudência são uníssonas em afirmar que ele deve ser voluntario, livre e consciente.

Fundamentada nesse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de habeas corpus, estabeleceu que “a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada a prova enquanto durar o processo”.

Nesse caso, além de obediência aos parâmetros previstos pelo STJ, entendemos que há necessidade de a autorização de entrada ser concedida por todos os moradores capazes residentes naquela casa objeto do mandado de busca e apreensão.


4. Possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão durante a noite sem o consentimento do morador.

Parte da doutrina sustenta ainda que, em determinadas situações, pode a polícia judiciária dar cumprimento ao mandado de busca domiciliar durante o período noturno, mesmo sem autorização do morador.

Comentando essa corrente, Norberto Avena cita: “Não obstante a limitação constitucional, entendemos que, excepcionalmente, poderá e deverá ser autorizado pelo juiz, sempre fundamentadamente, que se proceda a busca e apreensão domiciliar no período noturno. Isto deverá ocorrer nas hipóteses em que a execução da diligência durante o dia mostrar-se, de plano, absolutamente despida de qualquer efetividade. É o caso, por exemplo, de a providência ser destinada à localização de menores em casas de prostituição clandestinas (aparentemente simples residências, mas onde se realizam, na verdade, encontros para fins libidinosos) e cujo funcionamento haja notícia de que ocorre apenas à noite. Ao deliberar sobre o Inquérito 2.424/RJ85 (j. 20.11.2008), o STF aceitou como válida busca e apreensão realizada em período noturno, utilizando, como um dos fundamentos para tanto, o fato de que a medida, no caso concreto, se realizada durante o dia, seria ineficaz”.

Nesse caso, os executores do mandado não incidirão de maneira alguma no tipo penal do art. 22, § 1º, III da Lei nº 13.869/19. Isso porque, estarão amparados por uma decisão judicial que previamente analisou e ponderou, no caso concreto, de maneira fundamentada, que o interesse no cumprimento do mandado é superior à inviolabilidade domiciliar. Ou seja, o tipo penal é afastado previamente pelo juiz no interesse da proteção de um bem jurídico maior, conforme o caso concreto.

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Situação semelhante já acontece nos casos em que é permitida a ação controlada (art. 53, II da Lei nº 11.343/06), onde o juiz autoriza previamente que a polícia acompanhe determinada situação de flagrância de tráfico de drogas, não realizando a prisão em flagrante do traficante, sem que isso possa configurar falta funcional ou até mesmo o crime de prevaricação.


5. Conclusão.

Apesar de haver correntes em sentido contrário, conclui-se que o art. 22, § 1º, III da Lei nº 13.869/19, além de estar de acordo com o texto constitucional, trouxe segurança jurídica aos que diariamente estão na linha de frente do combate à criminalidade.

Com a novidade legislativa, não há nenhuma dúvida de que o cumprimento de mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma hora) de um dia e antes das 5h (cinco horas) do dia seguinte, salvo as exceções apresentadas, configura crime de abuso de autoridade, não havendo que se discutir se existe ou não luminosidade.

Já era tempo de o legislador impor parâmetros objetivos quanto ao horário de cumprimento do mandado de busca e apreensão domiciliar e, embora não tenha sido a sua intenção direta, no art. 22, § 1º, III da Lei nº 13.869/19, criou-se, indiretamente, o conceito legal de “dia”, tão necessário para aplicação da lei penal em comento.


Referências:

STJ. 6ª Turma. HC 598.051/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 02/03/2021 (Info 687)

MELLO FILHO. José Celso de. Constituição Federal Anotada. São Paulo. Saraiva. 1984. P. 355.

SILVA. José Afonso da. Comentário Contextual a Constituição. São Paulo. Malheiros. 2006. p.103.

KLAUS Begri Costa, FÁBIO Roque Araújo. Processo Penal Didático – 4. Ed., rev., ampl. e atual. – Salvador. Editora Jus Podivm, 2021. p. 669/670.

AZEVEDO, André Boiani e. Nova Lei do abuso de autoridade comentada artigo por artigo. Coorde­nação de Guaracy Moreira Júnior. São Paulo: Rideel, 2019. p. 76.

LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE: Lei nº 13.869/2019 comentada artigo por artigo. Salvador: Editora Jus­podivm, 2019, p. 202)

SANCHES CUNHA. Rogério. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Vol. Único. Salvador: Jus Podivm. 2020. p. 107.

AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro Processo penal / Norberto Avena. – 9.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único. Editora Jus Podivm.8ª ed. Rev. Ampl. e atual. – Salvador, 2020. p. 798


Notas

[1] Substantivo feminino Estabelecimento que vende bebidas alcoólicas

[2] Nessa situação, atentar para o fato de que a novaLei de Abuso de Autoridadee deixa claro que é crime cumprir mandado de busca e apreensão domiciliar entre as 21h (vinte e uma horas) de um dia e as 05h (cinco horas) do dia seguinte. Situação que é afastada, caso haja autorização do morador.

[3] A Lei nº13.3011/16, permite o ingresso forçado de agentes sanitários em imóveis em situação de abandono ou com ausência ou recusa da pessoa em permitir o acesso quando essencial à contenção de doenças, conforme seu art.1º,§ 1º, IV, o que é de duvidosa constitucionalidade.


Abstract: This work aims to legally analyze the concept of "day" for the purposes of carrying out a search warrant and home seizure by the Judiciary Police after the enactment of Federal Law No. 13.869/2019. The concept of day, according to most scholars, was defined by the characteristic features of each location. The new Law of Abuse of Authority, it seems, through oblique ways, created what can be called the “legal concept of the day” for this purpose. It is in this context, and applying a constitutional vision to the matter, that this article will seek to argue for the proper application of the provision, always in harmony with the home inviolability of citizens, as provided for in art. 5, Inc. XI of the Federal Constitution.

Keywords: Day. Home. Warrant. Inviolability.

Sobre o autor
George Dantas Saraiva

Delegado de Polícia Civil no Estado de Pernambuco, Especialista em Direito Penal e Processual Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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